Melhores discos de Outubro/2018

(Foto: Ricardo Noblat)

Carlos Botelho, Gabriel Ferreira e Leonardo Santana

A bruxa tá solta.

 

Daughters – You Won’t Get What You Want

noise rock, industrial

Sem massagem: Daughters é tipo o Swans para a geração millennial. Guardadas todas as devidas proporções, claro: o quarteto de Providence, Rhode Island não criou um subgênero nem virou sensação hipster (ainda), mas certamente incendeia plateias com facilidade.

You Won’t Get What You Want, quarto álbum (um dos dez melhores discos do ano, fácil!), é exatamente o que o título exprime: crueldade, pesadelo, impotência, prepotência, arrogância, desespero, enfim, toda a miríade de emoções negativas que o capitalismo nos proporciona todos os dias. Mas, como bem sentenciou John Lydon em 1986, “anger is an energy”; dê play e energize-se para o que vem por aí! Só não esqueça o capacete… (GF)


Empress Of – Us

pop

Lorely Rodriguez tem sempre muito a dizer. Desde os primeiros singles —que culminaram em um ótimo disco de estreia —, a cantora e compositora de Los Angeles tem feito um ótimo trabalho em fazer da música um diário bem detalhado. Seu segundo registro segue o mesmo conceito, ainda que dessa vez abraçando temas universais.

A exemplo da dançante I Don’t Even Smoke Weed, Empress Of reserva a tracklist para divagar sobre amores (românticos ou não), ansiedade e vida adulta. Contemplativa na medida certa e pop até o último acorde, Rodriguez é uma força que coloca abaixo a falácia adorniana de que o popular carece de qualidade. Irresistível. (LS)


How to Dress Well – The Anteroom

r&b, experimental

Acompanhando os albúns anteriores de Tom Krell, fica evidente sua inquietação com o próprio trabalho. Após diminuir suas experimentações sonoras e se alinhas às tendências musicais da época no mediano Care (2016), o artista volta em seu quinto trabalho de estúdio com canções caóticas, complexas e inventivas.

As letras melancólicas de Krell, já tão características de seu som pop/r&b refinado, ganham novos contornos ao serem envolvidas pela atmosfera densa e nebulosa construída com abstrações e colagens eletrônicas. O resultado entregue nas 16 faixas do álbum mostra que Tom brilha quando abandona tudo que construiu anteriormente e que a imprevisibilidade de seu processo criativo é um de seus maiores trunfos enquanto artista. (CB)


Joji – BALLADS 1

r&b, trip hop

Joji é o pseudônimo de George Miller, produtor e compositor japonês que ganhou uma legião considerável de fãs nos últimos anos. O motivo provavelmente reside na melancolia lo-fi, tão presente nos trabalhos do artista e bastante popular na internet.

Na estreia de Joji, Miller abusa de texturas sujas, que dialogam com a dor de cotovelo constante do eu-lírico. Lembra o início da carreira de seu colaborador The Weeknd, ainda que menos carregado sexualmente. A soturnidade é força motriz aqui, justificando seu título do trabalho. (LS)


Kelela – TAKE ME A_PART, THE REMIXES

r&b, experimental

Kelela nunca decepciona. É essa a única razão pela qual a ideia de um disco de remixes animou. Mas o que a compositora entrega surpreende: mais do que um compilado de remixagens, temos aqui um registro colaborativo que revisita os temas de solidão e auto-conhecimento do material original, o brilhante Take Me Apart.

À exemplo da parceria com as brasileiras Linn da Quebrada e BADSISTA na revisitação da faixa Better, as novas produções dialogam e adicionam camadas às narrativas que já conhecíamos. A cantora etíope-americana ainda pega carona na diversidade étnica e social de seus colaboradores e viaja livremente entre o mainstream e o underground.

Mas os fãs mais ortodoxos não precisam se preocupar, já que as maiores qualidades da cantora seguem intactas. O caráter imersivo do conteúdo fonte não some. Kelela prevalece. (LS)


Kero Kero Bonito – Time ‘n’ Place

twee pop, synthpop

A música pop dos anos 10 parece estar, direta e indiretamente, muito ligada ao mundo oriental. O recente estouro do k-pop no mundo, gênero que já gera bilhões de dólares na Coreia do Sul, fez os olhos do ocidente se voltarem para o outro lado do planeta. E, claro, houve reflexos fora das fronteiras coreanas. O Kero Kero Bonito, trio liderado pela japonesa radicada na Inglaterra Sarah Bonito, tem algo da doçura frenética de nomes como LOONA e Wednesday Campanella, mas em Time ‘n’ Place opõe essa doçura a guitarras barulhentas e estéticas glitch.

O segundo álbum da carreira dos britânicos é um verdadeiro trem bala de melodias grudentas e paredes de guitarras ao melhor estilo My Bloody Valentine, uma tendência que eles passaram a adotar a partir de TOTEP, EP  do começo do ano. Meia hora de pura música pop esquisita e tão descartável quanto cativante. Não deixe de conferir! (GF)


 NAO – Saturn

neo soul, r&b

A enciclopédia livre apresenta diversas definições para a música que NAO faz: avant-soul, avant-R&B ou até wonky funk. Independente do que signifiquem esses termos, é inegável que o trabalho da compositora e produtora britânica é bastante satisfatório. E difícil de definir.

Saturn, seu segundo registro de estúdio, é mais um acerto. Carregado de potencial pop e melodias que ficam na cabeça, o disco caminha graciosamente pela tracklist de 14 faixas sem nunca perder o fôlego. Complicado escolher algum momento do trabalho como destaque, já que a coesão dá o nome aqui e a qualidade é constante. Merece o seu play. (LS)


 Neneh Cherry – Broken Politics

alt-r&b, experimental

Neneh brilhou como popstar em 1989 com o hit Buffalo StanceAgora ela volta com o álbum Broken Politics, que repete sua parceria com o Four Tet que também produziu o excelente Blank Project de 2014. A cantora deixa seus dias de rainha das pistas para trás para criar um trabalho que reflete sobre a insegurança política que se instalou globalmente.

Adentrando em um território previamente introduzido pelo registro de 2014, Neneh adiciona camadas líricas de debates importantes a cerca da sociedade  à um som trip-hop/r&b de produção milimetricamente calculada, relevando uma artista que encontrou sua voz sem nenhuma pressa e que ainda tem muito a dizer através da plataforma que construiu. (CB)


Pabllo Vittar – Não Para Não

pop

Desde que estreou com a versão pagode de um hit do Major Lazer, Pabllo Vittar manteve-se sempre sob a sombra da cultura brasileira. Seu segundo registro de estúdio amadurece essas referências e entrega experiências ainda inéditas no pop tupiniquim. A explosão brega de Seu Crime se destaca exatamente por mostrar essa evolução.

Ainda que a drag de São Luís do Maranhão tenha flertado com o forró em trabalhos anteriores, a produção nunca soou tão orgânica quanto soa aqui. E é hit na certa — assim como diversos outros momentos da tracklist. Além de brasilidades, ritmos como kpop, raggae e r&b também dão o ar da graça.

Na festa de Não Para Não, tudo pode e toda mistureba é bem-vinda. Imperdível. (LS)


Robyn – Honey

pop

Será que existiria música pop, como a conhecemos hoje, sem Robyn? Não sei bem. O trabalho da cantora sueca é tão essencial em minha vida que posso até me perder na emoção e achar que ela é igualmente necessária pro resto do mundo quanto é pra mim. Mas sei lá, ninguém narra as dores do coração através de sintetizadores como ela faz. Pelo menos esse mérito ela tem. E seu novo disco, 8 anos depois, mostra que a intérprete de Dancing On My Own continua tão emocionalmente eufórica.

Em Honey, Robyn segue fazendo o que se tornou sua expertise: a dança enérgica com a tristeza. Mas o novo trabalho não vem imediatamente pronto para as pistas, como o impecável Body Talk (2010). Você ainda vai querer dançar, mas uma dança mais contemplativa. A produção em parceria com amigos de longa data, como Klas Åhlund e Kindness, constrói estruturas que explodem sutilmente.

Enquanto isso, letras revelam o infinito particular da artista, que mais uma vez crava seu nome na cultura pop, imaculada e elegante. De jeito nenhum quero que ela suma por mais uma década, mas caso isso aconteça sei que estamos bem servidos de música de qualidade para anos a fio. Mesmo sim, Robyn, vê se não some. É isso. (LS)


St. Vincent – MassEducation

art pop

Aposto que ninguém esperava muito do sétimo álbum de estúdio de Annie Clarke. Releituras intimistas do morno Masseduction (2017)? No mínimo, um projeto redundante; no máximo, um caça-níquel semelhante à edição especial de DAMN., de Kendrick Lamar.

Aposto, também, que muitos se impressionaram tanto quanto eu com o resultado da empreitada. Bastou uma audição para cravar: MassEducation é o melhor disco da guitarrista mais interessante da década desde Love This Giant (2014), colaboração com David Byrne (Talking Heads). Mais: é o álbum em que Annie se firma de uma vez por todas como uma cantora talentosíssima.

Ela sempre foi competente no posto, bom salientar. Contudo, nos outros discos a instrumentação colorida é mais privilegiada pela produção, deixando sua voz em segundo plano. Acontece exatamente o inverso em MassEducation. Annie é acompanhada apenas pelo piano de Thomas Bartlett nas doze canções praticamente sem overdubs. Logo, seu poder interpretativo é o grande fio condutor do registro, e é daí que vem toda a grandiosidade do álbum.

Difícil fazer destaques individuais; o produto é muito coeso, e o único tropeço talvez seja a inclusão da fraca “Happy Birthday, Johnny” em versão quase idêntica à original. De resto, é dar play e se acalmar e emocionar com a voz de Annie em seus momentos mais vulneráveis – e também mais tocantes. Ouso dizer que ela se aproxima da crueza de Patti Smith e Fiona Apple em alguma passagens. Não deixe de conferir! (GF) 


 Thom Yorke – Suspiria (Music for the Luca Guadagnino Film)

eletrônico, experimental, rock

Dentre os lançamentos do cinema em 2018, o remake de Suspiria (Luca Guadagnino, de Call Me By Your Name) certamente é um dos mais aguardados. E a trilha-sonora assinada pelo frontman do Radiohead é um dos grandes motivos para isso. Na primeira versão do filme de 1973, dirigida por Dario Argento, a clássica trilha ficou por conta do grupo de rock progressivo Goblin. Já Thom Yorke trouxe toda a experimentação de seus trabalhos solo para as músicas.

Há momentos de voz e piano que lembram as baladas características do Radiohead, outros de abstração eletrônica que remetem aos discos de Thom e ainda há aqueles que soam como material usual de trilha-sonora, que contam com o apoio da Orquestra Contemporânea de Londres. Toda esta mistura de influências, ao contrário do que se espera, traz um resultado altamente satisfatório que cria um ambiente denso e sombrio, ideal para o longa. (CB)

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