
Ludmila Henrique
O chocolate, dos sabores mais doces até os mais amargos que conhecemos, transitou por grandes mudanças até se tornar um símbolo gastronômico. Originário da Mesoamérica antiga, as civilizações latinoamericanas foram as primeiras a utilizarem o cacau de maneira medicinal e em rituais. Os Astecas acreditavam que o chocolate era um presente dos deuses, usufruindo de seus grãos como moeda de troca e também como uma bebida afrodisíaca. No entanto, os componentes ganham uma característica familiar após sua vinda à Europa, onde foi adocicado com açúcar e mel, garantindo um sabor mais aprazível. Em Wonka, longa dirigido por Paul King, somos apresentados à fantasia de um ‘chocolateiro’, que deseja mudar o mundo com um pedaço de cada vez.
Com uma cartola cheia de sonhos, Willy Wonka (Timothée Chalamet) tinha um objetivo em mente. Após divagar os sete mares em busca dos melhores especiarias para suas guloseimas, o jovem finalmente desembarca no centro da Galeria Gourmet, uma esfera gastronômica de suma importância na composição de novos doces. Seguindo os anseios de sua amada mãe, o plano era simples: Chamar a atenção dos fregueses, conquistar seu apreço pelo paladar e obter dinheiro para abrir a sua própria confeitaria.
Entretanto, como o mundo é assinado pelo poder dos mais fortes, Wonka percebe da pior maneira que nem sempre as coisas acontecem do jeito em que planejamos. O famigerado cartel do chocolate dispõe de uma única regra: a proibição da venda de doces sem ter um estabelecimento. Consequentemente, também é impossível conseguir uma loja sem dinheiro. Impedido pelo sistema e endividado em menos de um dia, o confeiteiro procura estratégias inventivas para se esquivar da situação na qual se encontrou.

Roteirizado por Paul King e Simon Farnaby, que desempenha uma pequena e ilustre aparição em meio às cenas de comédias, a trama antecede os eventos das películas anteriores, sendo idealizado como um prequel de A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), de Mel Stuart e Roald Dahl. O longa-metragem antecipa, em trinta anos, a busca pelo bilhete dourado escondido na barra de chocolate, um clássico marcante e querido no cenário pop que, de vez ou outra, ainda é referenciado em séries e filmes.
Inspirado no passado da obra setentista, o enredo regressa para a década de 1940, Era de Ouro dos musicais no Cinema. Homenageando esse panorama, King capta em tela a essência dos filmes de Frank Capra, como It’s a Wonderful Life (1946), pelo senso natalino, e Mr. Smith Goes To Washington (1939), pelo sentido de comunidade; o que uma boa alma pode fazer em um sistema marcado pela corrupção. Além disso, o cineasta também desempenha um tributo ao ator Fred Astaire em Royal Wedding (1951), durante um espetáculo de atuação realizado por Calah Lane no terraço de um edifício.

O novo musical inclui canções originais de Neil Hannon e Joby Talbot, que narram a jornada do protagonista em ritmos alegres e dançantes, transportando felicidade à audiência, mesmo que as letras não sejam tão felizes assim, como em Scrub Scrub e Sorry, Noodle. Contudo, apesar das composições serem de fácil memorização, nenhuma delas carrega o impacto e a emoção de Pure Imagination, trilha original do longa de 1971, vocalizado por Gene Wilder em sua interpretação do ‘chocolateiro’ e que ganhou uma nova roupagem performada por Chalamet.
Conversando com a musicalidade divertida do filme, a Fotografia de Chung-hoon Chung permeia o fantástico. Os cenários extravagantes remetem a uma Europa mágica, onde existe uma explosão de idiomas e uma arquitetura clássica, mas também inventiva, um lugar que saiu dos livros infantis e ganhou vida. O jogo de câmera do diretor acompanha cada detalhe em cena, não deixando nada escapar. Uma união entre cores intensas com tonalidades mais escuras, que representam o sonho e a descrença do próprio Wonka.

Transitando entre o drama, o romance e a ficção científica em menos de cinco anos, Wonka transfere um espírito de alegria distante de outras obras interpretadas por Timothée Chalamet. Se solidificando no cenário cinematográfico, o ator inova em cada papel designado a ele, apresentando uma entrega excelente e se tornando, nos últimos anos, um dos grandes nomes da nova geração de atores. Arriscando no canto e na dança, Chalamet abraça uma nova versão de um personagem peculiar e instigante.
Willy Wonka é um sonhador, uma personalidade movida pelo seu sonho, sem medo de entregar tudo e mais um pouco de si mesmo para conquistar o que deseja. Guarda consigo uma inocência inabalável, capaz de acreditar na palavra do próximo sem se questionar. Consequentemente, por causa da última característica, Wonka é facilmente enganado por outras pessoas, que o colocam em várias enrascadas difíceis de sair. Mas, por outro lado, sua pessoalidade também é imensamente acolhedora e criativa, conquistando companheiros de luta e também novos amigos.
Somando o enredo, Olivia Colman está impecável como a Mrs. Scrubbit, uma hoteleira charlatona que faz tudo pelo dinheiro. Colman presenteia o público com aquela vilania cômica e nostálgica da década de 1990, como a impiedosa diretora Agatha Trunchbull do filme Matilda (1996). Em contrapartida, Hugh Grant incorpora um Oompa Loompa ‘engomadinho’ e honesto com seus deveres, dialogando diretamente com a figura do próprio ator que, embora tenha odiado a caracterização final de seu personagem, apresentou uma entrega formidável.

Wonka é doçura transformada em Cinema. Uma história que envolve magia para lidar com emoções humanas. Sentimento capaz de atravessar gerações e comover todas as idades. Uma promessa de um filho para a sua mãe. Um lembrete de que todas as coisas boas se iniciam com um sonho e que a melhor maneira de conquistá-lo é partilhando deste sonho com outras pessoas, como um pacote de baladas, um bilhete dourado ou uma barra de chocolate.