Bruno Andrade
Muitos estariam mentindo se não assumissem que gritaram loucamente o refrão de Sex on Fire em alguma ocasião. Mas há tempos que o Kings of Leon se distanciou daquele som envolvente de 2008, e essa distância não ocorre somente pela medida do tempo, ficando evidente em cada novo álbum que se trata de uma escolha. Lançado em março deste ano, When You See Yourself, oitavo disco do grupo, acena para o rock alternativo de seus anos de ouro, mas, diferente dos antecessores, traz o amadurecimento como força motivadora.
Não é de hoje que os integrantes do Kings of Leon – esse projeto familiar formado pelos irmãos Followill e pelo primo, Matthew – acenam para o passado. Caleb Followill (vocalista e guitarrista base) sempre trouxe em suas letras conteúdo intimista e particular, em uma visão naturalmente nostálgica. Porém, em When You See Yourself, diferente dos álbuns anteriores que mesclavam essas referências pessoais com outros temas, encontramos o Kings of Leon construindo todo o cenário soturno e íntimo que músicas predecessoras habitaram – é quase como dar uma casa a essas canções melancólicas que vagavam isoladas.
Segundo Caleb, When You See Yourself é o disco mais pessoal do grupo, e parece ter sido produzido para possibilitar experiências tanto nos fones de ouvido como nos alto-falantes de estádios lotados, embora essa experiência tenha sido suspensa pela covid-19. Com produção de Markus Dravs – famoso por vencer o Grammy e trabalhar com Arcade Fire, Björk e Coldplay –, o CD tem uma aura fosca, com letras enigmáticas e poéticas, encaixando-se perfeitamente na boca de seus fãs mais assíduos, mas também na dos turistas de primeira viagem.
Agora, entre nós, eu estaria mentindo se não revelasse que cheguei ao Kings of Leon através de Use Somebody. Embora já tivesse presenciado os diversos covers que algumas bandas de bar fazem de Mollys’s Chambers, e já conhecesse Sex on Fire, foi o clipe contemplativo e ao mesmo tempo transcendente de Use Somebody que me fez procurar a banda. Parecia, ao ver aquele clipe, que o grupo entregava os dois lados da moeda. Depois da bebedeira de Sex on Fire, surgia essa espécie de ressaca, na qual questionar os motivos que te levaram à noite anterior são recorrentes. As duas faixas alteravam-se na programação da MTV, e não demorei para perceber que o Only By The Night (2008) era, à sua maneira, um álbum precioso, e um marco para o quarteto.
Essa foi a obra que entregou dois Grammys ao Kings of Leon, e colocou faixas na trilha sonora de Gossip Girl. O esperado era que seguissem pelo caminho aberto nesse novo projeto, levando em conta que o grupo já estava no seu quarto trabalho, sucedendo Because Of The Times (2007), Aha Shake Heartbreak (2005) e Youth And Young Manhood (2003). Três álbuns diferentes, mas que ainda se interligavam através de uma visão mais mainstream – as faixas pareciam ser planejadas para emplacar, e emplacaram.
Essa simples amostra da primeira metade da carreira de Kings of Leon evidencia como o quarteto largou aos poucos seu lado mais country, presente fortemente no primeiro disco – uma origem inevitável devido a cidade de Nashville, local onde os integrantes cresceram e onde esse gênero ainda é muito presente. Mas, depois do sucesso esmagador de Only By The Night, o grupo começou a explorar novas sonoridades. Canções expansivas e reflexivas dominaram Come Around Sundown (2010) – como nas faixas The End e Pyro –, o típico rock-de-arena definiu Mechanical Bull (2013), principalmente nas canções Supersoaker e Don’t Matter, e o pop melódico de WALLS (2016), com os hits Waste A Moment e Reverend, projetou a banda em um novo cenário.
Porém, em When You See Yourself – deixando o pop de lado –, o grupo evoca seu rock alternativo inicial, dando origem a um ciclo, e prioriza traços orgânicos nas canções. O CD traz as linhas de baixo de Jared Followill com poucos efeitos; oferece a bateria crua, competente e pouco barulhenta de Nathan Followill – quase como para marcar o tempo, com poucas viradas e utilizando o prato de condução como prioritário, diferente dos álbuns anteriores, onde os pratos de ataque e o hi-hat aberto marcavam a condução das músicas, a exemplo de Tonight e Four Kicks –, guitarras aconchegantes de Matthew Followill e a voz característica de Caleb.
Algumas de suas faixas foram escritas há alguns anos – Supermarket, por exemplo, foi escrita 10 anos atrás –, mas ganharam novos significados devido à pandemia e aos recentes protestos nos Estados Unidos. Como Caleb revelou, When You See Yourself é, de certa maneira, uma reflexão, e fica difícil não refletir sobre o que está acontecendo. The Bandit é a faixa que mais dialoga com trabalhos anteriores do grupo, e, se tratando de algo que pretende refletir sobre o passado, acenos a álbuns anteriores não poderiam faltar. Ela é uma das melhores do disco, ao lado de Time in Disguise e Stormy Weather, canção que novamente é protagonizada pelo baixo de Jared, com linhas interessantes que dão vazão à voz de Caleb.
O álbum se inicia com When You See Yourself, Are You Far Away, faixa que transmite o tom do CD, começando lentamente e mantendo certa brincadeira entre o baixo e a guitarra. O encerramento fica com Fairytale, mas essa canção não transmite qualquer teor de fim. Além de nos fazer verificar se essa realmente foi a última faixa, faz lembrar Walk on the Wild Side de Lou Reed, e dá a impressão de ter sido colocada no final para causar um efeito de continuidade, ou infinitude. Porém, ao deixar essa abertura no fim, também causa a impressão de ser descartável em When You See Yourself.
De algum modo, a reflexão proposta em When You See Yourself sempre acompanhou o grupo, mas nunca houve algo dedicado somente a esse olhar mais profundo e pessoal sobre a trajetória do Kings of Leon. Há tempos Caleb mencionava algo mais maduro, menos barulhento e mais concentrado em suas letras, mas não parecia haver sintonia, ou talvez não fosse a hora.
Dessa forma, o disco é construído sob o cenário duvidoso da memória, mas ganha novos traços em tempos de isolamento social, transportando qualquer um a suas próprias lembranças. O interessante é observar que aquele grupo dos clipes da MTV amadureceu, como todos nós fazemos um dia. É nostálgico na hora certa e no lugar certo. Esse é, de fato, o grande diferencial desse álbum.