Guilherme Veiga
Lá em 2011, um grupo de Ohio passava por uma reformulação e almejava ser, na melhor das hipóteses, regional. O que não se esperava era que, dois anos depois, a banda envelheceria tão bem e se lançaria de forma tão contundente no cenário do mainstream alternativo. Agora um duo, os inseguros Tyler Joseph e Josh Dun assinavam seu primeiro contrato profissional como Twenty One Pilots, com a Fueled By Ramen, que hoje é responsável por nomes como Young The Giant e Paramore.
O fruto foi Vessel, disco que ecoa e ainda ecoará pela eternidade do dueto. Não se pode negar que foi Blurryface fez o barulho necessário para que o Twenty One Pilots alcançasse o tamanho que tem hoje. Mas sem seu antecessor de 2013, ele talvez sequer existisse. Sem esse terceiro registro na discografia com gosto de debut profissional, talvez milhões de clikkies não saberiam da existência de alguém capaz de entender, gritar e externalizar todos seus anseios.
O álbum é um sucessor espiritual de Regional at Best, última produção lançada de forma independente, tanto que, pelo registro antecessor ser descontinuado pela gravadora devido a questões contratuais, este recicla algumas de suas faixas. Se RaB, apesar da excelência lírica, parece ter sido gravado dentro de um micro-ondas, Vessel exalta que a banda tem um primor melódico, além da competência na escrita, que cada vez mais se maturaria ao longo dos anos.
Mas se engana quem pensa que o álbum é o ponto de ruptura entre o velho e o novo testamento do Twenty One Pilots. O registro mergulha ainda mais nas profundezas de Tyler Joseph e suas inquietações abordadas nos discos anteriores, sem deixar de desenvolver uma das assinaturas da banda: tratar de temas tão pesados e íntimos, mascarando-os com uma melodia enérgica e animada. Portanto, Vessel funciona como referência, lembrando tanto a própria banda quanto seus fãs, de onde o Twenty One Pilots veio e para onde ele vai.
O essencial do disco foi definir a banda como indefinível. Nesse aspecto fica difícil encaixar o duo em um gênero específico, e isto de forma alguma é demérito deles. Pelo contrário, Vessel explicita como o Twenty One Pilots passeia por gêneros de forma muito consciente. Sem dúvidas, o maior trunfo é como Joseph incorpora o rap e o hip-hop entre as faixas, sendo totalmente perceptível em Screen, na qual os gêneros dividem perfeitamente espaço com um indie bem convidativo; ou em Fake You Out, em que a parte rimada tem como pano de fundo os sintetizadores típicos do alternativo.
Longe das lores extremamente rebuscadas dos projetos subsequentes, Vessel se passa em apenas uma noite, começando na insônia de Ode To Sleep e terminando no amanhecer contemplativo de Truce. Assim, o álbum conduz uma viagem pelos pensamentos intrusivos que podem transformar as madrugadas em algo interminável e se torna um profundo relato de quando nossos medos tomam forma e nos assombram.
“Vou ficar acordado
Porque a escuridão não está fazendo prisioneiros esta noite”
Essa viagem interna é a total prova do talento da escrita de Tyler Joseph. Dessa forma, Vessel funciona como uma tradução muito sincera de como o próprio vocalista enfrenta seus demônios, ora com raiva e angústia, ora se rendendo à eles, ou simplesmente aceitando a tarefa de sobreviver a si próprio. O ponto onde toda a genialidade lírica é muito forte é em Car Radio, talvez um dos maiores hits da banda e hino dos fãs. Na faixa, a letra usa a dupla interpretação para fazer um paralelo entre um carro com o rádio faltando e os questionamentos provocados pela solidão.
Segundo o próprio vocalista, o nome do álbum, tradução para ‘navio’, simboliza que nosso ser é esse objeto, que apesar de uma enorme e robusta casca externa, esconde muita coisa dentro, só se libertando quando morremos (ou, nesse caso, afundamos). Portanto, Vessel vai muito além da ponta de seu iceberg alegre e cativante. Ele é a corrida desesperada desbravando os corredores da embarcação no momento de choque, sendo também um naufrágio em nossa própria existência.
No dia 8 de Janeiro, quando o álbum completou seus 10 anos, a banda fez uma live comemorativa e, entre as curiosidades, versões acústicas e vinis especiais, pela primeira vez os dois falaram abertamente mais detalhes sobre a produção. Nela, eles contaram que os dois velhinhos que aparecem na capa, seus dois avôs, já faleceram. Podemos ter certeza que tanto aqueles senhorzinhos simpáticos, como a legião de fãs estão orgulhosos do rumo que o duo tomou. Mas o maior orgulho é dos meninos não terem desistido, seja da carreira ou até mesmo da vida. Se hoje muitos de seus fãs permaneceram vivos por vocês, o Twenty One Pilots também continuou vivo por nós.