No sopro da vida, descobrimos que Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal

Cena do filme Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal. Uma mulher negra, vestindo um vestido branco, está em pé em um campo verdejante, segurando sua filha nos braços. Ela está envolta em um pano branco e deitada confortavelmente no colo da mulher, que olha para ela com ternura e proteção. A figura da mulher transmite força e suavidade, enquanto o fundo de árvores e casas distantes cria uma atmosfera serena e natural. A luz suave destaca o laço afetivo entre elas, capturando um momento de amor e cuidado materno.
A Fotografia do longa, por Jomo Fray, foi premiada no Black Reel Awards, cerimônia de reconhecimento de excelência de afro-americanos (Foto: A24)

Henrique Marinhos

Em meio à poeira e quietude do Mississippi, Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal (All Dirt Roads Taste of Salt, no original) desenha uma narrativa lírica e contemplativa sobre amadurecimento. Dirigido por Raven Jackson e produzido pela A24, o filme é uma coleção de memórias e silêncios que moldam a história de Mackenzie, interpretada por Mylee Shannon, Kaylee Nicole Johnson, Charleen McClure e Zainab Jah, cada uma em diferentes fases da vida.

Dessa forma, Mylee Shannon traz à tela a infância de Mackenzie, cheia de inocência e curiosidade; Kaylee Nicole Johnson captura a turbulência da adolescência; Charleen McClure apresenta os dilemas da fase adulta; Zainab Jah reflete a maturidade, marcada por cicatrizes e sabedoria. A diretora entrelaça o corpo humano e a natureza, tecendo um retrato sensível do passar do tempo e das marcas profundas e invisíveis que ele imprime.

Cena do filme Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal. Três gerações de mulheres negras estão reunidas em um sofá em uma sala decorada com fotos de família na parede ao fundo. No centro, uma senhora de cabelos grisalhos e expressão serena segura com carinho as cabeças de duas meninas mais jovens, suas netas, uma de cada lado. À sua esquerda, uma garota de aproximadamente 10 anos, usando um roupão azul, descansa a cabeça em seu colo com os olhos fechados. À direita, outra jovem, com cerca de 12 anos e vestindo um roupão verde claro, também repousa a cabeça na perna da idosa, criando uma cena de aconchego, amor e conexão entre as gerações.
O diretor de Moonlight, Berry Jenkins, é produtor responsável pela obra (Foto: A24)

O filme opta por uma abordagem sensorial e introspectiva, com poucos diálogos e uma forte ênfase nos gestos e nos sons da natureza. Assim, cada cena parece deixar as palavras na ponta da língua. É uma sensação de desconforto, mas só por estarmos acostumados com narrativas mais dinâmicas e diálogos explicativos. Em comparação a outros filmes coming-of-age, como Lady Bird (2017), que se apoia no humor e nas interações verbais para desenvolver seus personagens, o longa de Jackson prefere o caminho do sentir.

Não é fácil trabalhar a contemplação, a narrativa social que envolve a narrativa e um amadurecimento pessoal de tantas perspectivas. A direção se propõe a fazer isso com pouquíssimos diálogos. No entanto, essa tentativa ambiciosa de unir tantas camadas acaba sobrecarregando o público com tantos simbolismos, nos afastando do que realmente importa: os pequenos momentos de vida.

A Fotografia de Jomo Fray e a trilha sonora de Sasha Gordon e Victor Magro elevam o longa. Enquanto a trilha mistura sons da natureza – o canto dos grilos, o farfalhar das folhas – com composições sensíveis, o enquadramento é como os olhares de um ser onisciente que a acompanha desde sempre. Há momentos em que a estética parece superar a narrativa, deixando a sensação de que a forma é mais importante do que o conteúdo emocional dos personagens.

Cena do filme Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal. Duas meninas negras, irmãs, estão sentadas no banco traseiro de um carro antigo, ambas usando vestidos de estilo vintage com babados e laços. A menina à esquerda, com tranças e expressão séria, usa um vestido preto com detalhes brancos e olha para fora com um olhar distante e pensativo. A menina à direita, com cabelo afro solto adornado com uma faixa de laço, veste um vestido cinza claro com um grande laço no peito e aparenta estar imersa em seus próprios pensamentos, com uma expressão melancólica. A luz suave e o ambiente fechado do carro intensificam a atmosfera introspectiva e emocional da cena.
Esse é o primeiro longa-metragem com direção assinada pela fotógrafa e poetisa Raven Jackson (Foto: A24)

Em termos de desenvolvimento, o amadurecimento de Mackenzie se dá nos detalhes, como olhares demorados, pequenos gestos e interações sutis. A irmã se torna um pilar constante, enquanto a mãe oferece apoio dentro de suas limitações. Ao contrário de Moonlight (2016), com momentos de catarse, aqui, a diretora opta pela sutileza e pelo silêncio. Por vezes, a falta de clímax faz com que algumas passagens pareçam se arrastar. Nessa mesma linha, a protagonista é moldada tanto pelas presenças quanto pelas perdas; pelo vazio deixado por quem parte e pelo calor das conexões que se formam. Assim, a narrativa não linear e o ritmo contemplativo demandam paciência.

Apesar de suas qualidades, Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal não escapa de alguns tropeços. A ausência de diálogos mais substanciais e de uma estrutura narrativa convencional pode fazer com que o filme pareça distante e difícil de conectar emocionalmente. Ainda assim, há beleza e sucesso em sua tentativa de capturar a vida nos pequenos momentos – os abraços silenciosos, o vento sussurrando entre as árvores e o som da terra sob os pés. Podemos refletir sobre as marcas que carregamos e sobre como, em cada jornada, há sempre algo de belo a ser encontrado, mesmo que discreto e fugaz.

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