Nathan Nunes
Em 1988, o diretor Robert Zemeckis (De Volta para o Futuro, Náufrago) e o lendário animador Richard Williams (Um Conto de Natal) lançaram ao mundo Uma Cilada para Roger Rabbit, filme que fez sucesso ao convencer o público de que humanos poderiam interagir de maneira convincente com personagens de animação. No ano seguinte, a Disney se preparava para estrear em seu canal a série Tico e Teco e os Defensores da Lei, uma revitalização da marca dos dois esquilos – existente desde os anos 40 – em forma de desenho animado, que também gerou bons resultados de audiência para a casa do Mickey.
O que uma coisa tem a ver com a outra? Em 2022, Tico e Teco voltaram aos holofotes em Tico e Teco: Defensores da Lei. Lançado diretamente no Disney+, o longa possui um legado bastante similar ao de Roger Rabbit, tanto na sua feitura mista de desenho animado com live-action (isto é, atores em carne e osso) quanto ao valor que dão à Arte da Animação, narrativamente falando.
A história começa exatamente no final dos anos 1980, quando o seriado de mesmo nome estava em seu auge. É nesse momento que Teco (Andy Samberg, de Brooklyn Nine Nine) decide seguir carreira solo e abandona Tico (John Mulaney, de Big Mouth), consequentemente dando também fim ao show. Décadas mais tarde, os dois esquilos se encontram completamente diferentes (Teco está até mesmo com um novo design em 3D) e ainda com a amizade abalada para descobrir o que está por trás do desaparecimento de seu amigo Monterey Jack (Eric Bana, de Hulk e Star Trek).
A produção do Disney+ foi indicada ao Emmy 2022 na categoria de Melhor Telefilme, na qual concorre com Ray Donovan: The Movie (Showtime), Reno 911! The Hunt for QAnon (Paramount Plus), The Survivor (HBO) e Zoey’s Extraordinary Christmas (Roku). Devido aos rótulos que tanto a indústria cinematográfica como a televisiva colocam de que animação é “coisa de criança”, é provável que a produção saia de mãos vazias na categoria, perdendo para um candidato mais “sério”.
Essa noção extremamente desrespeitosa e limitada acerca da animação é justamente o oposto da forma como Tico e Teco: Defensores da Lei a trata, pois o que temos aqui é a Arte do desenho animado sendo abraçada em suas diferentes nuances de estilo e cultura. No primeiro sentido, destaca-se o uso de técnicas variadas em conjunto: 3D, 2D, stop-motion, entre outros. Além de tudo ser muito bem feito, contribui para uma diversidade visual gostosa de se ver em cena.
Já no segundo, chama atenção a maneira que o filme se utiliza de detalhes específicos que fazem parte da história da animação, como ferramentas sagazes de roteiro. Um exemplo é toda a piada da região onde se localiza o covil do vilão Sweet Pete (Will Arnett, de Lego Batman) ser chamada de “vale da estranheza”, em referência ao fenômeno de mesmo nome que ocorre quando os olhos do público não se acostumam com um personagem digital.
Outro exemplo mais significativo está no plano do antagonista de sequestrar desenhos animados e criar cópias pirateadas e de baixa qualidade para vender no exterior, algo que acontece com animações famosas desde os anos 80. O caso mais emblemático desse tipo de prática na indústria foi o da empresa brasileira Vídeo Brinquedo, produtora de pérolas como Os Carrinhos, Ratatoing e Ursinho da Pesada.
Além de ser um tributo de muito bom gosto para a Arte da Animação, Tico e Teco: Defensores da Lei também é um excelente filme de amizade, tendo em vista a ótima química da dupla titular. Por mais estranhas que possam ter parecido as escolhas dos dubladores no começo, John Mulaney e Andy Samberg se saem muito bem entregando personagens extremamente cativantes a seu modo particular.
O Tico de Mulaney tem aquela impetuosidade clássica, em conjunto com uma visão marrenta e cínica da vida, que é quebrada completamente pela espontaneidade do Teco de Samberg. O jeito meio bobalhão e descontraído do nosso querido detetive Jake Peralta está inteiramente presente no timing cômico do pequeno esquilo, juntamente com um olhar sensível acerca dos seus erros no passado e da amizade, difícil de ser reconectada com o parceiro.
No que tange aos coadjuvantes, dois personagens se destacam. Um deles é o Capitão Putty de J.K. Simmons (Whiplash), que carrega o peso da presença de voz do ator em seu jeito bem sisudo e centrado. Já o outro é o Sonic Feio de Tim Robinson (Star Trek: Lower Decks e Solar Opposites), que funciona tanto como uma referência para os fãs mais ávidos, como também na forma de um personagem divertido por si próprio.
Dito todos os elogios, é bom ressaltar que o filme não é perfeito e nem pretende ser, visto que o foco aqui está muito mais na construção da amizade da dupla principal e na celebração da animação do que qualquer outro ponto. Nesse sentido, o único aspecto que incomoda um pouco é a ansiedade do texto de precisar explicar algumas referências para que o público não fique perdido, algo que o deixa com um sentimento meio engessado, mesmo que não necessariamente ruim.
Ademais, o retorno dos esquilos que marcaram a infância de diferentes gerações nos anos 1990 para as telas não poderia ser mais simpático. Seguindo os passos que Uma Cilada para Roger Rabbit trilhou 34 anos atrás para valorizar a animação como forma de Arte séria, sob a qual poderia ser contada diferentes histórias, até mesmo uma de filme noir; Tico e Teco: Defensores da Lei funciona muito bem como uma nova carta de amor a esse universo tão específico e fascinante do Cinema, além de ser puramente cativante por si só.