Nathan Nunes
Poucos momentos na história do Cinema podem ser considerados verdadeiros milagres. Um deles foi a estreia de O Poderoso Chefão, em março de 1972. A produção do filme foi um verdadeiro caos, indo de um estúdio que não queria aceitar um jovem Al Pacino como protagonista e que estava, a todo momento, pronto para demitir o diretor Francis Ford Coppola, até um boicote de figurões como Frank Sinatra e o envolvimento da máfia por debaixo dos panos na produção, entre diversos outros perrengues. Por sorte, sabemos como essa história terminou muito bem para todos os envolvidos e pavimentou o caminho de muitos artistas estreantes na indústria cinematográfica. Agora, 50 anos depois da obra-prima familiar de Coppola ter conquistado o público, a minissérie The Offer estreou no Paramount+, contando os bastidores do longa pelo ponto de vista do produtor Al Ruddy (Miles Teller).
Recém-saído do seriado de sucesso Guerra, Sombra e Água Fresca nos anos 1960, ele começou sua carreira trabalhando para a Paramount Pictures no início da década de 1970, quando o estúdio precisava desesperadamente de um novo sucesso de bilheteria. É nesse cenário que Ruddy é encarregado da tarefa de levar o livro de Mario Puzo (Patrick Gallo) – até aquele momento o mais vendido da história – para os cinemas.
É plenamente justificável olhar para The Offer com cinismo e desprezo, devido a atual tendência da produção dos grandes estúdios estar atrelada muito mais ao conteúdo do que às ideias originais. Além disso, o fato da Paramount – a responsável por fazer das vidas dos envolvidos no projeto original um inferno – estar capitalizando em cima dessa experiência conturbada poderia soar como um mea-culpa cafajeste, ou até mesmo desrespeitoso. Por sorte, isso não acontece aqui, e a série, mesmo com seus problemas, consegue oferecer ao público uma perspectiva honesta sobre como funcionam as coisas em Hollywood e sobre como o Cinema é uma Arte colaborativa.
Colaboração, inclusive, é a palavra-chave para o sucesso em The Offer. Acompanhar um bando de pessoas diferentes se empenhando e dedicando o máximo de suas vidas para a realização de uma obra de arte única é o barato do roteiro. O acerto está em nos dar uma recompensa satisfatória ao final da maioria dos episódios – aquele gostinho clássico da vitória dos underdogs em cima dos bullys. No cenário da série, são os artistas sonhadores em cima dos engravatados sem alma que só pensam no lucro.
Contudo, a narrativa é a mais maniqueísta possível, pois O Poderoso Chefão é uma obra tão importante para a História do Cinema que qualquer produção atrelada ao seu nome vem com o risco de não ser tão boa como o filme que começou tudo. Nesse sentido, os showrunners Michael Tolkin e Nikki Toscano decidiram apostar no seguro e construíram seus personagens e arcos dramáticos em cima de arquétipos tradicionais, que se provam uma faca de dois gumes: por um lado, garantem a eficiência do projeto, mas, por outro, apagam o brilho da novidade, ao passo que The Offer dificilmente será lembrada da mesma forma que o clássico.
Ninguém representa tão bem isso como Joe Colombo (Giovanni Ribisi), um mafioso que tentou impedir o longa de ser produzido. Sua composição como personagem é extremamente caricata, indo da maquiagem pesada até um sotaque italiano tão forçado quanto os de Casa Gucci. Curiosamente, uma de suas grandes preocupações é que o filme trate os italianos de forma estereotipada, exatamente a maneira com a qual ele próprio é tratado pela série.
Apesar dos pesares, o elenco consegue driblar as caracterizações batidas dos personagens entregando boas performances. Miles Teller, por exemplo, está bem como um Al Ruddy determinado e com bom jogo de cintura para lidar com os egos conflitantes na produção. Já Dan Fogler diverte com seu Francis Ford Coppola doce, sensível e até um pouco ingênuo, com aquela passionalidade evidente através de sua Arte. Enquanto isso, Juno Temple impressiona como a esperta Bettye McCartt, secretária e fiel escudeira de Ruddy.
No entanto, quem brilha mesmo em cena é Matthew Goode ao interpretar Bob Evans, lendário produtor da Paramount, responsável por outros clássicos como Love Story, O Bebê de Rosemary e Chinatown. Conhecido pela sua personalidade impactante e carismática, Evans é retratado com nuances bem interessantes por parte de Goode, como uma petulância quase infantil, um charme de bon vivant (não à toa, ele deu seu aval para uma adaptação de O Grande Gatsby na mesma época) e um arco próprio de queda e redenção, baseado no polêmico fim de seu casamento com a atriz Ali MacGraw (Meredith Garretson).
Tecnicamente, poucas coisas impressionam. A série é bem fotografada por Salvatore Totino (Homem-Aranha: De Volta ao Lar) e Elie Smolkin (Dirty John: O Golpe do Amor) e encenada, mas nada chama muita atenção para além de algumas boas rimas de linguagem feitas com cenas antológicas, como um assassinato que se mescla às filmagens do atentado a Don Vito Corleone (Marlon Brando no filme de 1972, Justin Chambers aqui). Na verdade, esse sentimento pouco instigante da série como técnica diz muito sobre a sua natureza particular.
No fim das contas, The Offer funciona mais como uma curiosidade do que como um projeto sólido por si próprio, pois a sensação que permanece é a de que já vimos coisa parecida antes e, até mesmo, um pouquinho melhor; mas isso não é necessariamente ruim. Desde o seu lançamento, poucas obras chegaram aos pés de O Poderoso Chefão, tanto na produção cinematográfica como na televisiva. Então, não é de se espantar que a série de 2022 não tenha chegado também. Em outras palavras, é uma oferta que não é irrecusável, mas, no geral, competente e mediana.