Luisa Rodrigues
Não são muitos que conhecem St. Vincent pelo nome – talvez lembrem-se da performance de tirar o fôlego que a artista fez junto com Dua Lipa no Grammy de 2019 a partir de um mashup de Masseduction e One Kiss. Mas no geral, a cantora não faz parte de um meio popular, e durante sua turnê promovendo o disco MASSEDUCTION, ela decidiu começar a gravar um documentário mais pessoal, mostrando também a Annie Clark. Pelo menos, é dessa forma que ela conta como começou a ideia que não deu certo do filme The Nowhere Inn.
O mocumentário foi lançado pela IFC Films no dia 19 de setembro, com a direção de Bill Benz, a partir de um roteiro de Annie Clark e Carrie Brownstein. O filme procura tratar a ideia do alter ego no mundo das celebridades e sobre o ato de controlar sua narrativa, usando a linguagem criativa do falso documentário e criando muitas expectativas com um começo catártico.
Quem acompanha a carreira de St. Vincent está acostumada com sua habilidade de metamorfose nos álbuns, cada um com um tom diferente, e em The Nowhere Inn o trabalho da artista não é diferente. O filme é um thriller psicológico cômico e tem como tema fundamental o alter ego de Annie como St. Vincent, e todos os personagens do filme interpretam suas próprias figuras exageradamente.
Carrie Brownstein é convidada pela cantora para roteirizar seu documentário e trazer uma visão pessoal e íntima sobre ela, já que as duas são amigas de longa data. Mas essa proposta não dá muito certo, pois a Annie Clark se distancia muito da imagem de St. Vincent, mostrando a diferença de um artista nos palcos – uma rock star eletrizante com solos de guitarra – para a vida no dia a dia. E aí que está principal a justificativa do filme: Annie decide tornar-se St. Vincent no tempo integral – a famosa construção do vilão –, e assim, a ficção começa.
O filme acaba trazendo elementos clichês presentes em thrillers, como uma cena que fecha a câmera no rosto da personagem e mantém uma iluminação vermelha para representar o ponto de virada, ou sequências mostrando a personagem espelhada. Em The Nowhere Inn, isso significa o momento em que a protagonista está deixando o lado Annie para trás, numa construção que diminui o suspense, mas dá o tom do humor exagero à história.
Um dos melhores momentos do longa conta com a participação da atriz Dakota Johnson, interpretando ela mesma como namorada de Annie. A cantora decide que precisa gravar a intimidade das duas (literalmente) para que ela seja mais interessante em seu documentário. É tudo tão exagerado que se torna cômico, não só nessa cena, mas no filme todo. Às vezes ele funciona, e às vezes, perde-se pelo roteiro.
O que não poderia faltar no filme é a entrega de música, e disso ele aproveita. Tanto a trilha sonora, como a parte musical – assinada por St. Vincent –, The Nowhere Inn encontra a sincronia necessária para contar a história no visual e no sonoro. As imagens gravadas ao vivo de shows da turnê do disco MASSEDUCATION, são fenomenais e imersivas, porém, com todo rumo que o filme tomou em alguns momentos, elas ficam fora da narrativa apresentada.
Por ter sido pensado para antes da pandemia, a data do filme acaba influenciando no que ele poderia vir a significar. The Nowhere Inn seria o fim de uma era para a cantora (a da guitarra elétrica, batidas eletrônicas e ansiedade) para que então ela pudesse entrar no mundo melancólico, pessoal, psicodélico e setentista de Daddy’s Home. Em um mundo ideal em que o longa tivesse sido lançado no tempo correto, ele iria representar a mudança da artista, e a intenção de St. Vincent ser mais Annie Clark nas suas composições e na sua Arte. Mas essa questão temporal acaba com boa parte do sentido do filme.
O roteiro trabalha com uma proposta interessante de tratar o alter ego de Annie Clark por meio desse falso documentário. Porém, a partir da metade do filme, ele começa a degringolar na intenção de introduzir uma ideia de manipulação psicológica que não é bem feita. Assim, toda a justificativa construída no início fica um tanto nebulosa, e daí em diante, a narrativa se distancia do que estamos acostumados a ver da artista – muito estilo – e torna-se confusa.
Fazer um falso documentário parecia uma solução criativa e interessante para mostrar mais de uma cantora que está bastante nichada, mas parece que a proposta do filme muda a cada ato. Mocumentário, thriller psicológico, conhecer mais a artista, falar sobre alter ego, controle de narrativa… No fim, The Nowhere Inn mistura tudo de uma maneira não muito satisfatória, tenta ser tantas coisas que não consegue entregar uma narrativa convincente. E assim, não alcança a expectativa criada como espectador, e, principalmente, como fã da artista.