Jamily Rigonatto
Regras e protocolos fazem parte da pose da Rainha Elizabeth II. Com seus 94 anos de idade, a grande personalidade britânica representa a nação inglesa e carrega a coroa há mais de 60 anos. Sempre aparentando neutralidade e rigidez, a monarca é conhecida no mundo todo, e é alvo de diversas teorias da conspiração e especulações. Misturando sua vida pessoal com história e política, a série biográfica The Crown foi lançada em novembro de 2016, e agora chega à sua terceira temporada.
Criada e roteirizada por Peter Morgan, a narrativa é inspirada no reinado de Elizabeth II, sendo uma das apostas mais caras da Netflix. Entre palácios e grandes figuras políticas do Reino Unido, a superprodução dramática destaca o caminho da Rainha até o Trono, enquanto traz à tona sentimentos e fragilidades dos personagens. Com um elenco muito bem escalado e um enredo sólido, a série se mantém como um sucesso, que terá seu desfecho na sexta temporada.
Narrando os primeiros passos da responsabilidade de liderar o povo, a primeira temporada tem Claire Foy atuando no papel principal. Após a morte de George VI (Jared Harris), Lilibeth abre mão de aspectos da vida pessoal e tem seus relacionamentos abalados em nome da Coroa. Reuniões, eventos reais e a relação dela com o primeiro-ministro de fortes ideais, Winston Churchill (John Lithgow), fazem parte dessa trajetória.
Lidando com os jogos de interesses e com as dinâmicas de equilibrar a vida pública e a privada, é possível vê-la se sentindo despreparada e, muitas vezes, dependente de orientação. Aos poucos, a jovem Rainha se torna mais segura, e a atuação impecável, com gestos bem trabalhados e as feições suaves da atriz, garantem a sua humanização e traçam bem a mudança da personagem, sem abandonar a essência tradicional e a elegância que uma governante precisa ter.
A segunda temporada, lançada em 2017, mantém a linha de pensamento, mas, dessa vez, Elizabeth divide seu palco. Com o casamento com Philip (Matt Smith) entrando em uma crise muito maior do que antes, o príncipe e seus sentimentos são explorados na série. Ele não gosta das mudanças a que teve que se submeter e, muito menos, de estar abaixo da esposa; seu instinto de liberdade, sua indignação e algumas lembranças do passado aparecem para sustentar isso. Apesar da narrativa tratar da fragilidade do Duque de Edimburgo ao ver sua esposa ocupando um espaço maior que o dele, nos bastidores, The Crown gerou polêmica com disparidade de gênero por Matt Smith receber um salário maior que o de Claire Foy.
A princesa Margaret (Vanessa Kirby) também ganha sua dose de protagonismo, sua personalidade escandalosa e irreverente chama a atenção e é o oposto da irmã. Sem obrigações, ela é livre, e a atriz transmite isso muito bem, cada olhar é perfeitamente encaixado em sua persona. Os desentendimentos entre as duas colocam a Rainha contra a parede e, novamente, a deixam dividida entre deveres e interesses pessoais.
Além dos conflitos que rodeiam a trama, o contexto político e a necessidade de mudanças no propósito e abordagem da realeza geram uma pressão em Elizabeth, que agora já sabe ser mais firme e segura de suas decisões. Eventos históricos, como a visita do americano John Kennedy (Michael C. Hall) ao Reino Unido e a Crise de Suez, são trabalhados nos episódios e contextualizados para o público. O segundo ano da série é também a despedida do elenco inicial, que é substituído para indicar a passagem do tempo.
Representando uma Elizabeth mais madura, com 25 anos de Coroa, Olivia Colman é encarregada de entregar na terceira temporada uma Rainha estabilizada, e ela faz isso com destreza. Sem falhas na postura, ela é experiente e sabe se posicionar. Apesar de toda a autoconfiança, as cenas não se tornam desprovidas de emoção, e carregam os sentimentos necessários em pequenos detalhes de sua atuação. Helena Bonham Carter também não ficou para trás, e a falta de um par de olhos azuis não fez dela menos Margaret que Vanessa Kirby. Junto da personalidade forte e desregrada, ela trouxe a frustração que a personagem precisava.
Mais que a evolução da protagonista, o salto temporal representa a evolução do território e do povo inglês. Em um cenário que se distancia cada vez mais da intimidade dos personagens e foca na relação conturbada do povo com a Coroa, contornar isso é uma tarefa difícil, que gera questionamentos e revela segredos. Ao contrário das outras temporadas, a terceira se destaca por despertar um novo sentimento no telespectador. Se antes os personagens geravam empatia e aproximação com o público, agora, sentimentos como repulsa a certas atitudes e declarações tornam o ambiente mais pesado e obscuro.
Abrindo a lacuna para elementos que aparecerão no próximo ano da série, a vida adulta e a personalidade do príncipe Charles (Josh O’Connor) são desenvolvidas. Relacionamentos e atitudes mostram nele ideais diferentes dos de sua mãe e um distanciamento do tradicionalismo, o aprofundamento na história do príncipe gera grandes expectativas acerca da futura aparição da polêmica princesa Diana. E é com uma palavra que os produtores garantem que queiramos mais de The Crown: curiosidade.
Na premiação do Emmy 2020, The Crown recebeu três indicações nas categorias principais: Melhor Atriz em Série Dramática (Olivia Colman), Atriz Coadjuvante (Helena Bonham Carter) e Melhor Série. A produção também conquistou indicações técnicas, como a de Peter Morgan na categoria de Melhor Roteiro com o episódio Aberfan, e de Direção, onde Benjamin Caron concorre com Aberfan e Jessica Hobbs com Cri de Coeur. Este último, também foi o episódio submetido por Olivia e Helena para concorrerem ao prêmio.
No total, a série foi indicada 13 vezes na 72º edição do Emmy Awards, que, excepcionalmente, ocorrerá em uma cerimônia virtual no dia 20 de setembro. The Crown disputa com grandes nomes, como Succession e Ozark, mas, ao contrário do que se esperava, não com Pose, que foi esnobada e perdeu a indicação da categoria para The Mandalorian, produção que faz parte do universo Star Wars e surpreendeu por ser listada 15 vezes na premiação.
Tanto em 2017 com John Lithgow (Melhor Ator Coadjuvante), quanto em 2018 com Claire Foy (Melhor Atriz), a série foi premiada pela atuação, e nunca apareceu menos de três vezes nas indicações. Resta saber se a terceira temporada, exibida em 2019, teve drama na medida certa para agradar à Academia e garantir mais um prêmio. Nomes como Zendaya (Euphoria) e Jennifer Aniston (The Morning Show) dificultam a competição para Olivia e deixam as apostas mais divididas, mas, quem sabe, as dicas que Helena diz ter pego com a própria Margaret a ajudem a ganhar seu primeiro Emmy.
O drama em The Crown é cativante, mesmo sendo uma narrativa biográfica com muito estudo da cronologia dos acontecimentos. O roteiro e direção souberam como mostrar fatos históricos acompanhados de uma bela dose de exagero, muitos eventos simples que poderiam passar sem receber nenhum destaque são aproveitados para que pareçam mais trágicos. Uma das estratégias que dá brilho às experiências dos Windsor são os flashbacks, que em diversos momentos usam lembranças para agregar à parte ficcional da trama.
O trabalho de produção que acompanha as cenas é muito delicado, a fotografia, os cenários grandiosos e os figurinos estonteantes trazem a ambientação perfeita ao clima da série. Diversas particularidades fazem a diferença, como as roupas de Elizabeth, que se tornam mais sóbrias com o passar dos anos, e os acessórios que compõe toda a harmonia e veracidade das filmagens. O contrário não seria admissível, afinal, a temporada mais recente custou a barganha – palavras da própria Netflix – de 125 milhões de dólares.
The Crown já provou ser um projeto magnífico, que conseguiu conquistar o público com seu jeito de contar um bom drama usando figuras de grande prestígio social. Os resultados não poderiam ser melhores, com a evolução aplicada de forma fluida, boa amarração entre as temporadas, precisão histórica, ótimos atores e uma ambientação de tirar o fôlego. A série foi a aposta que deu certo.
O questionamento é sobre o futuro da trama, manter mais três temporadas com o alto nível de qualidade parece ser uma tarefa difícil. Até que ponto The Crown consegue surpreender? As expectativas estão nas alturas, o esperado são mais camadas da Rainha sem trazer um monte de episódios de uma hora, lotados de lembranças e narrações históricas. O desafio da série é nos fascinar com reviravoltas sem se desconectar do conceito principal, espero que não recebamos uma monotonia entediante.