The Morning Show: A perturbadora realidade por trás das câmeras

The Morning Show, grande investimento da Apple TV+ com as estrelas Jennifer Aniston e Reese Witherspoon no elenco, não decepciona (Foto: Reprodução)

Milena Pessi 

Baseando-se no livro do jornalista norte-americano Brian Stelter, “Top of the Morning: Inside the Cutthroat World of Morning Tv”, a Apple TV+ lançou a série The Morning Show. Criada por Jay Carson, a produção conta a história do Jornal da Manhã da emissora UBC, onde Alex Levy (Jennifer Aniston) e Mitch Kessler (Steve Carell) são co-âncoras por mais de 15 anos. Tudo muda quando, após acusações de abuso sexual dentro do trabalho, Mitch é demitido e Alex vê sua vida virar de ponta cabeça. Nessa hora todo o país entende que, por trás das câmeras do Jornal da Manhã, nada é o que parece ser. Enquanto isso, a repórter local Bradley Jackson (Reese Witherspoon) viraliza na internet após iniciar uma discussão durante um protesto, e é chamada para dar uma entrevista, dando início à relação com muitos altos e baixos de Bradley e Alex.

No início da série, o time The Morning Show, aqueles que trabalham por trás das câmeras, parecia surpresos com as denúncias feitas sobre Mitch, já que ele sempre foi uma pessoa bem humorada. Mas, a cada episódio que se passa, percebemos que não é bem assim. Uma das produtoras de Kessler, Mia Jordan (Karen Pittman), acaba se envolvendo com ele, mas logo após o fim da relação recebe a notícia que não faz mais parte do time de Mitch. Esse é um dos vários exemplos de como a série aborda o abuso, nesse caso de poder do âncora em relação às mulheres com cargos menores que o seu. Outra grande problemática abordada pelo seriado é o silêncio dos colegas de trabalho do âncora em relação aos abusos, à misoginia e piadas machistas. O que acaba criando um ambiente tóxico de trabalho, onde os mais poderosos se vêem na liberdade de fazer o que bem entenderem, sem consequência alguma.

Após a demissão de Mitch, Alex se vê sem saber o que fazer. Ela acaba descobrindo que os donos da emissora UBC queriam-na demitir faz muito tempo, sob o argumento de que ninguém quer assistir um jornal que uma mulher apresenta. Isso a faz perceber como estava sendo manipulada por todos esses anos e leva ela a tomar as rédeas da própria vida. Em uma premiação, ou seja, num evento público com muita imprensa e tudo que fosse dito seria noticiado, o Jornal da Manhã recebe o prêmio de Melhor Jornal e Levy é a responsável por fazer o discurso de agradecimento. Momento esse onde diz que Bradley Jackson seria a sua co-apresentadora, dando assim início à relação das jornalistas. Apesar de muitos desconfiaram da capacidade de Jackson, ela se mostra capaz de tal trabalho. 

Interpretado por Steve Carell, Mitch é a representação de estrelas de Hollywood acusadas de abuso sexual, como Kevin Spacey e Harvey Weinstein, e dos escândalos do jornalista da Fox News Bill O’Riley (Foto: Reprodução)

O grande foco da série é mostrar que, quando vivemos em uma sociedade machista, todos somos perceptíveis a cometer atos, fazer comentários impróprios ou simplesmente ignorar, “não achar nada demais”, quando algo do tipo acontece. Após o primeiro episódio, com as denúncias e a demissão de Mitch, as histórias começam a se desenrolar e percebemos que não se trata de apenas uma vítima, mas sim de várias. The Morning Show é uma cadeia de abuso de poder seguido de abusos sexuais. Grande parte dos casos ocorreu com mulheres no início da carreira, no qual ao denunciarem o crime sofrido, de duas uma: ou eram demitidas ou recebiam promoções pelos donos da emissora com o objetivo de silenciá-las. Apesar de várias denúncias, Mitch Kessler se apresentava como inocente em todos os casos, ele não via o quão sério foram seus atos e como afetou gravemente a vida das mulheres que abusou.

No mundo real, o movimento Me Too ganhou forma quando a atriz Alyssa Milano postou em seu Twitter um apelo para que todas as pessoas que foram vítimas de abuso sexual usassem a hashtag #MeToo, em 2017. Estrelas de Hollywood, como a atriz Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow, viram este movimento como forma de denunciar os abusos que sofreram por homens poderosos.  Um dos casos que mais ganhou repercussão foi o do produtor de filmes Harvey Weinstein, acusado por mais de vinte mulheres de abuso sexual, sendo condenado a 23 anos de prisão. The Morning Show faz uma ponte com o movimento Me Too a partir do caso de Mitch Kessler, com o objetivo de mostrar como a realidade é suja e tóxica para as mulheres, mas que também os abusos não serão apagados e os abusadores pagaram pelos seus atos. Segundo o jornal The New York Times, mais de 200 homens poderosos perderam os seus cargos após serem acusados publicamente através do movimento. 

Com grande repercussão, o Movimento Me Too ganha mais força a cada dia e dá voz às mulheres que sofreram e sofrem por qualquer tipo de abuso dentro ou fora de Hollywood (Foto: Reprodução)

Apesar de tratar de assuntos extremamente importantes e possuir grandes nomes no elenco, The Morning Show foi uma das séries mais esnobadas pelo Emmy 2020. Recebendo apenas 4 indicações nas categorias de Drama: Melhor Ator Coadjuvante (Mark Duplass e Billy Crudup), Melhor Ator (Steve Carell) e Melhor Atriz (Jennifer Aniston). Porém, outras séries que abordam temas importantes para a sociedade e que tiveram um grande alcance no público foram deixadas de lado, como é o caso de Pose, que conta a história de uma comunidade LGBTQIA+ em busca de alcançar seus sonhos na intolerante Nova York dos anos 80, indicada apenas a uma categoria.

Atores com uma carreira extensa e de grande qualidade foram esquecidos pela premiação, como é o caso de Reese Witherspoon, que estava no páreo tanto por The Morning Show, quanto por Little Fires Everywhere e a 2ª temporada de Big Little Lies. Além dela, Aaron Paul, por El Camino, e o elenco de Pose também não receberam nomeações. Quase após 20 anos do fim de Friends, Jennifer Aniston escolheu o papel certo para fazer o seu retorno à televisão, provando não apenas que sua carreira é muito maior do que apenas Rachel Green, como também é digna do Emmy em Drama. 

Por The Morning Show, Jennifer Aniston venceu o prêmio do Sindicato dos Atores, o SAG, no começo do ano (Foto: Chris Pizzello)

O ponto da série, além de mostrar os abusos de poder, abusos sexuais e suas consequências, é não ser maniqueísta e, sim, real. Durante o desenrolar dos episódios, a simpatia pela personagem de Jennifer Aniston aumenta e nos vemos torcendo por Alex, mas isso não quer dizer que ela seja perfeita. Pelo contrário, Levy por muitas vezes defenda seu ex-colega Kessler, mas com o passar da história, das vítimas surgindo e quando em alguns casos elas são pessoas conhecidas e até mesmo amigas, ela entende que vive em uma sociedade machista, de onde ela faz parte. Seu silêncio diante os casos também é um problema.

A partir do momento que Alex entende que não importa o quão privilegiada ela é por ser bem sucedida, ainda assim mulheres continuam sendo abusadas. É necessário se levantar, fazer barulho e se fazer ser escutada. E tudo isso acontece com o apoio de Bradley Jackson, uma peça importante para este desfecho. Ela é a responsável por ajudar a abrir os olhos de Levy sobre como o realidade por trás das câmeras do jornal tornou-se perturbadora, a ponto de criar cicatrizes para a vida inteira nas mulheres que ali trabalharam. A última cena é o gran finale que a série merecia: sincera, poderosa e de tirar o fôlego de todo espectador. The Morning Show é o grito de liberdade, é a resposta que Hollywood precisava de que mais ninguém ficará em silêncio diante de abusos e injustiças.

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