Mariana Chagas e Nathália Mendes
Se a adolescência por si só é um caos, imagine para Scott McCall (Tyler Posey) ter garras, dentes afiados e pelos por todo o rosto crescendo durante um jogo de lacrosse. Teen Wolf pareceu ingênuo por surfar na onda de Crepúsculo e Diários de um Vampiro lá em 2011, aproveitando as lendas de lobisomens e vampiros que se tornaram uma febre. No entanto, o criador Jeff Davis conseguiu mergulhar um lobo adolescente na complexidade da mitologia e, ao mesmo tempo, lidar com problemas profundos da passagem para a vida adulta.
Uma atmosfera sombria acompanhou a história do protagonista ao longo de 6 anos, junto com efeitos especiais ridículos, romances aflorados, figuras femininas poderosas e atores de beleza grega. Tudo muito bem atrelado ao seu enredo robusto e teorizado em lendas sobrenaturais, para o fascínio dos fãs pela série. Comemorando a década de seu sucesso consagrado, a MTV se juntou a Jeff e à Paramount+ para reviver o bando McCall em um filme. O elenco original é previsto para o retorno, e sua estreia está marcada para 2022.
Era tarde da noite em Beacon Hills quando Scott e seu melhor amigo Stiles (Dylan O’Brien) vagavam pela floresta em busca de um cadáver – como qualquer dupla de jovens sem nada melhor para fazer numa cidade pequena. Durante a caça pelo corpo, o protagonista se transformou em presa: foi mordido por um lobo. Mal sabia ele que era pior do que parecia, pois após a primeira das muitas madrugadas assombradas de Teen Wolf, Scott se transformou em um lobisomem. Agora a sua vida e a de todos ao seu redor mudaria para sempre.
O paralelo com a fase em que está vivendo é perfeito. Seu grande desafio é passar pela escola ao mesmo tempo que tenta aprender a ser sua própria âncora. Se no Ensino Médio ele lida com caras babacas e semana de provas, na sua segunda vida precisa dar conta de entender seus poderes e de outras criaturas sobrenaturais em um calendário bem chatinho de transformação nas luas cheias. Mas a verdade é que o buraco das maluquices era muito mais embaixo.
Os 100 episódios da série o acompanham nessa nova fase de se entender junto aos laços de sangue e do coração, e seu caminho em construir uma família sobrenatural foi verdadeiramente fantástico. Com a história de Scott, Teen Wolf mostra que é muito mais do que um simples dramalhão adolescente. E no meio do caos, as piadas sem graça de Stiles talvez sejam a única coisa que mantém a sanidade dos personagens – e a nossa.
Pior do que as piadas de Stiles, apenas os efeitos especiais de Teen Wolf. A única glória morava dentro das composições que não precisavam de recursos de computação gráfica, por exemplo no figurino impecável dos Dread Doctors que aterrorizaram a cidade. Mas, ruim é pouco para descrever o trabalho de CGI da produção. A maquiagem que transformava Tyler Posey em lobisomem levava quatro horas para ficar pronta, e depois era injustiçada quando as animações entravam para acompanhar o personagem.
Não o bastante, a série também se arriscava em querer elementos visuais difíceis, sendo que mal conseguia entregar os simplistas – como não pensar nos olhos falsamente brilhantes de Scott? Quanto mais assombrosos eram os inimigos do bando McCall, pior eram os efeitos que iam em tela. Entre os vilões que passaram pelos piores perrengues estão a versão alfa de Peter Hale (Ian Bohen) já na temporada de estreia, e a Besta de Gévaudan de Theo (Cody Christian) na 5ª temporada – comprovando que a frase “errando se aprende” não é para todo mundo.
Se por um lado os efeitos especiais deixavam a desejar, por outro, somos recompensados com temas de extrema importância que foram bem colocados entre as tramas adolescentes. Não tem como pensar na série sem lembrar do primeiro beijo de Stydia, uma cena onde Lydia (Holland Roden) acalma Stiles com um gesto de carinho, pois o menino passava por um ataque de ansiedade. A saúde mental dele é pauta recorrente trazida com leveza e seriedade durante as temporadas, desde a doença cerebral da mãe, até seus efeitos cotidianos.
Por falar em família, a história do primeiro amor de Scott foi também a do público: a lendária Allison Argent (Crystal Reed) nos encantou ao conseguir o que queria com seu arco e flecha em mãos. Ela era o ponto fora da curva de sua família caçadora de lobisomens, e o romance proibido com o protagonista deixava seu plot sobre herança familiar ainda mais empolgante. Quando Crystal decidiu seguir caminho em novos ares, seu arco foi fechado com chave de ouro na morte de Alisson em, talvez, uma das cenas mais marcantes da série, e que levou um pouquinho de nós junto.
Outra personagem a carregar relevância é Kira, papel de Arden Cho. Ela surge na terceira temporada e é a criatura sobrenatural Kitsune. O espírito de raposa que envolve a menina é baseado no folclore japonês, e descende da sua mãe, mostrando quão influenciadores são os legados culturais na formação de um jovem. A linda história de Kira acaba sendo deixada de lado no final da temporada cinco e, ao se despedir da série, a atriz comenta que a grande quantidade de narrativas não permitia que a sua pudesse continuar sendo desenvolvida.
Todas as personagens femininas de Teen Wolf contam com um enredo pessoal cheio de independência e poder. Lydia Martin era a obsessão de Stiles e não à toa. Apesar de metida e mesquinha no início, o tempo mostrou que Holland e sua personagem nutriam um brilho sombrio. Sua inteligência era clara desde os primeiros episódios, e desabrochou quando se descobriu como criatura sobrenatural. Dona de um grito poderoso, a banshee foi peça chave e de relevância no bando, salvando os demais diversas vezes durante sua trajetória, além de participar da mais confusa e fofa história de amor.
Para além dos romances, o que tem força em Teen Wolf é o bromance entre Scott e Stiles. Juntos desde o início, a dupla não se afasta de jeito nenhum. A mãe de Scott usa, inclusive, um método “sem Stiles” para castigar o filho quando necessário – ela sabe que separar os amigos é a pior punição que pode lhe dar. Acontece que os meninos encontraram um no outro um ponto de paz no meio da complicada fase do Ensino Médio. E a relação que transbordou para fora das telas apenas enriqueceu a série. Dylan e Tyler se divertiam muito também fora das gravações, o que ajudava a construir cenas mais leves e naturais dos bros.
Dentro da vastidão de personagens que passaram na série, não tinha para mais ninguém: Stiles Stilinski sempre foi e sempre será o maior destaque de Teen Wolf. A combinação perfeita de comentários sarcásticos, passado triste e uma humanidade que mais ninguém tinha, fizeram-no ser o queridinho do público. Além da própria personalidade que conquistou nossos corações, sua relação com Scott, Lydia e o tão sonhado romance com o carrancudo Derek Hale (Tyler Hoechlin) fazem parte da atmosfera que acompanha a série no mundo de fora.
São incontáveis os momentos icônicos do personagem, e não é exagero dizer que o seu vilão – o famoso Void Stiles– foi o maior e transformou a terceira temporada na melhor de todo o programa. Nela, o lado mais escuro e mítico de Teen Wolf tomou conta, exibindo um show de desempenho liderado por Stiles, que enfrentava a própria consciência ao jogar xadrez com um Nogitsune. Esse embate rendeu a melhor cena da série em que cara a cara, seu vilão treme até as veias saltadas do rosto para deixar claro que ninguém poderia o matar.
O mérito do sucesso dele vai, é claro, para o seu ator. O talento de Dylan O’Brien foi descoberto em Teen Wolf, ganhou destaque com seu perturbado ser sobrenatural e, desde então, nunca parou. Na sua longa lista de trabalhos como protagonistas estão grandes nomes do Cinema, como a adaptação em franquia de Maze Runner, o queridinho Amor e Monstros, disponível na Netflix, e até uma participação especial como o protagonista do curta de Taylor Swift para a sua canção All Too Well (10 Minute Version) (Taylor’s Version).
O programa de Jeff Davis não viveu só de glórias, mas isso não o fez menos memorável. É incrivelmente reconfortante que problemas adolescentes ganhem dimensão para além da superficialidade, e expressem a construção de quem somos atrelado à fantasia. A trama traz os problemas escondidos no âmago da consciência, mesmo aqueles que assustam a nós mesmos, como passíveis de serem habituados ou superados se você tiver alguém incrível o suficiente para não esquecer de você.
Depois de marcar uma geração, a série deixou saudades ao acabar em setembro de 2017. Quatro anos após seu final, Teen Wolf mantém sua presença relevante. Sentindo que já estava na hora de nos levar de volta a Beacon Hills, Tyler Posey foi o primeiro a divulgar ao mundo que seria um lobisomem novamente; então Jeff já voltou ao antigo set da série, ansioso para voltar a contar a história sombria do bando McCall, dessa vez em um filme.