Beatriz Sabino
Brandon Sanderson, autor da renomada série de livros Mistborn, surpreendeu o público mais uma vez trazendo uma space-opera com protagonismo feminino jovem, muitos alienígenas, frases históricas e guerras no espaço. Skyward é seu livro de estreia nesse subgênero da ficção científica que marcou gerações, tendo como exemplo: Star Wars, Duna (livro de Frank Herbert) e a mãe da fanzine: Star Trek. Geralmente, essas obras possuem batalhas espaciais épicas que ignoram as leis da física, jornadas a inúmeros planetas exóticos, alienígenas parecidos com os seres humanos e, claro, um protagonista invencível. Mesmo fazendo parte desse grupo de histórias, a narrativa de Sanderson tem um pouco menos opera, e mais space.
No livro, que foi trazido ao Brasil pela Editora Planeta (tendo a tradução por Márcia Blasques, que já trabalhou em Mistborn), a protagonista Spensa habita um planeta que é constantemente atacado por uma raça misteriosa de alienígenas, e os seres humanos, como sempre, não ficam de braços cruzados e contra-atacam. Para isso, eles contam com esquadrões de jovens e veteranos que pilotam naves espaciais lado a lado, na esperança de terem a tão sonhada paz. Mas, como toda boa trama, não é tão fácil assim derrotar, e até mesmo desvendar, o inimigo.
Não é difícil se ver imerso na vida dos personagens que o autor apresenta, já que cada um deles tem seu próprio charme e carisma, habilidade que Brandon já provou ter em seus últimos best-sellers (que são muitos, acredite). A construção e evolução da protagonista é escrita de forma linear, tal que a Spensa do começo do livro não é exatamente a mesma do final. Ponto crucial na evolução de um personagem, que parece ter sido esquecido por muitos autores da atualidade.
Um dos maiores exemplos dessa falta de desenvolvimento é com a protagonista Mare Barrow, da série de livros A Rainha Vermelha (Victoria Aveyard). Durante quatro livros a protagonista continuou basicamente a mesma, não enxergando com totalidade os dois lados da moeda, não dando ouvidos para pessoas importantes e sendo egoísta nas situações de perigo.
Uma personagem icônica que é o contraste de Mare vem da famosíssima trilogia Jogos Vorazes (Suzanne Collins). Katniss Everdeen vive em um ambiente distópico, assim como Mare, mas, diferentemente dela, Everdeen entende que, como figura de uma causa (rebelião, em ambos os casos), ela não pode se dar ao luxo de fazer o que bem entende, que tipo de líder não aprende com seus erros?
Outro ponto relevante é a representatividade étnica e racial, tendo como maior exemplo o rival da protagonista, que é um rapaz negro e rico. E não para por aí, Spensa também tem amigos asiáticos, latinos e de outras culturas. Mesmo sendo quase uma obrigação atual ter personagens diversos, o autor os insere de forma natural, junto com suas culturas e características sociais e econômicas. Em momento algum existe algum tipo de discriminação por conta de etnia e raça, mas sim por questões de poder e honra.
Estes, aliás, que são os pilares da sociedade no qual Spensa reside, com um sistema militar que mais parece uma ditadura. A construção desse sistema político vai ganhando vida conforme enxergamos o mundo pelos olhos da protagonista, que é mal vista pelo sistema. E, para deixar essa sua abordagem mais visível, Sanderson colocou inúmeros trechos onde personagens citam grandes nomes da ciência política, como Sun Tzu, figura que reflete grandemente até hoje nessa área, ao lado de Nicolau Maquiavel.
Além de apontar pautas atemporais como poder e discriminação social, Skyward trás um contraste com outras obras space-opera, que costumam ignorar totalmente as leis da física. Mesmo não sendo perfeitas, as questões físicas no livro merecem atenção. O autor se dispõe em explicar como a gravidade funciona nas situações em que os personagens se encontram, em colocar cálculos que são realmente utilizados por astrônomos ao estudar o cosmos e ao colocar dados de planetas e situações fictícias que trazem teorias reais. Mas não se engane, em momento algum a história para e se tem páginas e páginas de explicações, mas sim são colocadas explanações em falas externas e até mesmo em forma de pensamentos da protagonista, já que são temas comuns para personagens que vivem no espaço, e não para nós, terráqueos comuns.
A space-opera de Skyward também pode ser questionada no ponto do herói. Em momento algum Spensa se vê como um indígete, e nenhum outro personagem a vê assim também. A jogada de mestre do autor foi fazer uma jovem que aprende com seus erros mas, às vezes, os ignora. Ela não é uma pessoa perfeita e imaculada, levando esporro constante não só da vida, mas de pessoas ao seu redor. Assim como qualquer outro ser humano, ela tem falhas para dar e vender, mas é isso que faz de Skyward muito menos opera, já que não tem uma situação em que ela precisa salvar o mocinho ou simplesmente pensa em uma solução mirabolante que veio dos confins do cosmo, ela apenas tenta e erra freneticamente, até conseguir.
Deixando um gancho para uma continuação, Skyward, o primeiro livro de uma série em andamento, fala, principalmente, sobre como os humanos devem melhorar, como todos nós podemos mudar, como nossa cosmovisão do mundo deve ser questionada e, como às vezes, o bem e o mal absolutos não existem. Vale a pena conferir essa aventura cósmica que tem uma reviravolta inteligente e totalmente inesperada em suas últimas vinte páginas. Quando parece que tudo acabou, é apenas o começo. O começo para mais uma aventura pelas estrelas, até que um dia, sejam finalmente conquistadas.