Ana Júlia Trevisan
Maria Rita Camargo Mariano era a voz que todos queriam ouvir. Filha da consagrada Elis Regina, Maria Rita era promessa de sucesso mesmo antes de dar sua voz a grandes compositores, como Milton Nascimento, Lenine e Marcelo Camelo. E em seu álbum de estreia homônimo, lançado em 2003, a artista não decepcionou. Batendo recorde de vendas, Maria Rita foi reconhecida pela classe artística sendo a primeira brasileira a ganhar o Grammy Latino de Artista Revelação, sendo premiada com 3 vitrolas naquela noite de 1° de setembro de 2004.
Após essa avalanche de sucesso do seu primeiro disco, o ano de 2005 trouxe a ansiedade para o próximo projeto da artista, junto do questionamento se ela continuaria se provando como uma grande cantora. À quem tinha dúvidas, ela mais uma vez mostrou uma entrega inigualável. Com uma estética “clean”, o álbum que recebeu o nome de Segundo tem começo, meio e fim. Nele, a cantora se permite sentir a música e transpassa a mesma sensação ao ouvinte.
O cuidado estético do disco vai além do campo sonoro, com a escolha de canções calmas e silenciosas. O encarte do disco é inteiramente branco com letras cinzas, combinando com a sensação de calmaria necessária para dias turbulentos que é transmitida ao longo das faixas. O encarte ainda conta com uma bela homenagem ao Tom Capone, produtor do primeiro disco de Maria Rita, que faleceu em um acidente de moto em Los Angeles no ano de 2004, um dia após a cerimônia de premiação do Grammy.
O Segundo tem a geniosa produção de Lenine, que compreendeu que a entrega de Maria Rita não está apenas na interpretação, mas em todo processo de gravação e lançamento do disco. O próprio Lenine disse em vídeo na época: “Ela é produtora de si mesma, isso é evidente em tudo que ela faz”. Essa entrega é posta em evidência pro ouvinte na sincronia entre faixas e o que foi proposto com o material visual.
A inteligência da cantora com a escolha de repertório contribuiu para que ela se consagrasse uma das maiores cantoras do Brasil. Maria Rita sempre ressaltou que a relação dela é com a arte não com a fama, e fugindo do estereótipo de diva, conseguiu imprimir sua própria verdade em Segundo. As canções em sua voz ganham vida com suas técnicas marcantes.
A música Caminho das Águas, composição de Rodrigo Maranhão, abre o disco e foi escolhida como música de trabalho. A emocionante canção na qual a cantora coloca sua fé na entrelinhas foi tema da minissérie Global Amazônia, de 2007. A faixa não decepcionou enquanto carro-chefe do álbum, e na voz de Maria Rita, rendeu o Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira para Rodrigo. A música ainda marcou a cantora quando, em um voo, um bebê não parava de chorar, Maria pegou a criança nos braços e cantou “caminho bordado a fé, caminho das águas…” fazendo com que o choro parasse.
Além do Grammy de Melhor Canção Brasileira, Maria Rita, que hoje é a cantora que mais venceu o prêmio, ainda levou pra casa a vitrolinha de melhor Álbum de MPB. Com mais de 350 mil cópias vendidas, o disco foi merecidamente certificado como Platina Duplo. No Brasil, o trabalho da cantora também impactou as produções mais populares e algumas faixas se transformaram em trilhas de novelas, como Feliz, que embalou a novela global Belíssima. Posteriormente a todo esse sucesso, o disco ganhou sua edição especial com um DVD bônus contendo em seus extras 9 canções gravadas de forma intimista no estúdio Toca do Bandido.
Caminho das Águas não foi a única composição de Rodrigo Maranhão a entrar nesse projeto; o outro som foi Recado, uma das primeiras canções a mostrar que a artista já flertava com o samba. Com regravações de Chico Buarque e Edu Lobo a O Rappa, Maria acerta em cheio ao dar sua voz às músicas Casa Pré-Fabricada e Despedida, ambas escritas por Marcelo Camelo. O tom suave e até por vezes melancólico das faixas quebra as barreiras artista-admirador, revelando uma letra que explica os sentimentos de quem ouve.
Por falar em boa escolha de repertório, Mal Intento, composição de de Jorge Drexler, aparece de forma destemida e mostra que Maria Rita domina qualquer música que decide cantar, independente do idioma. A canção em espanhol faz um ótimo casamento com as demais faixas, deixando claro que havia muitos sentimentos investidos em cada verso.
Com o arranjo concepto pela própria cantora, os músicos têm perfeita harmonia para trabalhar apenas com três instrumentos: o piano, o baixo e a bateria. Toda estrutura pensada para a gravação do CD consegue, propositalmente, captar a emoção dos músicos envolvidos.
Mantra aparece nesse álbum como faixa oculta. Após terminar o CD, basta aguardar alguns segundos que a canção que resume o álbum começa a ser tocada. Falando sobre paixão, a música faz mais uma vez o ouvinte se conectar com a cantora. Mas mais que isso, conecta o ouvinte com os sentimentos mais pessoais possíveis que Maria Rita deseja expressar.
Todo esse silêncio ensurdecedor torna-se uma viagem de identificação que é ressignificado quinze anos depois, em tempos de isolamento social. Muito pouco, nona faixa do Segundo, composta por Moska, traz um trecho que resume os últimos seis meses: “viver tá me deixando louca”.
O lançamento de 2005 permanece atual, porque Maria Rita é facilmente entendida através de sua arte e o Segundo é universal, compreendido em cada nota e em cada verso no qual você se espelha nas letras sendo dominado pelo mais puro afeto. A dedicatória aos fãs faz jus a toda obra e define esses 15 anos:
Fãs: sem querer ser repetitiva mas já sendo: nada disso seria possível não fosse o carinho com o qual vocês me receberam – e recebem. Num país de tantas dificuldades, sociais e econômicas, a presença e a compreensão de vocês me inspiram a sempre correr atrás do que é mais verdadeiro e honesto na minha arte, e este é o maior presente que vocês podem me dar. Obrigada por fazer esse sonho não só possível mas também contínuo.
Com esse trabalho, Maria Rita alcançou sua maior meta: tocar a alma!