Júlia Paes de Arruda
‘É, turma… Parece que temos um novo mistério nas mãos’. A frase tão emblemática de Fred Jones tornou-se ainda mais nostálgica com a divulgação de um filme em 3D do dogue alemão mais querido por adolescentes e adultos que cresceram assistindo os desenhos do Scooby-Doo. Nem mesmo a pandemia e a tímida reabertura das salas de cinema impediu que os fãs pudessem apreciar a animação Scooby!, que logo conquistou o topo das bilheterias.
Frank Sinatra nunca saberia que, três anos depois do lançamento de Strangers in the Night, seu ‘dooby dooby doo’ conseguiria virar algo extremamente marcante nas mãos do estúdio de animação Hanna-Barbera. Entre 1969 e 1971, o desenho Scooby-Doo, Cadê você? (Scooby-Doo, Where Are You?) de Joe Ruby e Ken Spears virou um sucesso garantido que possibilitou o surgimento de mais investidas semelhantes ao longo dos anos. A junção de comédia e mistério também motivou a criação de outras séries da mesma base, como Tutubarão e Goober e os Caçadores de Fantasmas, porém nada decolou como a galera da Mistério S/A.
A narrativa do seriado antigo girava em torno de Fred, Daphne, Velma, Salsicha e seu cachorro falante Scooby-Doo, que investigavam casos enigmáticos e detetivescos. Com o auxílio da icônica Máquina de Mistério, os amigos percorrem pântanos, casas assustadoras e parques mal-assombrados para desvendar pistas e descobrir os vilões por trás dos crimes. Apesar de manter a mesma fórmula em todos os episódios, o público ansiava para os detetives tirarem as máscaras dos criminosos e, principalmente, ouvir a célebre frase: ‘Eu teria conseguido se não fossem por aqueles garotos enxeridos e esse cachorro idiota’.
Produzido pela Warner Animation Group, Scooby! O Filme foge dos métodos clássicos de 1969 e conta a história de origem da equipe famosa para fundar a Mistério S/A. O novo trabalho da turma é impedir que um vilão liberte o cão Cerberus ao mundo real para pegar os tesouros que ele guardava. A narrativa dispersa do que fora apresentado em Scooby-Doo: O Mistério Começa (2009), mas nada que afete a apreciação do filme. O formato 3D, porém, pouco remete às adaptações faciais originais e pende mais para um estilo recente do Detona Ralph.
O foco principal de toda a trama é a amizade de Scooby e Salsicha. Desde o início, a sintonia entre os dois é muito nítida e praticamente instantânea, mesmo que eles se separem no meio da aventura de 94 minutos. Ao se deparar com o empecilho que compromete a vida do amigo animal, o garoto não abre mão de proteger seu cachorro. O papel mais coadjuvante de Fred, Daphne e Velma reafirma o que muitos fãs já sabiam: a dupla de esfomeados é o coração de toda a equipe.
As vozes originais das personagens são conhecidas pelo público, tendo a participação de Zac Efron como Fred, Amanda Seyfried com Daphne e Gina Rodriguez como Velma. Quem empresta a voz à Salsicha é Will Forte e Frank Welker (que também participa de outras produções dos detetives, como O Que Há de Novo, Scooby-Doo? e Scooby-Doo! Mistério S/A) dubla o cão. Na versão brasileira, obviamente, não podia deixar de faltar o nome de Guilherme Briggs para interpretar Scooby-Doo, herança deixada pelo próprio Orlando Drummond, voz clássica do dogue alemão aqui no país. O trabalho de Briggs é impecável e o ar nostálgico é inegável já que as vozes dos dois são muito similares. A dublagem do Salsicha criança (Alexandre Drummond, neto de Orlando Drummond), no entanto, é notoriamente forçada a desempenhar o mesmo estilo empregado por Mário Monjardim.
Do começo ao fim, o enredo carrega easter-eggs das produções de Hanna-Barbera, a começar pelo vilão Dick Vigarista. O crossover com Corrida Maluca funciona imprevisivelmente bem, ainda mais quando Muttley está envolvido na caça ao tesouro protegido por Cerberus. No final das contas, o antagonista ainda permanece no eterno ‘pegue o pombo’, porém de uma forma modernizada e tecnológica. Além disso, os super-heróis envolvidos com a Mistério S/A são uma clara referência ao desenho de Dinamite, o Bionicão.
Contudo, a aparição do Capitão Caverna é a mais conhecida, ainda que seu personagem não se mostre tão selvagem e pré-histórico quanto era antigamente. Há, ainda, menções subliminares, seja através da fala de um personagem ou por elementos icônicos e visuais, como Os Flintstones, Frankenstein Junior e João Grandão. Todas essas citações só reafirmam o quanto a época da infância ainda é muito marcante para aqueles que já cresceram. Quem sabe esse lançamento pode ser um sinal dos clássicos de Hanna-Barbera se juntando mais vezes nas telonas?
A trilha sonora é o que deixa tudo mais envolvente em Scooby!. A mistura de estilos e de artistas é encaixada perfeitamente em sua respectiva cena. O álbum teve a participação da cantora Ava Max, cuja música, On Me, tem um clipe produzido durante a quarentena, com transições entre as cenas dos filmes. Não é estranho perceber que você ouviu algo parecido antes, já que a batida se assemelha às canções do trabalho mais recente de Ed Sheeran, No. 6 Collaborations Projects, como a sensual South of the Border e a romântica Put It All On Me. A menção honrosa da trilha vai para a música de encerramento, Summer Feelings, interpretada maravilhosamente por Charlie Puth e Lennon Stella. A combinação do timbre de Puth e Stella, juntamente com um ritmo dançante, torna a canção cativante, nos transportando para um dia de verão em Los Angeles. Uma sugestão perfeita para ser ouvida durante uma viagem de carro para a praia.
Scooby! O Filme nos deixa claro o quanto abandonar a infância é algo doloroso, mas que as recordações dos desenhos que nos acompanhavam ainda permanecem firmes e fortes. A direção de Tony Cervone, aliada ao roteiro de Adam Sztykiel, Derek Elliott e Matt Lieberman revigora o poder da nostalgia e dos sentimentos dormentes que sempre nos deixam felizes. A saudação à série antiga, ainda que mínima, reforça a ideia principal de que a amizade supera até mesmo nossos obscuros medos. E se uma frase pudesse definir todo o filme, a escolhida seria: ‘se estenderem pra você a mão da amizade, aceite’.