Nathalia Tetzner
Das raízes do imperialismo inglês, a ocupação, exploração e opressão floresceram em uma árvore de tronco imponente. Neste cenário, a violência permitiu o sequestro da cultura de comunidades nativas, porém, incoerentemente, os frutos venenosos dos caules suculentos alimentaram a Revolta, Rebelião e Revolução indiana que colocou fim ao período conhecido como o “Raj Britânico” na primeira metade do século XX.
Da luta pela independência, líderes se tornaram seres mitológicos para o povo e, em 2022, dois deles ganharam as telas do Cinema com RRR. O longa tollywoodiano dirigido por S. S. Rajamouli não somente surpreendeu pela leitura épica de um evento histórico, como também fez história ao emplacar a indicação de Melhor Canção Original no Oscar 2023, dádiva alcançada pelo feito de M.M Keeravaani e Chandrabose em colocar o colonialismo para dançar com a eletrizante Naatu Naatu.
Divididos entre dois mundos, os libertadores Komaram Bheem e Alluri Sitarama Raju, ainda que que tenham existido na mesma época, se encontraram pela primeira vez na ficção de V. Vijayendra Prasad. Através das interpretações vorazes de N. T. Rama Rao Jr. e Ram Charan, o roteiro mirabolante do diretor Rajamouli conseguiu unir duas figuras destoantes pelo mesmo propósito e, por incrível que pareça, as três horas que eles demoram para descobrir isso passam voando.
De um lado, um originário da floresta em busca de sua irmã sequestrada pelos membros do alto escalão britânico e, do outro, um indiano defendendo a farda do exército da Inglaterra. Bheem e Raju foram, respectivamente, como água e fogo, fazendo da união fantástica dos seus elementos em RRR algo que nem mesmo a ciência explicaria. Tamanha audácia refletiu também nos efeitos especiais de Prakash Kotha, nada preocupados com uma aparência realista, mas investidos na grandiosidade plástica.
Diferentemente da utopia de George Orwell, a revolução do longa não foi dos bichos, porém, eles participaram ativamente das cenas que arrancaram o fôlego do público e dos imperialistas. Entre lobos e tigres selvagens, o homem branco foi quem mais ansiou pelo sangue: Ray Stevenson e Alison Doody foram brutais o suficiente como o governador Scott Buxton e Catherine, a esposa fascinada pelo canto da menina Malli (Twinkle Sharma) a ponto de arrancá-la a força de sua mãe.
Dinâmica, a fotografia assinada por K.K. Senthil Kumar atingiu o ápice com o embate entre animal e humano, em especial, quando os colonizadores são devorados durante o belo banquete de uma festa aristocrática. Encarando a Arte como instrumento de Revolta, Rebelião e Revolução, toda a composição audiovisual da obra é sentida como uma ode aos movimentos de independência e ao próprio Cinema.
De fato, em entrevista à revista American Cinematographer, Senthil exprimiu o sentimento evocado por RRR: “Quando as pessoas vão assistir filmes, elas querem que as estrelas se pareçam com estrelas. Elas querem que o Cinema seja Cinema”. Em um ano marcado pelo retorno do grande público para filmes que não sejam blockbusters de super-heróis como Top Gun: Maverick e Avatar: O Caminho da Água, a produção indiana arrecadou uma das maiores bilheterias da Índia.
Donas de parte fundamental da narrativa, as mulheres ditaram o ritmo da montagem de A. Sreekar Prasad com atuações esplêndidas. Se Twinkle Sharma transmitiu toda a angústia da menina Malli, longe de sua família e presa em um castelo, Olivia Morris deu o ar da graça como Jenny, a única pessoa com alma da família Buxton e interesse amoroso de Komaram Bheem. Personagem destacada, a noiva de Alluri Sitarama Raju, Sita, conduziu os minutos finais com a sensibilidade de Alia Bhatt.
Disponível na Netflix, RRR transita pelos diferentes gêneros. Em meio ao drama dos momentos de sofrimento, a ação das sequências de combate e a comédia das entregas pontuais de falas que beiram a sátira, nada se tornou tão característico do filme do que a trilha sonora adornada por coreografias. Por isso, tido principalmente como um musical, o conjunto da obra proporcionou que a sensação de contagia da luta pela independência de seus protagonistas ultrapassasse as telas.
Deixando os seus heróis atirarem no final, a direção de S. S. Rajamouli construiu um rumo atraente para RRR que, após levar para a Índia um Globo de Ouro e arrematar uma indicação ao Oscar, já tem uma sequência confirmada. Ao som da premiada canção Naatu Naatu, a Revolta, Rebelião e Revolução fez o colonialismo dançar, tropeçando em seus próprios pés e provando do veneno que alimentou a sua derrota.