Vitória Silva
No dia 8 de julho de 2011, chegava ao mundo o álbum Regional at Best, do duo Twenty One Pilots. Considerado também o primeiro trabalho da banda, pelo menos na formação que conhecemos hoje, com Tyler Joseph e Josh Dun. O disco lançado anteriormente, em 2009, que carrega o mesmo nome do grupo, ainda tinha Chris Salih como baterista e Nick Thomas no baixo. A entrada de Josh assumindo as baquetas se deu quase que juntamente à saída do baixista, iniciando, assim, a dupla imbatível entre ele e Tyler.
O caráter especial da produção não se deve apenas por esse marco, mas também por ela já não existir mais como cópia física ou mesmo estar disponível na maioria das plataformas digitais. Em 2012, a banda assinou com a gravadora Fueled by Ramen e, como parte do contrato, os direitos do LP foram transferidos. Dessa forma, com o lançamento do Vessel, o Regional at Best teve que ser descontinuado.
Na obra autointitulada, o trio formado por Tyler, Nick e Chris, apostou em faixas que iam desde o pop até o rock oitentista. Com um som bem orgânico, dando um enfoque maior para os toques de Tyler ao piano, e até genérico, se formos considerar tudo que Twenty One Pilots já foi capaz de criar até aqui. Algumas tendências foram se mantendo para os trabalhos desse início, como os constantes versos de rap e letras que fazem menção a questões familiares e às inseguranças do vocalista.
Nesse primeiro disco, o cantor parece, inclusive, bem otimista e autoconfiante para lidar com seus problemas psicológicos. Algo que vai se tornando perceptível ao longo das faixas, que se iniciam com tons mais alegres e esperançosos até evoluírem para músicas melancólicas e lentas, em que ele se mostra relutante ao lidar com seus pensamentos suicidas. O álbum se encerra com Isle of Flightless Birds, em que Tyler menciona ser o clímax da história, como se sua depressão tivesse atingido o ápice. O desenrolar dessa afirmação ficaria para o trabalho seguinte, e, assim, se inicia o Regional at Best.
Este que não poderia ser definido por outra coisa se não uma fusão de todos os sentimentos e pensamentos conturbados da mente do vocalista. Deslanchando com Guns For Hands, Tyler canta sobre a necessidade de pedir ajuda ao enfrentar problemas psicológicos e como a ideia de saber que outras pessoas têm pensamentos suicidas é perturbadora para ele mesmo. “Estou tentando dormir, mas não posso quando todos vocês têm armas nas mãos”.
Essa intenção de ajudar e salvar o próximo repercute em diversas faixas. Ao mesmo tempo, Joseph parece tentar mascarar a sua dor com isso, em que não se mostra capaz de enfrentar nem seus próprios problemas. Em Glowing Eyes, ele clama diversas vezes não ter a certeza de querer abandonar os demônios internos (os tais olhos brilhantes), enquanto em Slowtown deseja fortemente poder fugir das dificuldades da vida adulta.
A técnica de narrativa é utilizada ao longo das músicas, em que até mesmo a mudança brusca na sonoridade causa o sentido de virada na história que está sendo contada. É difícil concluir se o papel de Tyler estaria sempre no eu lírico de suas composições, por ele se contradizer diversas vezes. Esse dualismo é retratado em Anathema, na separação de duas partes conflitantes de si mesmo. E, mais tarde, também seria materializado na criação da persona do Blurryface.
Regional at Best é uma erupção caótica de autotunes e sintetizadores desconcertados. Não é nem de longe o melhor trabalho do grupo, afinal estamos falando da mesma banda que deu origem a obras como Blurryface e Trench. Mas é, sem dúvidas, um de seus passos mais importantes, por ser o início da construção de sua identidade. Foi a partir dele que as máscaras passaram a ser vestidas e os devaneios ecoados da mente de Tyler foram se consolidando no que daria origem ao universo de DEMA.
O disco torna nítida a evolução do grupo ao longo de suas produções, em que aprenderam a domar a explosão sonora em batidas harmoniosas, sem perder sua liberdade artística e autenticidade, criando quase que o seu próprio estilo musical pop-rock-metal-eletrônico-rap-e seja lá mais o que for. As regravações que foram feitas para o Vessel escancaram esse desenvolvimento, em que a incômoda Trees, por exemplo, se transformou em uma das faixas mais dignas de encerrar praticamente todos os seus shows, e assim o fez.
Sem contar que Regional at Best também registrou o nascimento de uma de suas canções mais importantes, e um verdadeiro hino para os fãs assíduos da banda. Entre todas as letras que expressam a genialidade de Tyler, Car Radio é, com toda certeza, a mais sincera. Ao narrar uma situação em que o rádio do seu carro foi roubado e a dificuldade em distrair seus pensamentos por conta disso, ele acaba mostrando, um tanto metalinguísticamente, a sua relação e dependência com a música como uma forma de alívio. Encerrando a letra, ele interpola uma série de pensamentos reflexivos e existenciais, para exemplificar o estado da mente vazia: “às vezes o silêncio é violento”.
Ao longo do álbum, Tyler torna ainda mais evidente essa relação com a Arte e como isso é uma fonte de energia para ele. Como ressoado em Ode to Sleep, “Pegue esta arma, forjada na escuridão. Alguns veem uma caneta, eu vejo um arpão”. Em Kitchen Sink, ele reafirma a necessidade de encontrar um propósito na vida, e realizá-lo independente do que os outros vão pensar ou entender sobre isso, porque “uma pia de cozinha para você não é uma pia de cozinha para mim” (quase uma releitura moderna e bizarra do quadro de René Magritte).
Mesmo que passe um pouco batido, a espiritualidade e fé do vocalista são uns dos temas mais presentes ao longo da produção. Holding On To You expressa a sua crença em Deus também como uma forma de salvação, e Clear encerra o disco com ele se assumindo um impostor e não merecedor de ser seu filho. Como sempre, as entrelinhas permitem uma variedade de interpretações que vão além das questões religiosas, já que sua capacidade em articular versos que assumam outros sentidos também não é de agora.
A banda também lançou uma websérie sobre Regional at Best, disponibilizada no YouTube, que acompanha a produção e a turnê do mesmo. No primeiro episódio, é apresentada a saída de Nick Thomas, quando Josh já estava presente na formação, e Tyler se mostra inseguro em conseguir sustentar um show apenas em duas pessoas. Essa mesma insegurança se reflete no próprio nome do disco, que significa “regional na melhor das hipóteses”, como se a expectativa máxima do duo fosse conseguir atingir a região da cidade de Columbus.
O que os dois esquisitões de Ohio não sabiam é que eles não iriam apenas ganhar todo o globo terrestre com a sua musicalidade única, como também teriam como marca registrada proporcionar uma experiência inesquecível ao subirem em qualquer palco, alcançando níveis extasiantes para quem os assiste. Regional at Best foi apenas o início da caminhada para Twenty One Pilots se tornar muito maior do que um dia sonhou em ser.