Júlia Paes de Arruda
De fato, falar sobre Procurando Dory é algo muito especial, principalmente lembrar de assisti-lo nos cinemas, junto com os amigos. Em tempos como os de agora, o contato humano se torna cada vez mais distante. É inevitável sentir falta das conversas até altas horas da madrugada e das memórias afetivas que esses momentos proporcionam.
As animações, em sua grande maioria, são responsáveis por criações de lembranças e, consequentemente, por aquela sensação de nostalgia. Por causa disso, sequências de desenhos queridos sempre geram alguma polêmica, tanto de críticos que acreditam em acertos, quanto em erros. Porém, o caso de Procurando Dory é que o enredo mantém a mesma fórmula de seu antecessor. Cinco anos depois, o filme realça ainda mais a importância da amizade, da confiança e do companheirismo, sem falar da relevância extremamente atual da preservação da biodiversidade.
A narrativa acontece um ano depois dos acontecimentos de Procurando Nemo, com Dory (Ellen DeGeneres) tentando se adaptar à vida nos recifes. O caso é que, no meio de uma das aulas com o Tio Raia, a peixinha vê flashs da sua infância, ainda com sua família. Determinada a fazer de tudo para lembrar e encontrar seus pais, Dory, Marlin e Nemo embarcam para mais uma aventura para o Instituto de Biologia Marinha.
Novos animais são incorporados dentro da história, como o polvo Hank (Ed O’Neill), a tubarão-baleia Destiny (Kaitlin Olson) e a beluga Bailey (Ty Burrell). Sem falar no leão-marinho Geraldo e na mergulhão Becky, os mais carismáticos de todo o enredo e responsáveis pelas risadas do público. Porém, o encanto e a graça dos animais despertam para um assunto de alta relevância: a preservação da biodiversidade marinha.
Com a estreia de Procurando Nemo em 2003, mais de 1 milhão de peixes-palhaço foram capturados e aprisionados em aquários. A partir da estreia de seu sucessor, a ONG Saving Nemo lançou uma campanha de proteção aos cirurgiões-patela por se tratar de um quadro especial: a reprodução da espécie da Dory somente ocorre em recifes, ainda que existam tentativas em cativeiro. A humanização dos animais no filme, ainda que seja simpática, também promove o comércio (legal ou não) desses seres marinhos. A conscientização para tais atos é fundamental, sobretudo, por se tratar de uma animação tão amada quanto Procurando Dory. Entretanto, é nisso que a obra de Andrew Stanton peca.
O debate sobre a conservação do meio ambiente não é algo atual, mas ele tomou altas proporções com a velocidade do mundo online. Desde a utilização de canudos plásticos até a produção de lixo, animais marinhos são as primeiras vítimas do consumo exacerbado desses polímeros. Aliado à pesca predatória e ao aquecimento global, o desequilíbrio ambiental nos oceanos, os verdadeiros donos do posto de pulmão do mundo, é extremamente danoso.
Fora a questão ambiental, Procurando Dory abre espaço para abordar a inclusão. A perda de memória recente da peixinha é tratada com naturalidade desde sua apresentação, em 2003. Ainda que Marlin zombe e menospreze as atitudes da amiga, Dory é um exemplo de como compor uma pessoa com deficiência na sociedade de forma exemplar. Ao oferecer autonomia e recursos necessários para sua inserção nos recifes, a personagem consegue ser ela mesma sem preconceitos. O grande símbolo de empatia e solidariedade de seus companheiros é pensar “o que a Dory faria?”. Com o auxílio de seus pais, Jane e Charlie, junto de Marlin e Nemo, Dory mantém o seu clássico lema de “continue a nadar” e segue normalmente sua aventura.
Além da protagonista, Hank, com seu transtorno pós-traumático e comportamentos antissociais, e Destiny, com seu problema de visão, acabam aderindo a temática. Contudo, é importante ressaltar que inclusão é diferente de integração. Ao contrário do que o atual governo estava propondo no final de 2020, a inclusão diz respeito às ações de combate às desigualdades de acesso. A romantização e segregação das deficiências apenas corrobora para que o indivíduo se adapte ao meio e não ao contrário. A acessibilidade, tanto pública quanto particular, é um dos principais alicerces para que atitudes capacitistas se extinguem e “normalizem” PcDs.
Assim como a maioria das animações brasileiras, é a dublagem que conquista o público. A mineira Maíra Góes é quem dá vida à protagonista esquecida. Utilizando trocadilhos ritmados como “bar do Alberto” e “mar aberto”, cria-se todo o charme e encanto que somente Dory teria. A grande surpresa de todo o filme é encontrar Mckeidy Lisita soltando um “miga, sua louca” como voz de Bailey. Além disso, Antonio Tabet entrega todo seu aprendizado no Porta dos Fundos para o rabugento Hank. A menção honrosa vai para a cena dentro do caminhão, em que frases como “Perdeu, bípede!” e “Vem cá, essa esquerda aqui é pra sempre, é?” saem espontaneamente do polvo.
Procurando Dory pode não ter sido o sucesso que Stanton procurava naquele momento. Apesar disso, a animação permanece fresca na memória e no coração dos fãs pelos peixinhos. O olhar mais maduro dos (agora) adultos, que cresceram aguardando a sequência dos anos 2000, promove uma conscientização pertinente sobre a preservação dos ecossistemas marinhos e mobilizações acerca da inclusão. A narrativa descontraída, inocente e divertida estabelece ensinamentos primordiais em diversas estruturas da sociedade sobre resgate, reabilitação e retorno. Eu não sou Marília Gabriela, mas agradeço por terem vindo.