Ana Júlia Trevisan
O ano era 2019 e os fãs da série One Day at a Time se revoltavam no Twitter por conta do cancelamento feito pela Netflix. Após muitos pedidos para a renovação, foi entregue uma bem sucedida terceira temporada mostrando que o streaming ainda tinha força e conteúdo para continuar produzindo a queridinha dos assinantes. O cancelamento parecia improvável pois, além dos motivos já citados, o terceiro ano se finaliza com um gancho perfeito para uma nova temporada da série que foi abandonada.
Em meio a tantos pedidos, o canal americano de televisão, Pop TV, se encarregou da missão de dar continuidade ao seriado que traz de forma leve assuntos como imigração, homofobia, ansiedade, depressão e religião. Não era possível prever as mudanças, apenas aguardá-las na torcida para que a série não entrasse num trem descontrolado rumo ao abismo e ao esquecimento característicos das séries salvas.
A quarta temporada se inicia com transformações gritantes, que vão desde a abertura até a iluminação do seriado. A primeira, um dos traços mais viciantes da série, ganha cara nova e completamente diferente da original. A vinheta repleta de fotos do cast era cantada pela divina cantora cubana, Gloria Estefan, que conseguia trazer a essência do programa. Já a nova abertura tem poucos segundos de duração, com cores vibrantes, quase neon, que não contrastam com a trama. A iluminação ganhou brilho, deixando de lado aquelas cores de tons mais terrosos, típico de representação latina, trazendo mais vida à série.
A redução na duração dos episódios desagradou apenas os entusiastas do programa que querem sempre mais e mais conteúdo. Em relação ao roteiro, o tempo foi bem utilizado, evitando que a série se arrastasse em alguns plots de cenário único, como o carro que foi utilizado. Os apreciadores também foram surpreendidos com a periodicidade semanal. Renovada para 13 episódios, eles foram exibidos um por um ao decorrer das semanas, diferente de sua antiga casa, Netflix, que disponibilizava toda a temporada para ser maratonada em um único dia.
Conhecida por sua sagacidade e suas piadas inteligentes, One Day at a Time mantém a forma e tem sua grande sacada já nos primeiros segundos. Alex, filho mais novo de Penélope e um dos protagonistas da série, abre a season alfinetando o streaming onde a série era exibida: “There’s nothing good on Netflix anymore” (É como se não tivesse mais nada que presta na Netflix). O caçula também se destacou por ter a melhor evolução. O seguimento de Papito se faz de maneira interessante, além da evolução da personagem, acompanhamos também seu crescimento, vemos ele iniciar um namoro e cometer pequenos erros comuns de adolescentes. Assistir aquele personagem que a gente possui o sentimento de ter pego no colo traz a sensação que One Day at a Time está envelhecendo como vinho.
De forma não invasiva, é tratada a solidão de Penélope e como isso a atormenta. A linha tênue entre não precisar de homens e adorar estar na companhia deles, ver os filhos crescendo, entrando em relacionamentos e planejando sair de casa para cursar a faculdade. Ela e Lydia conseguem roubar toda a quarta temporada. Dizer que Rita Moreno brilhou é óbvio, porém necessário. A maneira que a atriz encarna a Abuelita torna a personagem ainda mais viva e atemporal, garantindo a indicação da atriz ao Critics Choice Awards. Lydia, nossa queridíssima Abuelita, com seus comentários infames e precisos mantém o favoritismo de muitos pela irretocável personagem, ¡Dale!
Penélope com sua narrativa concisa, consegue construir um episódio inteiro praticamente sozinha, como o segundo, que mostra a engraçada jornada na compra de um novo sofá. Há prós e contras sobre o estrelato de seu papel em One Day at a Time. O maior pró, sem dúvidas, foi a oportunidade de mostrar ela como uma mulher mais forte, com tempo de tela merecido para atuação. O contra foi que não conseguiram equilibrar esse tempo, deixando outras personagens importantes para o enredo de escanteio, não sendo aproveitadas em sua totalidade. Como foi o caso de Elena, minimizada a um relacionamento e com a personalidade pautada, de maneira fútil, em ser LGBT+, a personagem perdeu seus importantes discursos.
A temporada quatro trouxe plots que já haviam mostrado ter potencial mas tinham sido esquecidos por seus criadores, como é o caso do Schneider e seu namoro com Avery que seguia a passos lentos na temporada anterior, mas prosperou de forma concreta e planejada esse ano. Uma pena One Day at a Time ter sido cancelada antes de ser finalizada e a evolução do casal pausar pela metade. A produção ainda conserva personagens importantes como o Berto, companheiro já falecido por quem Lydia ainda dedica, por vezes de forma cômica, todo seu amor.
A Pop TV não seguiu exatamente aquilo que foi proposto na temporada anterior, certamente pela verba reduzida, mas isso não impediu uma continuidade otimizada. Tudo que não foi exportado da Netflix foi explicado o porquê no enredo, assim não deixando pontas soltas na história. Citações e miragens com o Max fazem público torcer para a previsível volta dele. E é graças ao acerto do canal em criar o plot da volta, que os encontros que Penélope teve com outros caras se tornam completamente esquecíveis.
Acostumados a assistir tudo de uma vez, tivemos que esperar episódios semanais até vir a bomba. One Day at a Time foi cancelada antes dos 13 prometidos irem ao ar, deixando de novo o seriado sem um final digno e pra piorar, dessa vez, sem um final para as histórias que já estavam em andamento no ano. O cancelamento foi um choque, ainda mais vindo da produção que conseguiu administrar a pandemia, criando a versão animada para continuar mesmo com gravações interrompidas por conta do vírus.
O episódio do desenho foi uma saída genial para o contexto de distanciamento social. Com narração feita pelos próprios atores, a série trouxe os primos já conhecidos pelo público, mas que talvez não fosse mais aparecer por conta dos cachês. Lançado em junho, saiu com um bom timing para as eleições presidenciais dos Estados Unidos, tema do episódio, que foi um dos acontecimentos mais comentados pelo mundo. O discurso final de Penélope é importante e de arrepiar, os 20 minutos são deliciosos de assistir, porém não é um final para a série.
Apesar de terem produzido uma temporada recheada de altos e baixos, One Day at a Time não perdeu sua essência que entra em casa, senta no sofá e faz parte da família. Talvez a quarta temporada não tenha trazido aquele fascínio que víamos na Netflix, mas as diferenças foram em suma proveitosas e agregaram no enredo. Sem dúvidas foi entregue um material superior ao esperado, com diálogos familiares que conversam com o público, ajudando na identificação da vida cotidiana do telespectador.