Guilherme Machado Leal
As formas de caracterizar a relação entre personagens são chamadas de tropes literárias e possuem um papel importante em relação à narrativa de uma obra. Em Crepúsculo, por exemplo, Bella, Edward e Jacob vivem em um complicado triângulo amoroso e a relação interpessoal do trio dita os rumos da saga. Nesse sentido, a autora Jenny Han – conhecida pela trilogia de livros Para Todos Os Garotos Que Já Amei e o spin-off televisivo Com Carinho, Kitty –, conta em O Verão que Mudou Minha Vida a história de uma adolescente e seus devaneios com o uso desse recurso literário.
Adaptada pelo Amazon Prime Video, The Summer I Turned Pretty (no original) aborda a história de Belly Conklin (Lola Tung), uma jovem garota que passa todos os verões na casa de praia da família Fisher. Ao lado de seu irmão Steven Conklin (Sean Kaufman) e a sua mãe Laurel Park (Jackie Chung), ela vive os três melhores meses do ano com Susannah (Rachel Blanchard) e os seus filhos Conrad (Christopher Briney) e Jeremiah Fisher (Gavin Casalegno). No seu aniversário de 16 anos, Belly tem o seu mundo virado de cabeça para baixo ao se deparar, pela primeira vez, com os olhares dos outros em relação à sua aparência, o que explica o nome da obra.
A série, como pode ser percebido pela sinopse, não veio ao mundo com o objetivo de ‘inventar a roda’. Aliás, ela se aproveita dos clichês – como o triângulo amoroso entre Belly e os irmãos Fisher –, para conquistar a legião de fãs que tem. Então, por que O Verão que Mudou Minha Vida faz tanto sucesso? Com a estreia da primeira temporada em 2022, a segunda adaptação literária de Jenny Han convenceu a todos de que uma história de juventude, paixões envolventes e reviravoltas familiares era o que o público precisava.
No entanto, ao chegarmos no segundo ano, tudo parece diferente. Um dos principais arcos da primeira temporada era o câncer de Susannah, personagem que dava o tom de dramaticidade da série e que, infelizmente, faleceu. A morte da mãe dos meninos Fisher dita o novo capítulo da história de Belly, pois é a partir do luto e das diferentes formas de reagir a ele que o telespectador embarca nessa montanha-russa. O problema é que estamos falando de adolescentes e, na maioria das vezes, é difícil aceitar suas escolhas e ações imprevisíveis, o que acontece em grande parte da narrativa.
Com o uso de flashbacks, a produtora executiva Sarah Kucserka, juntamente à Han, escolhe contar a história em duas linhas temporais: uma que antecede o luto e outra que mostra os desdobramentos do ocorrido. O efeito que as separa é a Fotografia de J.B. Smith e Sandra Valde-Hans: nos últimos momentos de Susannah, as cores são mais vivas, enquanto, no presente, a série adquire um tom mais acinzentado e frio, evidenciando o estado psicológico das personagens. Entretanto, as atuações do elenco – a exemplo da cena que se tornou meme nas redes sociais –, não se sustentam e deixam ainda mais claro que O Verão que Mudou Minha Vida é apenas mais uma série teen.
E o que seria de um seriado voltado para adolescentes sem os envolvimentos amorosos? Em The Summer I Turned Pretty, isso é ainda mais escancarado: os episódios se concentram, principalmente, nas escolhas de Belly e na percepção dos irmãos Fisher diante das atitudes da personagem. Em um primeiro momento, tal abordagem pode agregar para o enredo, mas, após uma temporada inteira de ‘lenga-lenga’ entre eles, o resultado é apenas uma fadiga e questionamento sobre o que, realmente, a obra é.
O último episódio do segundo ano, intitulado Triângulo Amoroso, exemplifica o problema: há uma cena inteira de Conrad e Jeremiah discutindo sobre quem deveria ficar com a garota, mesmo com ela no banco de trás do carro. Esse é o ponto que, em 2023, torna O Verão que Mudou Minha Vida algo datado. Cenas como essa já aconteceram no audiovisual como Elena e os irmãos Salvatore, em The Vampire Diaries, ou até as relações de Peeta e Gale com Katniss, no icônico Jogos Vorazes. O fato é que as alterações bruscas de sentimento que os jovens possuem entre si atrapalham a trama, porque levam os personagens de zero a 100 em uma escala apressada e, nem sempre, condizente com o que foi construído anteriormente.
O que encantou os telespectadores na sua estreia, agora os afasta. Não há mais ‘#TeamConrad’ ou ‘#TeamJeremiah’; hashtags utilizadas na série por Taylor (Rain Spencer), a melhor amiga de Belly. A protagonista precisa caminhar sozinha e ter os seus objetivos conquistados para que, dessa forma, o amor coexista no futuro que a personagem irá traçar. Não é à toa que o seu irmão Steven e Conrad focam na faculdade, mesmo com os delírios adolescentes em sua volta. Por conta da indecisão amorosa, a protagonista falhou e se igualou a seleta categoria de personagens principais insuportáveis.
Após a morte de Susannah, a sua irmã Julia (Kyra Sedgwick) põe à venda a Casa de Praia dos Primos, nome dado ao lugar em que Belly, Steven e Laurel passam os verões com a família Fisher. Nesse sentido, é importante o papel que o local tem, porque é nele onde as conexões mais especiais acontecem. Jantares em família, noite de jogos e um farto café da manhã fazem da Cousins Beach um porto-seguro para as duas famílias, sendo necessária a manutenção do espaço que acompanhou de perto o crescimento dos jovens, ano após ano.
Um outro ponto de destaque para O Verão que Mudou Minha Vida é a adição de uma nova carinha no elenco: Skye (Elsie Fisher), que aceita ser chamade pelo pronome elu, dá à série um tom mais colorido, tirando todo aquele estereótipo de masculinidade ‘Big Dick Energy’ dos irmãos Fisher. O seu envolvimento com Cam (David Iacono) é um respiro frente à trama – que tem um ‘quê’ de Dona Flor e os Seus Dois Maridos e promove uma abordagem sobre o relacionamento entre duas pessoas longe da ótica heterossexual, algo recorrente nas séries adolescentes.
Fã de carteirinha da cantora Taylor Swift, a autora usa o extenso repertório da artista para compor a trilha-sonora da série. Sucessos como a balada romântica Lover, do álbum de mesmo nome, e a queridinha The Way I Loved You, presente em Fearless são alguns dos hits que tocam em The Summer I Turned Pretty. É válido reconhecer, aliás, que as canções auxiliam no trabalho de composição dos personagens: cada uma delas representa as ações deles. No entanto, Jenny Han sabe e compreende o poder adquirido ao se aproveitar da Música não só como recurso narrativo, mas também ao utilizá-la para levar o seu universo ao maior número de pessoas possível.
Em uma era marcada pelas edições feitas por fãs no TikTok, é de esperar que os momentos mais marcantes da série sejam comentados nas redes sociais. Nesse ponto, os recortes de cenas com o uso das músicas de Swift ajudam muito no burburinho em volta da obra e convencem àqueles que não deram chance ao mundo de Belly a se aventurarem na sua história. A ação, lamentavelmente, não encanta no segundo ano, pois revela o objetivo mercadológico da relação entre Han e a cantora pop. ‘Uma mão lava a outra’: a artista pode divulgar suas canções, enquanto a sua legião de fãs passa a consumir o conteúdo a fim de encontrar nele as ‘canetadas da loirinha’.
Com renovação para uma terceira temporada, O Verão que Mudou Minha Vida se encaminha ao seu último ato. Belly, Conrad e Jeremiah possuem mais uma chance de terem a sua história finalizada de uma maneira plausível. Uma boa série não precisa se ancorar em elementos externos para que o seu enredo seja ‘assistível’ ou considerado bom: caminhar com as próprias pernas é fundamental. Seja com um dos irmãos ou sozinha, espera-se que a montanha-russa de emoções provocadas pelos anos da adolescência faça valer a pena o fim da jornada da garota.