Tiago Way
O Sacrifício do Cervo Sagrado é uma produção da A24 Films dirigida por Yorgos Lanthimos (Dente Canino, 2009), lançado em Cannes em 2017, onde recebeu o prêmio pelo júri de Melhor Roteiro (creditado ao diretor e a Efthymis Filippou) e foi altamente aplaudido pelo público do festival. O filme acompanha a vida do cardiologista Steve (Colin Farrell), que é casado com a oftalmologista Anna (Nicole Kidman). O casal vive tranquilamente com seus dois filhos Kim e Bob, e logo são submetidos a um estado de conflito com a chegada do jovem Martin (Barry Keoghan). O longa é inspirado na obra dramatúrgica grega Ifigénia em Áulide.
O cinema do grego Yorgos Lanthimos começou a ganhar notoriedade pela sua perspectiva fria e antipática de relações humanas. O Lagosta de 2015, por exemplo, trata justamente da pressão das pessoas em torno de relacionamentos conjugais mediante a um humor frio em que são transformadas em animais se continuarem solteiras. Já em O Sacrifício do Cervo Sagrado, a narrativa é induzida através de uma família arquétipo de uma perfeita comunhão com empregos perfeitos, sobrevivendo pela ausência de amor e afeto.
O bizarro toma conta do filme pelos diálogos sem vida entre a família, o afeto plástico e a câmera sempre muito distante dos personagens com movimentos sutis pela casa, referência explícita aos filmes do Kubrick. Isso tudo é mais uma ferramenta para argumentar sobre o desprezo que destrói a família em si, especificamente a representação da aversão que o pai tem pelo filho e a mãe tem pela filha.
O anseio por personagens mais vivos e mais humanos já se encontra fora de uma realidade quando Martin toma conta das cenas da obra, e o telespectador é convidado a presenciar o plano conturbado do jovem pela vingança da morte de seu pai na sala de cirurgia. Já é um artefato bem utilizado pelo diretor, em que Lanthimos exibe o prazer em estragar todos os personagens ao decorrer da narrativa.
O filme atinge abordagens emblemáticas, mas uma das referências claras é o egoísmo e a total falta de empatia do personagem principal da trama. Em uma das primeiras cenas do longa, Steve sai de um procedimento cirúrgico e a primeira conversa com o colega anestesista é acerca de relógios. Esse desenvolvimento antipático é concebido até o final da narrativa, em que Steve, em vários momentos, se mostra num verdadeiro estado de negação, sustentando o argumento de que não houve negligências na cirurgia do pai de Martin, acusando o hospital de não ser bom suficiente, ou, até mesmo, quando decidi ir à escola dos filhos e questiona a direção de quem é o melhor dos dois. Por outro lado, temos a esposa Anna, que é fria mas se mostra sensível e empática com a situação que corrói a família.
É interessante esse retrato pois quando Bob se encontra internado no hospital e Anna está regando as plantas em casa, a feição do rosto dela muda repentinamente. Ela expressa uma reação do porquê continuava a regar o jardim enquanto Steve não soube responder ao ser questionado pelo seu filho de quem era seu melhor amigo no último ato do filme.
A consequência do pecado é o sacrifício, e o sacrifício é a pureza para a libertação do pecado. The Killing of a Sacred Deer é revelado em prol da desestruturação do orgulho de Steve, e a circunstância em que o longa é abordado tem relação ao grau de pureza de toda a família. Por exemplo, Anna é uma mulher adulta impura expressando seu fetiche em necrofilia para agradar o marido; outro caso é a menstruação de Kim ser disposta a uma conversa durante o início do filme, e no decorrer de todo o enredo, Bob se assemelha uma figura imaculada ao falar que não tem pelos nas axilas ou até mesmo quando é acomodado ao relato de estupro em que o Steve cometeu na adolescência.
O pecado é cometido através de ações e é por isso que as mãos de Steve sempre estão em evidência. A câmera flutua nos personagens dentro do hospital, se nivelando a um purgatório divino onde existe uma luta pela sobrevivência de toda a família. O último ato é uma verdadeira roleta russa que nos remete ao filme Violência Gratuita (1997) de Michael Haneke, mas, desta vez, o ato do sacrifício já estava premeditado e nada poderia ser feito a respeito. O que parece ser uma histeria coletiva de uma manifestação de um distúrbio psicológico ou uma doença em que toda a família passa a ter, também pode ser a única forma de justiça que o garoto Martin encontrou para vingar a morte de seu pai. Ambas teorias são bastante omissas durante toda a obra, o que deixa o telespectador amontoado de dúvidas sem saber o que de fato acontece, e o que acontece é o Sacrifício do Cervo Sagrado.