Nathalia Tetzner
Salpique uma jovem fumante sem apetite, ferva um ator latino esquecido, cozinhe alguns empresários corruptos, tempere um fanático por gastronomia, corte uma crítica sem papas na língua e adoce um chef de cozinha assombrado pelo próprio trabalho, faça todas as etapas no desconforto de um restaurante rodeado pelo mar e pronto: a receita de terror psicológico está servida. Na direção do seu primeiro filme de grande investimento, Mark Mylod prepara para as telas do Cinema o sabor transformador da sátira unida ao suspense com O Menu.
Lançado em Dezembro de 2022 no Brasil, em meio a um cardápio audiovisual recheado por opções para satisfazer todos os gostos durante o ano, o longa é uma sobremesa deliciosa que surpreende ao fazer o público reservar um espaço no estômago para degustá-lo. Ralph Fiennes, na pele do renomado chef de cozinha Slowik, apresenta os dez atos que compõem o menu através de palmas estridentes e discursos teatrais que logo irritam a protagonista deslocada Margot, interpretada pela nova queridinha de Hollywood, Anya Taylor-Joy.
O roteiro assinado por Seth Reiss e Will Tracy se apoia no humor amargo para satirizar o capitalismo, o egocentrismo da geração que não consegue se alimentar sem fotografar os pratos para postar nas redes sociais e, até mesmo, a crítica especializada. Sim, o Persona teria altas chances de receber um convite para jantar no infame Hawthorne, afinal, a equipe de profissionais da culinária são extremamente enfáticos com a clientela: “você irá comer menos do que deseja e mais do que merece”.
As atuações de O Menu não destoam da sagacidade presente na apresentação dos pratos, Anya Taylor-Joy e Ralph Fiennes demonstram em cena o motivo pelo qual foram os escolhidos para protagonizar o suspense. Por outro lado, com um fundo de comédia, os momentos reservados para o riso são tarefa da garçonete ácida Elsa (Hong Chau) e do admirador exorbitante de iguarias Tyler (Nicholas Hoult). Tentadores em seus papéis, Janet McTeer, John Leguizamo, Rob Yang e Reed Birney são os demais nomes de destaque da lista de convidados do chef Slowik.
Christopher Tellefsen, responsável pela montagem, ou melhor, pelo mise en place do longa, acerta as quantidades e o tempo exato de misturar os ingredientes, assim, colocando os palpites do espectador em xeque a quase todo o instante. Visualmente saborosa, a fotografia de Peter Deming incoerentemente abre o apetite para o clima inóspito que se instaura pela sala de jantar do restaurante. A trilha sonora é um dos poucos aspectos técnicos que azeda o paladar, Colin Stetson não inova e falha na tentativa de eternizar a trama ao som de alguma melodia marcante.
Entre os adjetivos que caracterizam a obra de Mark Mylod, atraente e violento sumarizam a experiência gastronômica transformadora que abocanha o terror psicológico e não deixa nada no prato. Se classificado pelos moldes Michelin, O Menu certamente é um hambúrguer irresistível que merece as 5 estrelas, já no campo cinematográfico, a sua estreia no 47º Festival Internacional de Cinema de Toronto é um alento em meio ao cenário de desvalorização do suspense e da comédia, o que justifica a falta de indicações aos prêmios tradicionais do Cinema.