Bianca Penteado
Se você encontrasse uma coisa de sua infância que guardava como um tesouro, como se sentiria? Feliz? Triste? Nostálgico?
Estamos no dia 31 de agosto de 1997, em Paris. Em um antigo apartamento do bairro Montmartre, Amélie Poulain (Audrey Tautou) não sabe que sua vida está prestes a mudar. Retirada de um esconderijo na parede, em suas mãos há uma antiga caixa de perfume, que armazena todos os restos de uma vivência. Admirada com aqueles tesouros – inestimáveis apenas a quem pertence – Amélie faz uma promessa: devolverá a recordação ao dono e, caso ele se emocione, começará a resolver a vida dos outros.
Singular em sua estreia na cinematografia romântica, Jean-Pierre Jeunet constrói O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) em uma premissa sensível que enxerga valor na banalidade. Indicado a cinco categorias no Oscar 2002, entre eles o de Melhor Filme Estrangeiro, o longa brilha ao expor o telespectador ao olhar do outro sobre a vida, a partir do momento em que compreendemos sua razão para amar o que ama.
Superando as expectativas, a simplicidade do roteiro não incomoda. A facilidade com que as coisas acontecem é atraente, e encanta os exaustos da complexidade – que persiste na ficção e no real. Não há drama, nem traições, muito menos reviravoltas saturadas. O diretor aposta em um enredo que evidencia o carisma de seus componentes.
Não à toa, o filme é considerado um marco que impulsionou a presença francesa no Cinema mundial. Ao som de La valse d’Amélie, Jeunet reinventa o romance clássico das telonas, e surpreende ao introduzir um narrador que completa as lacunas de silêncio deixadas pela protagonista que evita as palavras, mas fala muito em suas expressões.
E, de fato, a heroína só tomou o protagonismo merecido com a interpretação enérgica e vivaz de Audrey Tautou. Sem sucesso nas relações concretas, Amélie procura refúgio no conforto dos cenários surreais que imagina. Diálogos curtos e sussurrados são tudo o que desconhecidos conseguirão da garota. Mesmo assim, a personagem não expressa a timidez como o único ou o mais predominante traço de sua personalidade. Ela também é delicadamente ousada, e não tem medo de encarar a vida de frente quando preciso.
Destino ou acaso, as ruas de Paris nunca pareceram tão pequenas. São nas eventuais idas e vindas ao metrô que Amélie Poulain encontra seu par – no sentido romântico e literal da palavra. Nino Quincampoix (Mathieu Kassovitz) é um observador da individualidade humana e um colecionador nato. Ela sente que são parecidos e isso é o que prende sua atenção.
Ainda assim, há um critério conflituoso. O roteiro de Guillaume Laurant restringe o espaço de Nino na trama e limita, tanto em tempo quanto em ação, seus encontros com a protagonista. Ao mesmo tempo, querer conhecê-lo melhor não transparece como uma prioridade para o espectador. Passado o desencanto dos melosos de plantão, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain segue progressivamente evoluindo, trabalhando o romance na inquietação da espera pelo fatídico dia em que ambos se descobrirão.
Mérito novamente de Jean-Pierre, a experiência fotográfica que acompanha a obra é sensorial. As ambientações e os figurinos predominantemente verdes e vermelhos criam uma atmosfera imersiva visualmente semelhante a de uma pintura. Curiosamente, a paleta de cores selecionada para o filme foi inspirada no trabalho do artista brasileiro Juarez Machado, que vive em Paris há 30 anos e é um grande amigo do diretor.
Passou rápido, mas os 20 anos de Le fabuleux destin d’Amélie Poulain chegaram. Um marco no Cinema francês, a obra cinematográfica representa a memória afetiva de uma geração que encontrou seu reflexo na excentricidade do outro. Com um quê de comédia, o filme merece e precisa ser visto, revisto e relembrado em seu propósito: cada oportunidade deve ser agarrada e vivida, antes que tudo o que reste sejam recordações em uma caixa de perfume.