Davi Marcelgo
O Exorcismo de Emily Rose (2005), Exorcistas do Vaticano (2015), O Exorcismo da Minha Melhor Amiga (2022), O Exorcista do Papa (2023): existem mais filmes de esconjuração do que demônios na vida real. Muitos tentaram replicar o sucesso do clássico de 1973, O Exorcista, outros preferiram distanciar-se e fizeram terror do seu próprio jeito; mas ano vai, ano vem e o ato profano de William Friedkin continua irretocável. Em 2023, com a mais nova sequência, o dogma não muda.
O Exorcista: O Devoto (2023), no original com o subtítulo Believer, é uma história de dois nomes: O Exorcista e David Gordon Green. Ele é diretor da nova sequência e também da controversa última trilogia de Halloween (2018-2022), enquanto o primeiro é o clássico unânime de terror, considerado obra-prima. Diante disso, surge a polêmica: um diretor com histórico de destruir uma franquia amada, que também é oriunda de um cineasta com clássicos prestigiados, – Halloween de John Carpenter – assume a missão de costurar uma túnica moderna para a obra. Então, qualquer alarde ressoa até o inferno.
O novo Exorcista é uma continuação direta do filme de 1973, desconsiderando prelúdios e sequências que vieram depois dele, assim como aconteceu com a trilogia de Michael Myers. Na trama, as amigas Angela Fielding (Lydia Jewett) e Katherine (Olivia Marcum) são possuídas pelo demônio após tentar contato com a mãe de Fielding, que já faleceu. Quando as coisas chegam ao extremo, o cético Victor Fielding (Leslie Odom Jr.) precisa ter fé para salvar sua filha.
O ponto crucial é que O Devoto está longe de ser uma heresia, tampouco destrói o material original. Pelo contrário, ele faz homenagem. Ao abrir o longa com dois cães brigando, referencia o trabalho de Friedkin e, de certa forma, mantém as temáticas também. Ao mesmo tempo, Gordon Green tenta ser um pouco diferente, o que é deleitoso porque deixa marcas autorais. Porém, nesse segundo traço, a mente por trás do filme perde a mão e repete os frequentes problemas das requels e dos recentes filmes de terror hollywoodianos.
Ellen Burstyn retorna à franquia depois de 50 anos, reprisando seu papel como Chris MacNeil, mãe de Regan (Linda Blair) – a garota possuída em 1973. MacNeil tem o mesmo tratamento que outras protagonistas clássicas em sequências-legado. Por homenagem, coesão de universo ou para apelar à nostalgia ao público, essas continuações trazem de volta personagens do primeiro filme ou da primeira trilogia – mesmo que as atrizes já estejam mortas – e quase sempre ceifam suas vidas ou dão pouquíssimo tempo de tela.
Chris MacNeil fica de escanteio, com duas ou três participações e depois some da câmera. Em entrevista ao The Hollywood Reporter, Burstyn revelou que gravou outras cenas para a sequência The Exorcist: Deceiver, que tinha a data de lançamento prevista para 2025, mas que foi substituída pela estreia do filme biográfico sobre o rei do pop Michael Jackson. Junto a isso, David Gordon Green não está mais no comando dos próximos filmes de O Exorcista, de acordo com uma matéria de Janeiro de 2024. Então, a participação da atriz pode ou não acontecer.
O motivo desse pouco tempo de tela ainda é nebuloso. Argumentar que ela já alcançou certa idade – tem 91 anos – e tem problemas para atuar até seria válido se a atriz não tivesse concedido uma entrevista ao Interview dizendo que este é o momento mais ocupado da carreira dela. A veterana está em outros projetos, como Law & Order: Organized Crime. Na mesma entrevista, ela também arranca elogios ao diretor David Gordon Green.
Outra armadilha que a nova geração de horror cai é a de se assemelhar aos filmes da Marvel. Em certos momentos, a edição de Timothy Alverson e direção parecem estar criando uma iniciativa Vingadores versão representantes religiosos, se afastando do terror e se possuindo pela nova onda de Hollywood. O conteúdo se transforma numa dicotomia ao invés de se aprofundar no medo e seus temas que diferem gêneros.
Por outro lado, a aposta nesse tipo de construção eleva personagens e soou positivamente. A requel subverte expectativas antes de se tornar uma cartilha de moralismos, pregando sustos que te fazem pular da poltrona. Ele também provoca desconfortos físicos: a cena do interrogatório no hospital após as meninas serem encontradas é sufocante. Uma das sequências no hospital executa uma montagem excelente com cortes rápidos, muito movimento e com enfermeiros e policiais fazendo perguntas para as crianças, colocando o espectador para dentro daquela experiência desconfortável que as meninas estão sentindo. A cena lembra a angústia de Regan passando por exames médicos invasivos.
Quando se trata de medos, David Gordon Green reage aos estímulos estadunidenses. Em Halloween (2018), ele tece críticas à cultura do espetáculo, trauma e superação. Em O Exorcista – O Devoto não é diferente, e o diretor e roteirista pincela temas de falsa moral religiosa e prática do bem. Praticando a continuidade da ideia de que o mal está para além do demônio, está em todas as partes, conecta o primeiro take do filme à cena dos cães no original. O escritor faz menção a cena de 1973 e traz sua visão já estabelecida para a nova sequência.
Esperamos sempre que filmes sejam obras-primas absolutas, divisores de águas, filmaços (ou pelo menos deveríamos), mas o resultado nem sempre é esse. O Devoto está no meio dessas tantas produções que vamos esquecer em pouco tempo ou que será fortemente lembrado porque paira a sombra de uma apoteose audiovisual. O destino real, só o tempo dirá. O futuro da nova trilogia segue incerto e procura por um diretor para redigir esta missa.
Ao final do dia, O Exorcista – O Devoto é só mais um filme de possessão. A obra não vai estabelecer paradigmas igual o antecessor, tampouco apavorar gerações. Daqui a 20 anos, veremos mais uma versão de O Exorcista, Halloween, Pânico e Hora do Pesadelo (que incrivelmente está na geladeira desde 2010) e de outros clássicos. Mesmo assim, os originais continuam ali, como uma Bíblia para os fãs de horror, e aos novos entusiastas, prontos para pregar sustos geracionais.