Rebecca Ramos
Dirigido por Christopher Smith, um cineasta britânico, O Convento é apresentado como um filme aterrorizante, marcado por momentos de tensão sublime, mas, ainda assim, com cenas repletas de medo e sangue. Na trama, Grace (Jena Malone) recebe a notícia de que seu irmão mais novo morreu em um convento em que vivia, na Escócia.
Tendo pouco contato com a religiosidade, tampouco com ele, imediatamente viaja até o local e investiga as estranhas ocorrências acerca do falecimento. Apesar da ambiciosa premissa, o longa não agradou a crítica de forma geral, e, ainda que todos possuam o seu ponto de vista artístico em relação a obra, sem dúvida pode-se refletir fortemente acerca das questões de obsessão com crenças individuais, especialmente no contexto contemporâneo.
Construindo uma carreira no gênero do Horror desde os anos 2000, a filmografia do diretor é composta por produções como Plataforma do Medo (2004), Mutilados (2006) e Triângulo do Medo (2009). Apesar da notória experiência no ramo, diversas de suas obras são baseadas em técnicas simplistas para causar a emoção desejada. O uso de jumpscares é recorrente e, mesmo que o recurso possa ser utilizado de maneira inteligente, isto não ocorre com o cineasta. O marketing de O Convento resume-se a um final surpreendente e inesperado, o que certamente não é o caso.
Embora a premissa religiosa em filmes de terror não seja uma novidade, a obra certamente sugere um questionamento acerca da maneira com a qual as instituições dogmáticas e suas crenças são tratadas atualmente, mesmo que não de forma consciente e intencional. É certo pontuar a existência da devoção por Deus e a atmosfera enigmática que permeia aqueles que habitam o local, deixando O Convento apenas mais tormentoso e angustiante. A produção questiona o ideal cultista que o ambiente possui.
As cenas, predominantemente compostas por mulheres, levantam sutilmente a questão da moralidade feminina, com suas categorias opostas e distintas, como as humanitárias de bom coração e as pecadoras indecentes, tal qual Virgem Maria e Maria Madalena, respectivamente. Observa-se esta dicotomia na construção da personagem de Grace, sendo ela a médica salvadora e a perversa que não resgatou o próprio irmão, portanto, uma assassina.
As consequências da culpa extrema e do luto da personagem são visíveis. Se uma vez ela fora uma médica apegada de maneira cética e quase religiosa à ciência, ao se deparar com suas memórias reprimidas e trauma de seu irmão perdido, perde-se completamente, apagando todos os resquícios da pessoa que era antes da viagem. Alucinações são constantes, confundindo o público e deixando com uma sensação quase dissociativa e confusa sobre o que está acontecendo nas telas.
Além disso, a intrínseca necessidade de controle aparece como sintoma tanto na história de Grace com a Medicina quanto dos moradores do convento com a fé. Esse ponto abre espaço para questionar a maneira como lidar com eventos difíceis e de que maneira a busca incessante por controle em todos os aspectos da própria vida pode ser enlouquecedora.
Iminente à condição humana, o sofrimento necessita de cuidado. Todos possuem uma forma de lidar com problemas e o fanatismo certamente é um deles. É possível analisar diversos casos de instituições religiosas que se propõem a auxiliar aqueles que estão em uma maior vulnerabilidade psíquica e, embora tenham a sua importância, é preciso estar emocionalmente estável para se adentrar locais que envolvam questões tão subjetivas quanto a fé. O cientificismo quase determinista, às vezes elitista, que certas camadas sociais possuem também anula diversas reflexões que poderiam ser colocadas em cheque, acolhendo, desta forma, as experiências individuais de cada um.
Assim, embora soe distante à primeira vista, O Convento pode-se equiparar até mesmo ao contexto vivenciado nos últimos anos, tornando-se estranhamente relevante enquanto uma humanidade tão polarizada. Mesmo assim, ainda existe a necessidade de se crer. Com a ascensão de figuras paternalistas envolvidas com a igreja e o aumento dos casos de intolerância religiosa, a adoração sem pensamento crítico não apenas limita a visão e mente de fanáticos, como afeta e até mesmo mata aqueles que pouco têm a ver com a situação e não estão relacionados com esta cegueira e obsessão.
A obra cai como uma luva acerca de questões sobre a fé cega em quaisquer tipos de ideologias. Apesar de ser um filme simplório no quesito Terror em comparação a outras obras do gênero, como o clássico Carrie (1976), ainda possui o seu valor artístico e questionamentos que pode-se fazer em cima do seu enredo. Torna-se cada vez mais imprescindível a discussão acerca do fanatismo pautado em crenças não fundamentadas em um cotidiano como os vivenciados atualmente. O Convento evidencia aquilo que, lá no fundo, já se sabe: que todos estão em sofrimento, mas muitos lidam com isso do pior jeito possível – de forma autocentrada, egocêntrica, destrutiva e violenta.