Ana Laura Ferreira
Chega a ser engraçado o poder da música sobre nossos sentimentos, abrindo caminho entre qualquer racionalidade e atingindo em cheio nosso coração, trazendo a tona sensações que nem sequer sabiamos poder senti-las. Nos submergimos naquela narrativa atmosférica sangrando por um coração que pode nunca ter sido quebrado ou por uma paixão avassaladora que nunca tivemos, mas mesmo assim entendemos. E é em Nobody Is Listening que ZAYN nos permite viajar na imensidão de suas sensações, embarcando nessa sincera e imersiva história.
O disco produzido durante a quarentena exala a intimidade do cantor e se constrói entre a excitante busca pelo novo e o aconchego do conhecido. Muito mais centrado do que em seu álbum antecessor, Icarus Falls (2018), nos é entregue uma obra concisa e imensamente melhor trabalhada em construção de clima e identidade, mostrando para nós o lado sincero e pessoal da carreira do cantor. Sabendo balancear quantidade e qualidade, ZAYN deposita absurdas doses de talento que funcionam como morfina em nossas veias.
Apesar de estar mais à vontade para apresentar seus sons e perspectivas, é claro que ainda se trata de um álbum sujeito a indústria e que portanto tem que vender. Não que isso fosse sequer um problema para Nobody Is Listening, mas ainda assim a estratégia de criação de expectativas e atmosfera para a chegada do disco adicionou alguns pontos a essa narrativa. Começando com o single Better, que poderia fazer parte dos trabalhos antecessores do cantor, fomos apresentados a uma nova era sem grande choque. Na sequência, Vibez deu as caras sinalizando que algo um pouco diferente e agradável estava por vir e que chega como uma feliz surpresa abrindo o álbum.
Calamity é a música mais destoante do disco e também uma das mais ousadas da carreira do cantor. Trazendo influência do jazz, ZAYN abre uma conversa com seu ouvinte o preparando para a madura narrativa que agora ele apresenta, e o que mais agrada nesse vai e vem entre o conhecido e o novo é a sensação de descoberta que sentimos. A cada faixa, nos vemos garimpando detalhes, sons e modulações que ainda não havíamos escutado em seus trabalhos. Vez ou outra, somos recompensados com pedras preciosas.
Mas entre estas pedras também encontramos pedregulhos disfarçados de diamantes. Não que tenhamos sido enganados, mas apenas nos pegamos ovacionando ligeiras novidades como se fossem grandes inovações, o que não aconteceria em outras perspectivas. Nobody Is Listening traz coisas novas, isso é um fato, entretanto, é difícil chamar de inovador um trabalho que recicla temas e se prende a uma história única – exemplifico com Vibez, que tem a mesma narrativa e efeito de Pillowtalk em Mind Of Mine (2016). Isso não diminui a qualidade da produção ou faz com que percamos o interesse por escutar as músicas, mas deixa um leve amargor, uma sensação de trapaça, por termos sido induzidos a achar que entraríamos em contato com algo totalmente inédito.
Esse reaproveitamento disfarçado de inovação, também presente no uso dos gêneros, acaba sendo a pontinha decepcionante na grande maravilha do disco. Se mantendo na zona de conforto do R&B e do pop eletrônico, escutamos batidas simples e comuns que vez ou outra são complementadas com pitadas de frescor, mas que em sua maioria lembram – e muito – o primeiro álbum do cantor. Este reaproveitamento não precisaria ser um problema em si, mas se transforma em uma questão a partir do momento que aceitamos de bom grado a reciclagem de artistas masculinos enquanto exigimos que as mulheres da indústria se reinventem a todo momento, porque sim, estamos falando de privilégios.
Mas problemas à parte, o estilo bem marcado do pop de 2020, com nomes como The Weeknd, também se fez presente na dançante e sensual Sweat. A batida oitentista constrói uma atmosfera sinestésica e nos coloca em contato com uma imensidão imaginativa, que me faz pensar o quão boa a faixa ficaria como trilha de algum filme nos moldes de Tron: O Legado. Assim, também somos agraciados com a atmosférica Windowsill, que dá uma base do estilo de música que o próprio cantor costuma escutar e que agora emprega no seu trabalho.
Apesar de turbulento e cheio de pontos positivos – e alguns negativos -, é em seu encerramento que Nobody Is Listening se solidifica. River Road chega como um suspiro acústico em meio aos sintetizadores, simples e completa. Aconchegante e profunda, a faixa passa esse ar de intimidade, quase como se estivéssemos sentados no estúdio junto ao cantor apenas observando ele criar. E é no despretensioso que enxergamos claramente todo o amadurecimento de ZAYN.
Imperfeito e admirável, o terceiro disco da carreira do cantor é também o mais seguro e maduro de todos, provando de uma vez por todas que ele não é mais o membro de uma boyband, mas sim um artista completo e independente. Se tivesse que definir Nobody Is Listening em uma palavra, diria confortável, no bom e mal sentido. É tudo muito íntimo e próximo, como também perigosamente cômodo, fazendo dele um suspiro de alegria para os fãs e um ótimo ponto de discussão. Porque, como já percebemos na caminhada de sua discografia, ZAYN está disposto a escutar o que temos a dizer.