Júlia Paes de Arruda
Quem vê Charlie Puth agora, dono de hits como Attention e Girlfriend, mal sabe que o álbum Nine Track Mind, lançado em 2016, é um produto de sua autoria. Ele mesmo afirmou que esse disco era sua tentativa de se encontrar e se descobrir como artista. Porém, isso não significa que não possamos apreciar sua genialidade e seu imensurável talento na música. A verdade é que, 5 anos depois, o álbum só reafirma a preciosidade de cantor, compositor e produtor que Puth é.
A viagem de autodescoberta de Charlie acaba virando a do público também. O mergulho em ritmos, notas e instrumentos conduz uma narrativa nem um pouco linear, isto é, você pode apreciar personalidades diferentes de uma pessoa que tenta se estabilizar na montanha-russa que é a carreira musical. O resultado é um compilado de diversas musicalidades, uma experiência sensorial realmente emocionante e intimista.
Mesmo tendo o pop como seu gênero predominante, Charlie nunca deixa sua formação em jazz e música erudita passar despercebida. Sons de teclado e piano são as bases para a grande maioria de suas produções, em exemplo das duas primeiras faixas, One Call Away e Dangerously. Na segunda, mais especificamente, as notas clássicas evocam a percussão e o timbre mais alto, tornando-a mais rítmica, similar a Grenade de Bruno Mars. Essa sofisticação instrumental enriquece o trabalho do artista, ainda mais se tratando de Puth, que a cada dia surpreende seus fãs com novas composições de home-office.
O maior sucesso de Nine Track Mind é a composição autoral que traz uma vibe mais dançante, apesar da letra melancólica. Tocada ao vivo, essa sensação de sofrimento pelo término do relacionamento é ainda mais marcante em We Don’t Talk Anymore, que conta com a participação da maravilhosa Selena Gomez. O sentimento que ambos os artistas colocam na voz é surpreendente, como se encarnassem o eu lírico da música. Isso poderia ter sido um sinal já que os dois, literal e ironicamente, não se falam mais.
Pessoalmente, a obra prima do disco é Marvin Gaye, cantada juntamente com Meghan Trainor. A maleabilidade dos dedos de Charlie sob o piano, acompanhado de uma percussão mais agitada, demarca o pop que lhe é mais confortável. A sensualidade da música é mais evidente quando se apoia no clipe, porém não tira o mérito de uma harmonia envolvente e provocante. O cenário do vídeo poderia ser facilmente o Rydell High School de Grease, ainda mais pelo cabelo a lá brilhantina que Puth adota. Fora isso, é inevitável estalar os dedos e mexer o corpo de um lado para outro na parte mais calma da canção, especialmente na estrofe anterior ao refrão.
Entretanto, a composição que lhe proporcionou mais reconhecimento é totalmente oposta à Marvin Gaye, tanto em temática quanto em melodia. Obviamente, é acompanhada de um piano, mais uma prova de que o cantor não abandona suas raízes clássicas. O sentimentalismo e a emoção são as palavras que a resumem, ainda mais por estarem associadas a uma perda irreparável. São nessas circunstâncias que See You Again, em parceria com Wiz Khalifa, mereceu seu espaço no sétimo filme da franquia Velozes e Furiosos.
Quando se diz que Nine Track Mind é uma experimentação, não é mentira. A imersão foi tão intensa que até numa batida mais folk o cantor se arriscou. O fruto disso é My Gospel, que poderia facilmente ter saído da mente de Ed Sheeran (quem sabe uma inspiração para Nancy Mulligan, do álbum Divide?). Em contrapartida, Up All Night remete aos toques de piano mais voltados para o country de Tim McGraw, especialmente na música I Got Friends That Do. A “salada musical” que acabou se tornando não é ruim, mas quando comparado ao álbum Voicenotes (2018), dá pra perceber que Charlie estava às cegas tentando encontrar seu começo de algo novo.
Mesmo que o artista de 2016 e o atual ‘não se falem mais’, Nine Track Mind ainda é o berço da sua maestria em expressar-se através de notas musicais. A partir daí, o garoto prodígio decolou e experimentou as delícias e os desprazeres da fama. Ainda sim, Charlie Puth mantém o sentimento que carrega consigo, tornando as canções quase íntimas, como se fossem relatos do seu diário pessoal. O resultado disso são trabalhos impecáveis e provas do fascinante potencial de músico que ele tem.