Ana Nóbrega
Um sonho em comum e anos de diferença. A relação de amizade entre Deok Chool (Park In Hwan) e Chae Rok (Song Kang) começou com um sonho de infância no novo drama coreano da Netflix. Navillera trilha a história do patriarca Shim Deok Chool, um ex-servidor público de 70 anos que decidiu se tornar bailarino. Para que pudesse sustentar sua família, o coreano decidiu deixar de lado sua fantasia de um dia apresentar Lago dos Cisnes. Isso tudo muda depois que ele decide ir atrás do que o faz feliz, encontrando pelo caminho o bailarino Lee Chae Rok, de 23 anos.
Baseada na história do webtoon Like a Butterfly, a série traz à tona a relação da sociedade coreana com pessoas idosas e a pressão social para o sucesso. Esses dois eixos são expostos na trama de forma sútil. Diálogos simples entre os personagens mostram de maneira natural como a Coreia do Sul lida com a ideia de sucesso profissional. Em pequenos detalhes, é possível perceber o dilema do apreço por pessoas idosas e seu abandono pela geração mais nova, que não os enxerga mais como capacitados.
A produção conta com o mais novo queridinho da indústria cinematográfica local, Song Kang. Com um grande currículo de atuação, o ator – que só esse ano promete estrear três doramas – traz vida ao dedicado e recluso Lee Chae Rok. Um dançarino esforçado que sempre se envolveu com esportes, mas optou pelo balé depois de desistir do futebol. Com a mãe falecida e o pai preso, o jovem tem dificuldades de se sustentar financeiramente e precisa trabalhar meio período em um restaurante.
Esse fator incomoda muito seu professor de dança Ki Seung Joo (Kim Tae Hoon), que insiste constantemente que ele largue o trabalho e se dedique mais a dança. Essa é uma das ocasiões em que a corrida pelo sucesso se mostra presente na trama. Seung Joo insinua que o tempo de Chae Rok está acabando, afinal ele já tem 23 anos, e a carreira de um bailarino é bem curta.
A presteza por pensar no futuro e ter altas ambições é parte da cultura coreana, e notável em qualquer uma de suas produções. A famosa frase “faça enquanto eles dormem” é levada muito a sério pela tradição do país. Não é incomum assistir e ler histórias de indivíduos que trabalhavam noite e dia para alcançar uma vaga em alguma empresa, ou um espaço no mundo do pop. É uma corrida contra o tempo para crescer e se aperfeiçoar constantemente, sem mostrar fraquezas ou defeitos.
Tudo isso começa a ser questionado quando Shim Deok Chool surge, aposentado e decidido a se tornar um dançarino. O patriarca quebra todas as barreiras impostas na sua frente para poder realizar seu sonho de infância. Assim como outros personagens, o ex-funcionário público precisou se dedicar muito desde cedo para ter sucesso e alimentar a sua família.
Navillera explora essa questão em vários momentos, fazendo comparações do esforço do senhor na época em que era carteiro com a ocasião que se encontra quando idoso. Entre cenas de treinos e diálogos, acontecem flashbacks que explicam a audácia e dedicação de Deok em conseguir aquilo que quer. Adotando tons mais amarelados para a imagem e cenários mais antigos, a produção tenta se aproximar o máximo de uma Coreia pobre se reconstruindo no pós-guerra para, então, contextualizar as escolhas de vida do ex-carteiro.
A decisão do homem em se tornar um bailarino em idade avançada está interligada com a pressa da sociedade em conseguir crescer na sua profissão e se tornar bem sucedido. Já que, durante a sua juventude, desistiu de seu sonho para poder ter estabilidade financeira. O drama faz perceber que não existe idade correta para correr atrás daquilo que lhe faz feliz, expressando situações onde pessoas vivem amarguradas ao chegar à velhice sem ter conseguido estar realizado consigo mesmo.
Forçado por seu treinador, Lee se torna professor de Shim. A relação dos dois se transforma em um símbolo de união entre duas pessoas que não são tão diferentes, mas que precisam uma da outra. O jovem bailarino órfão de mãe e abandonado pelo pai, não tem uma figura familiar que cuide dele. E o aposentado vive uma vida parada e com remorso pela carreira que nunca teve. Ao decorrer do tempo, se vê entre os dois uma amizade baseada no cuidado e crença sincera da parte de Deok Chool no garoto.
A série traz um questionamento a respeito das relações familiares e a falta que elas fazem na vida de cada um. Chae Rok começa a crescer como um participante ativo na família de Deok Chool, que, pela idade, passa a receber menos atenção dos filhos. O jovem bailarino mexe com a estrutura da família Shim, os fazendo se indagar sobre as pressões profissionais e a ausência na vida dos pais idosos.
Dirigido por Han Dong Hwa, Navillera quebra o padrão de dramas focados em romance e traz uma nova visão sobre os costumes do país. Desconstruindo a ideia de que a velhice seria o fim, sem possibilidades de gerar novas experiências e anseios. A série apenas se prende ao clichê quando monta a imagem dos dois protagonistas como heróis pobres, com vida pessoal conturbada e que sofrem muito durante o desenrolar da trama. Temática já abordada em outras produções coreanas da Netflix, como Itaewon Class e Extracurricular.
Uma conexão entre indivíduos de idades bem diferentes, que tiveram trajetórias opostas, porém que necessitam um do outro para quebrar obstruções impostas pela sociedade. Navillera veio para emocionar o público e trazer um pouco de fofura e risadas em tempos difíceis. Deixando de lado o afeto romântico e colocando em destaque o afeto paterno e familiar, que há muito tempo não vinha sendo explorado pelas produções coreanas. E ensinando que voar como uma borboleta é possível para qualquer um que sonhe, independente da idade.