Vitor Tenca
Em abril de 1989, Miguel Ângel Félix Gallardo era preso por agentes de uma força tarefa montada há anos (a Drug Enforcement Administration) em sua própria casa, em Guadalajara, surpreendentemente sem que uma única bala fosse disparada. Enfim chegava o momento do jefe de jefes passar o bastão para seu rebanho do tráfico internacional – mas, como estamos falando do homem mais poderoso do México, claramente essa troca de postos não poderia ser exatamente amistosa.
A terceira e última temporada de Narcos: México recebe não somente a gigantesca tarefa de finalizar o arco da própria série, como também carrega o peso de fechar o universo das drogas com chave de ouro. Seguindo o caminho pavimentado pelos narcotraficantes mais famosos e procurados do mundo, o ano final do spin-off de Narcos escora suas narrativa em rostos conhecidos como a família Arellano, os carismáticos sinaloenses e o “senhor dos céus” Amado Fuentes Carillo, enquanto faz questão de apresentar novas figuras e trajetórias que complementam o universo não-tão-fictício da produção da Netflix.
A cada dois episódios, as mentes, ângulos e cabeças que comandam as histórias por trás do emaranhado de cartéis mexicanos são rotacionadas, dando espaço ao brilhantismo das direções de Andrés Baiz, Wagner Moura, Alejandra Márquez, Luis Ortega e Amat Escalante. Ainda assim, a pluralidade de visões artísticas não livra o terceiro ano de seu principal desafio a ser enfrentado: manter o interesse em uma história que acaba de perder seu principal personagem – um obstáculo muito bem conhecido pelos fãs do universo de Narcos.
Sem que apareça muitas vezes para matar as saudades de quem assistiu a série até aqui, Miguel Ángel (Diego Luna) faz questão de concretizar as profecias que já havia lançado sobre nós. “Agora vão ver o que acontece quando a jaula abre e todos os animais ficam livres. Vocês vão sentir saudades de mim”. E, assim, como um roteiro escrito a base de drogas e sangue, vemos La Federación se desmantelar – cada praça trabalhando independentemente para assegurar as melhores rotas, o melhor produto e o acesso aos maiores figurões do governo.
Seguindo essa lógica, quem sai dois passos à frente na corrida pelo cartel mais influente na era pós-patron são os Arellano Félix. Benjamín (Alfonso Dosal) possui todas as características e virtudes para se tornar o mais próximo que temos de Escobar: um vilão temível por sua crueldade, mas que amamos por seu protagonismo e sentimos dó por suas questões familiares. No entanto, acompanhamos o início da trajetória sinuosa que a narcomami Dina Arellano (Mayra Hermosillo) percorre para mostrar que, quando se lida com um cartel, não há espaço para brincar de empresário.
Um dos principais charmes de séries baseadas em fatos é a mescla de filmagem entre o real e a ficção, e a terceira temporada de Narcos: México explora precisamente o recurso “documental” para causar ainda mais imersão em quem assiste. A intervenção mais chocante ocorre quando somos bombardeados com o atentado ao cardeal Juan Jesús Posadas em meio às loucuras de Ramón e Chapito (interpretados brilhantemente por Manuel Masalva e Alejandro Edda). É esse o momento em que percebemos o virar de chaves nas relações político-econômicas entre líderes do governo e a família Arellano.
E isso só significa uma coisa para Sinaloa: o momento de mudar os rumos de sua história chegou. O cartel passa por mudanças significativas no novo ano: Azul (Fermín Martínez) foi uma vítima das constantes brigas com os Arellano; Güero até tenta, mas perde seu espaço de poder; e ainda contamos com a agradável volta de Don Neto. Sendo assim, uma liderança inesperada toma conta do poder com a dupla El Chapo e o recém-apresentado Mayo (Alberto Guerra), que nos mostram como os sinaloenses são, para além de soldados, empresários sanguinários plenamente capazes de desestabilizar o império de Benjamín.
Enquanto isso, as engrenagens que fazem o mundo das drogas rodar passavam por uma mudança de comando no início dos anos 90, e seu novo dono se chamava Amado Fuentes Carillo, ou, como preferia ser chamado, El señor de los cielos. Contando com sua característica figura persuasiva, inteligente e cada vez mais respeitada, Amado transita entre se tornar o narcotraficante mais bem sucedido em toda história e lidar com crises existenciais e problemas familiares, à procura do que nenhum outro chefão do crime conseguiu perceber: a hora de sair do “jogo”. José Maria Yazpik dá vida ao antagonista principal da nova temporada de forma magistral, construindo uma trajetória ainda mais profunda para um personagem que possuía carisma e bagagem o suficiente para estampar uma referência para a série.
Para quem acompanhou a temporada anterior de perto, a junção de três míseras letras não soa nada bem para os ouvidos da população mexicana: PRI. O Partido Revolucionário Institucional foi o responsável por aproximar ainda mais as relações entre o tão sonhado liberalismo econômico e os EUA, que, sob um pano de fundo de globalização do narcotráfico (o seriado, que antes se passava nos anos 80, viaja para a década seguinte e aterrissa na década de 90), inicia as tratativas para o NAFTA. No entanto, é claro que os países ao Norte do globo não faziam uma política de boa vizinhança, mas, sim, colocavam o nariz onde não eram chamados.
No entanto, ao passo que assistimos a série, ficamos desnorteados quanto à dúvida lançada acima: a terceira fase de Narcos: México se dá bem com o desafio de substituir Félix Gallardo? Muito longe de entregar uma temporada ruim, as mãos que comandam o seriado parecem simplesmente tentar demais. Ao abordar diversas narrativas diferentes, um constante sentimento de anticlímax paira no ar – assim que uma história em desenvolvimento é cortada para a de outro núcleo totalmente oposto –, deixando o telespectador sem tempo algum de se sentir investido em um único personagem.
E, no meio desse turbilhão de protagonistas, a mais desapontante para os fãs de Narcos é a trajetória do agente da DEA, Walt Breslin (Scoot McNairy). Diferentemente de Kiki Camarena, Walt é um personagem ficcional baseado em vários agentes da Operación Leyenda, que poderia ser apontado em qualquer direção neste terceiro ano. No entanto, vemos um homem tanto viciado como preso no ciclo sem fim de chances desperdiçadas e fracassos. Ao longo dos 10 episódios, seus feitos traduzem a realidade do que o termo “guerra às drogas” representa na vida real.
Na contramão do agente Breslin, a novata Andrea Nuñez (Luisa Rubino) é a jornalista responsável por dar voz à primeira narradora em off, sobrepondo a visão policialesca da DEA e inserindo um elemento fundamental: o quarto poder. Em um país onde a corrupção conecta desde policiais de Chihuahua até o presidente do país, a única forma de fazer justiça ao povo mexicano é por meio das audaciosas e valentes reportagens de La Voz. Ao fim, com a descoberta sobre o escândalo Rebollo, a personagem nos mostra que nem sempre os bonzinhos se dão mal.
Adicionando ainda mais história para a trama geral, Victor Tapia (Luis Gerardo Méndez) traz um grande ponto de interrogação com seu plot confuso, por mais que seja verdadeiro. Mostrando outro aspecto do impacto da guerra às drogas, vemos um homem obcecado por combater sozinho os altos níveis de feminicídio e estupro em Juarez. Porém, ao fim da temporada, é extremamente difícil conectar sua passagem e esforço (independente de sua desconfiada relação com Jayme Kuykendall) com o que Narcos tenta fazer – falar de narcotraficantes sanguinários.
Infelizmente, não haverá uma quarta temporada da série, visto que a própria Netflix já vê o trabalho como finalizado. Mas, não há (tantos) motivos para tristeza para os amantes do universo das drogas: a produtora já confirmou que haverá uma nova série limitada intitulada Griselda, da mesma equipe criativa de Narcos. Como um todo, Narcos: México entrega um bom desfecho para os fãs – sejam os mais nostálgicos por Pablo Escobar, ou mesmo os impressionados com Miguel Ângel –, porém, a terceira temporada ainda passou longe daquilo que o telespectador esperava como uma despedida.