Ellen Sayuri
Com tantos filmes live-actions sendo produzidos, finalmente chegou a vez de Mulan. Claro que essas produções sempre estão sujeitas a dar certo, como A Bela e a Fera e a dar errado, como O Rei Leão. Afinal, dependendo da animação, é impossível trazer alguns elementos para o mundo real sem parecer estranho. Sem contar que as expectativas sempre são altas, porque o público espera uma adaptação fiel ao material original. Nesse caso, podemos incluir filmes que se originaram de livros também. Bem, se você espera que Mulan seja igual a animação de 1998, pode se decepcionar.
Com certeza, este era um dos filmes que eu mais estava ansiosa para assistir esse ano. Uma produção da Disney com uma protagonista e elenco amarelos atraía demais. Poder revisitar essa história que me marcou na infância, me fez sentir representada… poxa, quantos personagens da Disney são asiáticos? E amarelos então? Fiquei muito animada, mas é aquilo: quanto mais alto se vai, maior vai ser o tombo. Assim, acho que já deu para imaginar o que achei da live-action.
Tanto a animação do final dos anos 90 quanto o live-action deste ano são baseados em uma lenda chinesa, intitulada A Balada de Mulan. Como dito anteriormente, mudanças são inevitáveis, mas elas precisam ser trabalhadas de maneira que a história original se mantenha, compreendendo o limite de não ser possível reproduzir todo o conteúdo do material base, mas ainda despertando interesse no público.
A narrativa da lenda original é iniciada com o imperador da China convocando um homem de cada família para ir à guerra. Mulan vai no lugar do seu pai, que não tem condições de lutar, e se disfarça de homem para poder entrar no exército imperial. Esse é o pretexto que a animação e a live-action seguem, mas fazem isso por caminhos diferentes.
A figura de Mulan é um símbolo de empoderamento feminino. Mas no filme, ela consegue lutar de igual para igual por possuir poderes sobrenaturais, diminuindo a grandeza natural da personagem. Por conta disso, não é possível criar uma identificação com Mulan (Liu Yifei). Ela consegue vencer as lutas de uma maneira tão fácil por conta dos poderes que nem tem graça acompanhar. Nessa direção, é apresentada uma personagem nova, a feiticeira Xian Liang (Gong Li), que reforça também a ideia de ser preciso ter essa habilidade mágica para conseguir estar no mesmo patamar que os homens.
E falando sobre mudanças, uma que teve grande repercussão quando anunciada foi a exclusão do dragão Mushu. Muitos internautas ficaram chateados sem a presença desse personagem tão marcante da animação. Para “cobrir” o personagem, foi inserida uma fênix para representar os antepassados e para mostrar a relação entre Mulan e seu pai, Fa Zhou (Tzi Ma). E como a diretora Niki Caro tinha antecipado, ela não é uma “atualização” do dragão.
As cenas em que a fênix apareceu são lindas, mas poderiam ser cortadas sem prejudicar a história tranquilamente, sendo um personagem descartável que não interfere diretamente na história. Ela serve como apoio, diferentemente de Mushu, que é essencial no enredo e no desenvolvimento de Mulan. O dragão existia fisicamente, ajudando de maneira concreta, e ainda funcionava como um alívio cômico. Além dele ter a sua própria narrativa, mostrando que pode ser um mascote ao mesmo tempo em que pode proteger a família de Mulan.
Apesar do desenho não apresentar uma construção aprofundada dos personagens secundários, é possível simpatizarmos com eles, diferente da live-action, em que é difícil criar uma simpatia até pela protagonista. Essa falta de identificação pode ter acontecido tanto pela atuação do elenco como a maneira que os personagens são propostos e apresentados. Exemplo disso é o Comandante Tung (Donnie Yen), anunciado como o mentor de Mulan, que teve pouco tempo de tela no filme e não foi importante e desenvolvido como o esperado.
Assim, fica óbvio que a live-action não foi feita para quem é fã do desenho. Ela trouxe algumas referências como a cena do chá, mas nada demais. É uma outra releitura da lenda, e mudanças nem sempre são ruins, mas na nova versão de Mulan, acabaram prejudicando o apreço que muitos têm pela história. Ela traz uma narrativa em que os personagens, assim como a própria China, são vistos como exóticos. Cá entre nós, não é o primeiro filme ao mostrar a Ásia com esse olhar. Assim, o filme cai numa mesmice e, além de tudo, é um tanto desrespeitoso.
Como já dito, eu esperei ansiosamente para ver Mulan pela representatividade que ela iria trazer. Não é comum ver filme com personagens amarelos, quando falamos de protagonistas, então, é mais raro ainda. O live-action nos trouxe isso, uma protagonista feminina leste asiática, além do elenco inteiro ser também. Porém, como tudo não é um mar de rosas, trouxe também alguns questionamentos: até onde a representatividade na tela pode ser vista realmente como uma mudança concreta? É só colocar personagens pertencentes às minorias?
A produção de Mulan é formada majoritariamente de pessoas brancas, mas o elenco é todo amarelo. Podemos chamar isso de representatividade? Não buscamos proibir brancos de fazerem produções sobre pessoas não brancas, mas cobrando uma diversidade atrás da câmeras também. Estamos falando de Mulan, mas olhando além, quantos filmes visam ter diversidade, que só fica na tela? Temos que se atentar a essa suposta representação, pois a maioria é feita visando o lucro. As minorias estão conseguindo ocupar mais espaços, mas até onde é possível ter essa presença?
Meu erro ao assistir Mulan foi estar apegada ao desenho. Talvez se eu separasse as duas produções, poderia ter uma experiência melhor. Citei algumas diferenças entre elas e foi interessante ver que a live-action trouxe uma outra versão da lenda que fez com que as pessoas tivessem uma reação mista. Teve uma recepção positiva aqui no Ocidente, mas na China, o filme está sendo um fracasso nas bilheterias e extremamente criticado.
Chega até ser irônico ver que o público-alvo não gostou da produção, visto que a Disney fez mudanças para justamente agradar eles. Quem sabe se na produção tivesse pessoas chinesas ou descendentes, não poderia ter uma recepção melhor por lá? Esperamos que Mulan, apesar dos problemas que apresenta, abra portas para que mais produções com protagonistas asiáticas sejam feitas. Ressaltando a importância de serem feitos de maneira adequada, sem estereótipos e que incluam pessoas asiáticas nas produções também.