Mariana Nicastro
Midsommar – O Mal Não Espera a Noite é a prova de que, quando seu sexto sentido diz que é melhor ficar em casa, ao invés de ir naquele rolê duvidoso, é melhor escutá-lo. Mas, afinal, o que um festival de verão florido, em um campo bonito e agradável, repleto de anfitriões simpáticos e felizes, comidas e bebidas aos montes e tradições pagãs podem oferecer de mau? Talvez, sob um primeiro olhar, nada. Mas nem tudo é o que parece, e uma armadilha macabra pode se esconder muito bem por trás de flores, danças e a promessa de férias tranquilas.
Lançado no Brasil em 19 de setembro de 2019, pela A24 Films, o filme já chamou a atenção com sua produtora e diretor. Ambos têm marcado seus nomes na Sétima Arte com obras espetaculares, com destaque para as criações inovadoras e surpreendentes de horror. Hereditário (2018), igualmente escrito e dirigido pelo talentoso Ari Aster, e também lançado pela A24, já tinha ganhado o público. Assim, era de se esperar que, com o sucesso da obra que o antecedeu, Midsommar atraísse logo de cara.
Aqui, Aster entrega uma história bastante curiosa dentro do folk horror, gênero do terror que se utiliza de folclores e seus elementos. O filme tem como protagonista Dani (Florence Pugh), que viaja com seu namorado e mais alguns amigos da universidade para um festival de solstício de verão na comunidade de Hårga, na Suécia, denominado Midsummer ou Midsommar. Logo, ela percebe que a celebração oculta a verdadeira intenção do que atraiu seus amigos até ali e todos se veem presos e cercados por um ritual sombrio que coloca suas vidas em risco.
Evidenciando o talento do roteirista e diretor, a obra mistura metáforas sobre relacionamentos abusivos e a superação de traumas com o terror psicológico. Dani já carrega uma bagagem consigo ao chegar no vilarejo, o que não é atenuado considerando as atitudes egoístas (mesmo que sutis) de seu namorado Christian (Jack Reynor). Com isso, nós, espectadores, sentimos desde as primeiras cenas o desconforto constante da garota, que se acentua com as atitudes estranhas dos moradores da comunidade, e com a sensação de que sair dali não será tão simples.
Essa situação pela qual a protagonista passa, ganha outras proporções com a atuação impecável de Florence Pugh. Antes mesmo de se tornar o mais novo queridinho rosto da Marvel após seu papel como Yelena Belova em Viúva Negra (2021), ela encarnava uma garota completamente assustada e desconfiada em seu papel como Dani. Florence é muito expressiva e é capaz de traduzir todos os seus sentimentos sem falar uma única palavra. Ela brilha e entrega uma performance memorável, principalmente em suas cenas mais dramáticas.
Acompanhar os acontecimentos do filme é simplesmente angustiante e assustador. As estranhezas, a violência e o terror psicológico crescem conforme o desenvolvimento do longa. Como se isso não bastasse, a aflição ao percebermos que os personagens estão presos naquela emboscada contribui para sustentar o horror que Ari Aster quis provocar.
Personagens presos em ciladas, que perpetuam por todo o longa, são extremamente funcionais no terror psicológico, e têm sido bastante reproduzidas em outras histórias recentes do gênero. Corra! (2017) é um grande exemplo, assim como a obra setentista O Homem de Palha (1973), dirigida por Robin Hardy, que claramente serviu como inspiração para o roteiro de Midsommar – O Mal Não Espera a Noite.
Outro ponto que vale destacar são os cenários nos quais a história se passa. Chocando os clichês de terror e contrariando a ideia de que a maioria das obras desse gênero precisam ocorrer à noite, para surtir efeito sobre os telespectadores, esta (como sugere o nome) se passa à luz do dia. Aliás, não só sob a luz do dia, mas também com cenários coloridos, floridos e festivos da pequena vila. Sem contar o figurino alegre da comunidade, quase sempre em branco e com simpáticas tiaras de flores na cabeça. É tudo agradável até demais. Tão agradável, que desconfiamos.
Mesmo nas cenas em que o sol brilha alto no céu azul, é inevitável a sensação de incômodo durante o filme. De que algo está errado, com a trilha sonora inquieta e perturbadora de Bobby Krlic. De que os moradores daquele local são perigosos, mesmo que de forma sugestiva, com pequenos diálogos estranhos. De que algo ruim está para acontecer. E é claro, que se tratando de um filme de terror, todas essas suspeitas vão se confirmando aos poucos.
A fotografia de Pawel Pogorzelski, também responsável pelas imagens marcantes (e chocantes) de Hereditário, é bonita, instigante e contrasta perfeitamente com a atmosfera da trama. É interessante também a forma como a direção se utiliza das imagens turvas e da câmera levemente caótica quando algum personagem entra em transe, sob efeito de algum entorpecente. Assim compreendemos tanto quanto eles o que ocorre ao redor.
Um dos muitos acertos do filme diz respeito à sugestividade, seja nos diálogos, nas ações dos personagens ou nos cenários. Já assistiu a um filme de terror e pensou “eu acho que tem algo ali” ou “parece ter um rosto entre as árvores”? Neste longa, você com certeza não está imaginando coisas! Ele é repleto de easter eggs que, quando percebidos, contribuem ainda mais para a criação de uma ambientação hostil e assustadora, planejada pela direção. Alguns, até mesmo dão dicas sobre o futuro da trama.
E ainda que não seja uma obra gratuitamente repleta de sangue, ela é violenta e extremamente explícita quando assim deseja ser. Chocante, ela, de fato, é em todos os aspectos e nas mais diversas formas e ocasiões. Midsommar é tudo isso e mais um pouco. Uma obra-prima de Ari Aster que foge de padrões e excede expectativas. Com sua identidade e características singulares, o filme torna-se memorável. E, tranquilamente, se consagra como um dos melhores filmes de terror das últimas décadas.