Costanza Guerriero
“Eu não sou uma estilista. Eu uso as roupas para contar histórias”, disse a figurinista Jenny Beavan após ganhar o Oscar de Melhor Figurino pelo filme Cruella. Sua frase define bem o que a categoria representa, ou deveria representar, dentro da indústria cinematográfica. A Moda pela Moda deixa de existir em nome da Sétima Arte e se transforma em uma linguagem visual com um único objetivo final: contar uma história. Desde os primórdios da interpretação, do teatro ao começo do Cinema, o figurino está presente como um elemento essencial na construção de uma narrativa. Ainda assim, a categoria parece ser uma das menos prestigiadas, como ficou claro no Oscar de 2022, quando ficou entre as oito a serem premiadas fora da transmissão ao vivo.
Destaca-se que a Moda e o Cinema possuem muitos pontos em comum, sendo ambos linguagem multimidiáticas, que trabalham com a narração. No audiovisual, a comunicação se dá de maneira mais óbvia, contando histórias por meio dos sentidos a que remete, enquanto a primeira expressa narrativas de modo mais silencioso, por meio de modelos, tecidos, texturas e artefatos. A união dessas duas artes dá origem ao design de figurino, situação na qual a produção cinematográfica cresce, com as contribuições do estilismo. Apesar do papel essencial das vestimentas nas produções, o Oscar e seus telespectadores insistem em trazer pouca visibilidade para a categoria, o que pode se justificar por três fatores: a associação errônea da modalidade ao binarismo e ao preconceito de gênero, a pouca abertura para novos nomes no costume design, ou ainda a preferência por determinados gêneros cinematográficos, o que, para alguns, pode tornar a premiação previsível e repetitiva.
Por meio de um entendimento de qual direção a Academia costuma tomar para premiar as melhores vestimentas, e uma análise dos indicados em 2023 é possível desprender algumas problemáticas, desde a criação da categoria, e levantar motivos plausíveis pelos quais esta deveria ser mais prestigiada. A premissa é que um bom filme está diretamente atrelado com um design de figurino notável. Assim, os indicados sempre são as obras que atingem boas avaliações em outras modalidades técnicas, em meio a raras exceções. Esse ano, os cinco indicados a Melhor Figurino também ganham destaque em mais categorias e premiações, o que reforça importância do costume design em meio a falta de interesse pelo departamento.
Começando pela indicação de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, o favorito da temporada, inclusive para Melhor Filme, também se destaca pelo figurino assinado por Shirley Kurata. Por outro lado, Elvis parece adotar um favoritismo com produções da veterana Catherine Martin, além de receber outras indicações, como a de Austin Butler para Melhor Ator. Babilônia foi reconhecido pelas criações de vestuário de Mary Zophres e também entrou na disputa para o prêmio de Melhor Trilha Sonora e Melhor Direção de Arte. Em seguida, Ruth Carter assina as vestes de Pantera Negra: Wakanda Forever, filme que ganhou notoriedade nas demais premiações da temporada, e no Oscar, recebe outras três indicações. Sra. Harris vai a Paris é o único que não recebeu menções em outras categorias, contudo os designs de Jeanny Beaven também foram destacados em eventos anteriores.
Como fica claro em todas as indicações desse ano, o figurino na produção cinematográfica é um elemento que auxilia na clareza e veracidade da narrativa. Toma-se como exemplo vencedores de edições anteriores, como O Gladiador, de Ridley Scott, o Melhor Filme do Oscar de 2001 que também levou o prêmio de Melhor Figurino, sendo as roupas umas das responsáveis pela construção da história concisa, que se passava em um império romano convincente. Já em 2004, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei também levou as duas estatuetas, destacando o vestuário do mundo fantástico de Peter Jackson.
Além de criar mundos e reviver o passado, as vestimentas por muitas vezes assumem papel central em um enredo, como por exemplo o mistério envolto no traje que oculta Darth Vader em Star Wars, e no próprio indicado deste ano, Sra. Harris vai a Paris, cuja história gira em torno das criações do estilista francês, Christian Dior. Portanto, o figuro serve para situar o tempo e espaço no qual a narrativa é contada, além criar situações, atribuir valores, designar a índole, sinalizar a evolução, o estado emocional e social das personagens.
Mesmo com todas as evidências apontando para a importância do figurino no Cinema, sempre foi dado pouco destaque para o departamento, começando por sua emergência tardia no Oscar. A categoria começou a fazer parte da premiação em 1948, 21 anos após a primeira edição. Nesse momento, a cor, elemento tão importante para Moda e para os filmes, fazia a divisão da modalidade em duas: melhor figurino em preto e branco e melhor figurino colorido. Dos vencedores em preto e branco são destacados os designers de La Dolce Vita de Federico Fellini, por saltar a memória à elegância de Anita Ekberg e Marcello Mastroianni, e os modelos vestidos por Marilyn Monroe em Quanto Mais Quente Melhor, vencedor em 1960. Da subvisão em colorido, Cleópatra, de 1963, é um destaque e o vestuário que dá vida a rainha marca o visual camp, que chegou junto com o cinemascope. Essa distinção foi abandonada em 1957, um marco na história do Cinema como um todo, pois é quando ocorre a consagração da técnica da película em cor.
Em meio aos anos nos quais a categoria distribuía dois prêmios, foi criado o Sindicato dos Figurinistas, em 1953. Os costume designers sempre viveram perante a resistência do resto da Academia, mas, na época, a indústria cinematográfica urgia por uma reforma que visasse a valorização dos profissionais. Um dos motivos para tal pouco caso pode ser a falsa associação da mulher com a moda, no sentido de “moda é coisa de mulher”, e assim como tudo que é atribuído ao sexo feminino é levado ao desprestigio. Esse binarismo abre espaço para o desmerecimento da categoria, por acabar tendo mais nomes femininos do que masculinos.
Diferentemente de outras categorias mais destacadas, como Melhor Direção e Melhor Roteiro, a de Melhor Figurino está repleta de mulheres e a falta de consideração para tal pode ser mais um sintoma do machismo incubado na indústria. Seguindo o mesmo raciocínio, uma das maneiras de desvalorizar o trabalho delas é associá-los à futilidade e à inutilidade, bem como aconteceu com a Moda. Esse viés distorcido é ainda mais problemático dentro do Cinema, já que, aqui, as vestimentas possuem uma função além de representar esteticamente os movimentos politicamente e sociais, pois assume papel central nas narrativas.
Dentre os indicados desse ano, nota-se mais um problema com a categoria: a falta de espaço para figurinistas emergentes. A Academia se repete ao nomear e premiar diversas vezes os mesmos designers, dando pouco espaço e incentivo para novos nomes. A pessoa mais indicada na história da modalidade foi Edith Head, figurinista dos anos 50 que vestiu tantas vezes a atriz Audrey Hepburn. Incluindo os prêmios por Princesa e o Plebeu, em 1953, e Sabrina, em 1956, ela venceu oito estatuetas, em um total de 35 indicações. Em 2023, a vantagem vai para Martin, que já venceu o Oscar duas vezes e, além de Bevan e Carter, que possuem uma vitória cada, Zophres já foi indicada quatro vezes. A única profissional que concorre pela primeira vez é Kurata, trazendo uma perspectiva diferente para a categoria.
Sabe-se bem que existem algumas preferências da Academia na entrega da estatueta de Melhor Figurino, o que pode se tornar repetitivo, gerando desinteresse. Porém, algumas dessas predileções se justificam, pois são nessas produções que o design de figurino tem maiores oportunidades para mostrar seu valor. Uma das escolhas preferidas são as obras de época, ainda que nesse ano não haja nenhum filme representante: na história do Oscar, oito já saíram vitoriosas. E não é à toa. Nesse gênero, o costume de design tem a chance de dizer, em claro e bom tom, o poder que possui de transportar para outro tempo. Ajudam a contribuir tanto para a interpretação, ao vestirem imperadores e imperatrizes com em Anna Karenina, vencedor do Oscar de 2013, quanto para a representação mais fiel possível de momentos clássicos, como visto em Maria Antonieta, vencedor em 2007.
Outro gênero que possui a cara do vencedor de Melhor Figurino para o Oscar é o guarda roupa de mundos fantásticos. Dos clássicos vitoriosos Star Wars e Senhor dos Anéis, esse ano a indicação de Pantera Negra: Wakanda para Sempre representa as vestes de um mundo fictício e extraordinário. A indicação é importante para a designer Ruth Carter, que se consagrou a primeira mulher negra a vencer a categoria em 2018, pelo prequel do MCU. Em uma parceria com Adidas, Carter traz para o filme a junção da tecnologia do design 3D, com referências à mitologia africana e maia, além de elementos e artefatos de tribos africanas reais, como a Mursi e a Surma. Somam-se a isso elementos oceânicos, como conchas e algas, para vestir a civilização aquática, Taloqan. Portanto, a profissional possui o repertório e a propriedade necessários para trazer substância a uma produção na qual a estética do afrofuturismo é um dos focos.
O Oscar também sempre está de olho em produções cuja temática é a própria Moda. Nesses filmes, o costume design tem o seu momento de glória, como em Trama Fantasma, de Paul Thomas Anderson, e Coco Antes de Chanel, de Anne Fontaine. Dos indicados na categoria em 2023, Sra. Harris vai a Paris é o delegado da vez. Além de reafirmar o cenário nos anos 50, a produção da designer Jenny Beavan tinha incumbência de fazer os olhos brilharem com os modelos desfilados nas ruas de Paris e nas passarelas representadas no longa.
Produções de musicais são uma outra preferência da premiação. Com Moulin Rouge, em 2002, e Chicago, em 2003, houveram obras do gênero vencendo a categoria por dois anos consecutivos. Neste ano, Elvis representa o musical indicado: com as criações de Catherine Martin, o design de figurino vê mais uma vez a chance de replicar vestimentas de figuras emblemáticas. O estilo icônico de Elvis Presley caiu em Butler como uma luva e Martin conseguiu recriar as jaquetas de couro e trajes decotados do músico de maneira que não parecem uma fantasia, mas sim, a própria pele do rei do rock n’ roll. A indicação também é mérito dos deslumbrantes conjuntos utilizados por Olivia Djonga, que interpreta Priscila. A história do artista jamais poderia ser contada sem a presença das roupas espalhafatosas e marcantes do artista.
Uma indicação que parece estar em desvantagem comparada às demais é a de Shirley Kurata, por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. O gênero do filme parece não se encaixar em nenhuma das direções que o Oscar costuma tomar para a categoria de Melhor Figurino. Na realidade, a produção não tem a cara da premiação em nenhum aspecto, contudo, segue sendo a preferida nessa temporada, rendendo prêmios nas mais diversas modalidades. Kurata expressa a representatividade asiática por sua nacionalidade nipo-americana. Contudo, as indicações que costumavam aparecer com esse background remeteram a obras de época da China imperial, como na indicação de O Tigre e o Dragão, de Ang Lee, produção na qual a própria Michelle Yeoh fez parte. Aqui, as vestimentas criadas por Kurata, além de representarem o cotidiano, conquistaram menções graças às peças extravagantes vestidas por Stephanie Hsu e Yeoh nos múltiplos universos. A força do figurino é pela contribuição à estética megalomaníaca e de confusão perpétua, diante da possibilidade de diversas possibilidades que o filme oferece.
Para finalizar o panorama dos indicados ao Oscar de Melhor Figurino de 2023, deve-se sempre considerar a boa parceria entre a direção e o costume designer. Esse ano, destacam-se duas colaborações que funcionam bem em conjunto. A primeira delas já foi citada em Elvis, pois Luhrmann e Martim já trabalhavam juntos para retratar a comunidade artística parisiense de meados do século XIX, em Moulin Rouge!, e novamente em 2013 para conhecer os luxuosos nova-iorquinos da década de vinte em O Grande Gatsby. Porém, a indicação de Babilônia, de Damien Chazelle, reencarna outra dupla dinâmica.
A figurinista Mary Zophres já trabalhou com Chazelle em La La Land, que, apesar de não ter vencido a estatueta, construiu um dos figurinos mais belos já vistos em narrativas sobre a contemporaneidade. Na produção mais recente, as roupagens estiveram encarregadas de trazer o âmago das personagens dos anos loucos de Hollywood. Uma extensa pesquisa foi feita a respeito das vestimentas dos anos 20 e do próprio estágio no qual o design de figurino se encontrava na época, já que a obra mostra como eram os sets de gravação durante a chegada dos filmes falados. Os trajes representam bem o estado de espírito de cada protagonista e vão acompanhando seus momentos de ascensão e queda. O vestido vermelho de Nellie LaRoy, interpretada por Margot Robbie, se movimentando ao som de majestosos trompetes não será esquecido.
Esse último atributo ajuda a pensar em um elemento que agrega valor à categoria de Melhor Figurino. Afinal, na criação de um longa, o figurinista atua em parceria com os demais profissionais da indústria. Trabalhando de igual para igual e alinhado ao que a direção deseja comunicar, as roupagens constituem um elemento vital para o desenrolar da história e a qualidade de uma produção. Não pode haver um bom filme sem um direcionamento do designer, da mesma maneira que não há função em ótimo figurino dentro de um filme raso.
Diante do panorama, a excelência do Cinema não pode existir sem o costume design e a existência dessa categoria em grandes premiações serve para consolidar o valor dessa profissão. A Moda e a produção cinematográfica convergem de tal maneira, que na elaboração de trajes convincentes e marcantes, o conceito do estilismo é elevado para outro patamar. O designer de figurino é, acima de tudo, um profissional do audiovisual e deve ser reconhecido como tal. Os melhores figurinistas são aqueles que, antes de adentrar o mundo do estilismo, viviam imersos no mundo cinematográfico e os filmes mais completos são também aqueles que tiveram as vestimentas bem desenvolvidas, de mondo que perduram na memória do público.