Dando sequência ao novo formato do querido Nota Musical, a Editoria do Persona se reúne novamente para trazer suas impressões sobre os mais empolgantes – e outros nem tanto – lançamentos do mês. Despedindo-se do último palíndromo (22/02/2022) da década, Fevereiro foi uma montanha-russa de sentimentos. Em curtos 28 dias suando de calor, chegamos até a assistir de longe uma guerra ser declarada. No dia 23 de fevereiro, o mundo também deu adeus à Paulinha Abelha, vocalista da banda de forró tecnobrega Calcinha Preta. Presente no ambiente da Música nacional desde 1996, o ritmo sônico do grupo ecoa pelos mais diversos sons brasileiros.
Enfim, iniciando, de fato, a apuração dos personers sobre a Música na segunda edição do Nota Musical de 2022, fevereiro foi a vez dos namorados. Com a celebração do Valentine’s Day em boa parte do mundo, o amor foi destaque nos lançamentos do mês. E apesar de, em terras tupiniquins, o dia ser comemorado somente em 12 de julho, nunca é cedo demais para celebrar um sentimento que torna as coisas tão mais lindas, assunto que Andrea Bocelli entende bem. Na data, o tenor italiano reuniu suas canções mais apaixonadas na coletânea Andrea Bocelli: Mis Canciones de Amor, implorando por beijos quentes e se derramando na pieguice conhecida de Can’t Help Falling In Love.
Lucy Dacus, por sua vez, lançou Kissing Lessons, um single nostálgico que contempla a memória das primeiras paixões. Com sua composição confessional característica, a experiência é novamente cinematográfica – por entre os riffs de uma guitarra enérgica, dança uma pré-adolescente dentro de um quarto espalhafatoso cheio de Polaroids, enquanto mata tempo com um Gameboy prateado. Ainda explorando a fragilidade dos estágios iniciais de um relacionamento, Especially You antecipa em clima despretensioso o álbum I Don’t Want To Talk da banda Wallows, previsto para março. Já no fantasioso Beach Boy, BENEE canta sobre estar feliz só, mas ainda assim querer um namorado vampiresco à la Edward Cullen para ela.
Mas nem só de romance se fez fevereiro. Como inimiga dos relacionamentos amorosos, a eterna princesa do pop rock gritou: Love Sux! No sétimo álbum da carreira, Avril Lavigne se diverte, apesar de soar repetitiva entre as faixas. Após 10 anos, para a veterana, o amor continua sendo um tema complicado. Nas efervescências da revival emo, Machine Gun Kelly comprova que se rendeu completamente à sonoridade pop punk. Ao lado de WILLOW e Travis Barker – último, colaborador assíduo no trabalho recente de ambos –, MGK abandona de vez sua raiz rap, entregando-se às meias rasgadas, piercing nos lábios e cintos com rebites em emo girl.
Até Ed Sheeran se deixou influenciar pela nostalgia emo com sua nova versão de Bad Habits. Junto da banda de screamo Bring Me The Horizon – que também lançou Moon Over The Castle –, a canção ganha sal na mistura entre o pop do cantor com o punk de BMTH. Contudo, não o suficiente para apagar o vexame da original, uma cópia genérica de After Hours que, pasmem, mesmo assim foi indicada ao Grammy.
The Joker And The Queen, por outro lado, revela a essência da Música do britânico. Em parceria com a amiga de longa data, Taylor Swift, a faixa é mais um conto romântico musicado por ele. A produção instrumental se deleita em referências do pop oitentista, como Bee Gees e Elton John, acompanhado de um videoclipe curta-metragem que traz uma espécie de continuação do dueto Everything Has Changed, que integra Red, de Swift.
Seguindo, o mês também reuniu uma série de corações partidos. Dentre os sofridos pedaços trincados, está Joshua Bassett com Doppelgänger. Melhor trabalho de Bassett nos últimos meses, a faixa visita um lugar de incerteza e dúvida na vida amorosa do cantor, que admite não ter superado a pessoa amada, como havia prometido no passado. No videoclipe, ele contracena com Ciara Riley Wilson, jovem que compartilha uma semelhança notável com Olivia Rodrigo, famigerada ex de Bassett.
Completando o triângulo de cima, em Fast Times, Sabrina Carpenter fala sobre a velocidade com que as coisas acontecem na vida de quem tem 20 e poucos anos. A música mostra uma nova identidade de Sabrina, mais urbana e moderna, diferente da aura romântica que dominava suas canções anteriores. Já ROLE MODEL faz um pedido desesperado aos céus com if jesus saves, she’s my type, terceiro single de Rx, estreia que indica ser romântica em toda sua alma.
E vestida de um hábito branco, a galesa Cate Le Bon construiu Pompeii, seu sexto registro de estúdio, em meio à pandemia. Não surpreende, portanto, que o título remeta à cidade que, envolvida em lava e chamas, colapsou e ficou no passado. Entre os devaneios característicos de seu art pop refinado, Le Bon clama por salvação e por paz, e seja em Pompéia, no País de Gales, ou onde quer que você ouça, o chamado é poderoso: “Moderação/eu não posso tê-la/eu não a quero/Eu quero tocá-la”.
Envolvendo polêmicas conservadoras sobre o que pode ou não aparecer na TV, a segunda temporada de Euphoria chegou ao fim. Incomodando uma leva de internautas furiosos num debate esquentando com a parede acerca de furos de roteiro, imoralidade dos protagonistas fictícios ou, inclusive, da glamourização do uso de drogas na juventude, se teve algo que permaneceu, do início ao fim, irretocável, foi a maestria da trilha sonora da série. Revisitando clássicos de The Notorious B.I.G. até INXS, a música amplificou toda a dor na qual fomos testemunhas a cada domingo. Yeh I Fuckin’ Did It e I’m Tired, ambas canções originais de Euphoria, igualmente se elevaram.
Com a assinatura magistral de Labrinth, a primeira expressa a energia caótica da trama prestes a explodir numa composição lírica de rap. A segunda, que conta com os vocais de Zendaya numa estrutura gospel, é como um desabafo da protagonista. Ao lado dos adolescentes da HBO, Kim Petras é outra que entende de polêmica. Em seu Slut Pop, EP promocional da estrela em ascensão, as músicas são curtas e destrincham essa persona dominatrix e sexualmente ativa de Petras, enquanto não finaliza as faixas de seu próximo registro de estúdio.
Nem toda trilha sonora, entretanto, teve a mesma energia purgante de Euphoria. Trouble e Wait de Troye Sivan, por exemplo, são de veia pop calma, conversando com os temas sensíveis e expressivos do filme. As duas músicas, parcerias com Jay Som e Gordi, respectivamente, foram lançadas como promoção do novo longa do australiano, Three Months, integrando a trilha do filme. Gozando da irreverência da mocidade, Isaac Dunbar quer tocar o terror em Bleach: ele quer queimar pontes, furar o nariz, descolorir o cabelo e irritar seus pais, mas calma, é tudo em nome do amor! ELIO também não está para brincadeiras em Read The Room. A cantora retorna com um som bem pop, mandando um certo alguém ler o ambiente e dar o fora dali, com direito a uma blipada estilo palavrão no horário nobre quando revela o nome do sujeito.
Desafiando os limites dos gêneros musicais, ROSALÍA aumenta as expectativas para a estreia de seu próximo álbum MOTOMAMI, que inclui a colaboração ilustre de Arca. Em SAOKO, a catalã entrega um Reggaeton sombrio refinado, com flertes do jazz e ainda do metal. Já CHICKEN TERIYAKI destaca a influência do rap sobre seu estilo sonoro, incluindo uma coreografia digna para se viralizar no TikTok. Dona da própria trend na rede social, Caroline Polachek não dá sinais de um novo disco, mas continua explorando seu pop atmosférico inigualável. No mais recente single, Billions, a produção veterana de Danny L Harle com Polachek se conduz através de sintetizadores carregados, vocais distorcidos e um coral angelical. O requinte estético também se reflete no clipe da composição, dirigida pela própria em conjunto com Matt Compson.
As colegas de Caroline, Charli XCX e Rina Sawayama, são outras figuras dinâmicas do pop internacional. Lançado alguns dias depois da chegada da música, o clipe de Beg For You evidencia o poder criativo e visual da dupla na direção de Nick Harwood. Abusando de cenários arenosos, dancinhas com coreografias e uma ventania sem tamanho, tudo é observado por um grupo andante e, é claro, uma figura de látex preto com ecos de coelho diabo. Poucos dias depois, chegou o remix assinado por A.G. Cook e VERNOM OF SEVENTEEN. Expandindo a duração da música para mais de 4 minutos, o rearranjo rítmico engrandece a parceria de Charli e Rina, provando que tudo que envolve XCX e A.G. Cook não apenas reluz como ouro, mas tem o mesmo valor dele.
Silk Sonic, ao contrário, peca ao trazer a fórmula monótona de sempre – a mesma bateria quebrada que inicia Love’s Train, os mesmos solos de guitarra oitentistas, os mesmos vocais e a mesma sofrência romântica melosa. Ao seu lado, andam Coldplay e Foxes, que parecem estar presos no tempo com Let Somebody Go e The Kick, respectivamente. Em seu terceiro álbum, Foxes conduz um pop eletrônico e dançante, repleto de referência dos anos 70-80, que simultaneamente remetem a era algodoada de Katy Perry nos anos 2010. Com apenas uma balada, ela está longe de ser um dos melhores momentos do disco.
E se voltar no tempo parece ser cientificamente impossível, Cher realiza o impraticável com o videoclipe de If I Could Turn Back Time, finalmente disponibilizado de forma oficial no YouTube, ganhando uma remasterização recorrente em obras audiovisuais mais antigas da lendária cantora. Mas se voltar no tempo fosse mesmo possível, talvez viveríamos tudo aquilo que um dia adiamos na vida pré-covid-19. No 12º álbum dos veteranos do indie rock Superchunk, Wild Loneliness, como o próprio título anuncia, fala sobre a solidão que nos dominou nos últimos dois anos de pandemia. Forçados a manter o distanciamento social, os integrantes da Superchunk gravaram em partes e, assim que terminaram, decidiram convidar alguns amigos e conhecidos para colaborar, incluindo participações especiais de Sharon Van Etten, Owen Pallett, Teenage Fanclub e Mike Mills, do R.E.M.
Give Me Your Shoulders (Pt. 1) é a primeira parte do segundo álbum da banda californiana de indie pop half•alive. Nele, o grupo afirma que “o tempo é sempre certeiro em consertar o que está errado”. Depois de dois anos de pandemia, nos resta acreditar. Deixando as angústias de lado, o oitavo disco do duo de dream pop Beach House, finalmente chega ao fim. Com 18 faixas e 84 minutos de duração, Victoria Legrand (vocais e sintetizadores) e Alex Scally (guitarra e sintetizadores) têm muito espaço para realizar experimentações. O foco do CD é a expansão e o excesso, flertando com o ambiente dos sonhos que a dupla já visitou em seus álbuns anteriores.
O mês de fevereiro também ganhou trabalhos grandiosos, em seu sentido e forma. Com 20 faixas e 80 minutos, o álbum duplo da banda norte-americana Big Thief, Dragon New Warm Mountain I Believe in You, foi resultado de quatro sessões, todas em locais diferentes. A ordem das gravações foi embaralhada, dando a sensação de uma mixtape cuidadosamente selecionada, versada pelo lirismo sensível de Adrianne Lenker. O resultado é o registro mais variado e expansivo da banda até hoje – e talvez o melhor.
No segundo álbum, a artista de Cingapura yeule (ou Nat Ćmiel) versa sobre identidade e tecnologia, num art pop entendido como vanguardista, que usa muitos elementos de PC Music. Glitch Princess é sombrio, brilhante e caótico, por conta do contraste entre os temas de suas letras profundas, e a sua sonoridade eletrônica e aguda. Além disso, a tracklist conta com uma faixa de mais de 4 horas, mas que não perde o fio em momento nenhum.
Dando continuidade às figuras femininas no meio musical, após disponibilizar My Favorite Ghosts e Harder Than Hell, duas coleções de faixas já conhecidas pelos fãs, Florence + The Machine lança King, adereçando questões de sua feminilidade e seu papel como mulher na Música. A faixa é o retorno da inglesa, que anteriormente lançou o disco High As Hope (2018) e a faixa Call Me Cruella (2020). O clipe, sempre com ares medievais e uma sensação de cerimônia sagrada única de Welch, foi dirigido por Autumn de Wilde (Emma), enquanto a faixa tem dedo de Jack Antonoff na composição e na produção. Nessa semana, Florence anunciou seu novo registro, intitulado Dance Fever, para 13 de maio.
Como Florence, BANKS retorna com Holding Back, dando sequência aos trabalhos de 2021. Com data de lançamento marcada para 8 de abril, o anúncio do novo disco da artista veio junto da faixa, que tem a vibe parecida com as recentes Skinnydipped e The Devil. Sob o nome de Serpentina, o registro segue III, lançado em 2019. Agora, Sharon Van Etten apresenta Porta, primeiro grande lançamento solo da cantora desde o material entregue na colaboração bem-sucedida com Angel Olsen, Like I Used To. Resultado de uma crise de depressão séria da cantora em 2020, a nova canção busca exorcizar seus demônios.
Contudo, é inegável, o maior retorno foi o de Mitski com o esperadíssimo Laurel Hell. Na companhia de sua voz séria, o olhar da nipo-americana é certeiro e o som sempre único. O registro é especialmente amargo, mas não por isso menos atraente ou magistral, e seguindo a identidade meio pop, meio sintético, meio oitentista, Mitski reflete sobre a sua relação com a própria carreira musical, após um hiato de dois anos. Felizmente, ela voltou.
Em contrapartida, dentro de seus quartos, jovens artistas em ascensão cintilaram em fevereiro. Em seu segundo disco, Asha’s Awakening, Raveena incorpora instrumentos do sul da Ásia e canta em inglês e hindi, com influência do soul, jazz, R&B e rap. Conceitual, o álbum da artista estadunidense filha de imigrantes indianos usa a perspectiva de uma princesa punjabi, que reflete sobre amadurecimento e cultura moderna. Tudo é muito suave, atraente e solar, muito bem produzido, escrito e interpretado, incluindo faixas de transição, instrumentais e até meditação guiada.
Indicada na categoria Artista Revelação ao Grammy 2022, Arlo Parks dá sequência à estreia bem-sucedida de Collapsed in Sunbeams com o single Softly. Como os últimos registros da cantora inglesa, a composição confessional da canção explora os sentimentos mais íntimos da artista “sobre anseio, sobre o quão frágil você se sente nos últimos dias de um relacionamento, quando ainda está desesperadamente apaixonada”. A instrumentação segue a mesma linha do material entregue no álbum anterior.
Da mona lisa entediada de mxmtoon ao the lost ep da inconsistente carreira de Paris Jackson, muitos são os nomes que têm um caminho interessante a ser percorrido. No meio deles, porém, se destaca Nilüfer Yanya. A cada novo lançamento, a expectativa sobre PAINLESS, aguardado segundo álbum da artista, cresce. E dessa vez, foi a hora de anotherlife, uma composição conduzida por sintetizadores atmosféricos, percussão pulsante e pelo vocal caloroso da cantora inglesa, que ganha dimensão pelas camadas de vozes sobrepostas entre si.
Revisitando trabalhos passados, a dupla gêmea Tegan and Sara lança Still Jealous, uma coletânea que apresenta reinterpretações das faixas originais do álbum de estreia da carreira, So Jealous (2004). As novas versões foram regravadas acusticamente, deixando a sonoridade sintética das originais de lado. K.Flay com Inside Voices / Outside Voices, Tame Impala com The Slow Rush Remixes & B-Sides e Mdou Moctar com Afrique Victime (Deluxe Edition), são outros registros que rememoram produções passadas dos artistas, com releituras e faixas inéditas pontuais.
Ainda em fevereiro, vimos o retorno de Tears For Fears a partir do primeiro álbum da dupla em 17 anos. Como o título sugere, The Tipping Point reflete o ponto de virada que os dois integrantes – Curt Smith e Roland Orzabal – tiveram nos últimos tempos, e apresenta uma abordagem sonora diferente dos CDs clássicos do duo ao longo de suas 10 faixas. Muito da onda indie contemporânea se deve às canções de Tears For Fears dos anos 1980, cuja música Head Over Heels – do disco Songs From The Big Chair (1985) – integrou, inclusive, a trilha sonora do filme indie Donnie Darko (2001).
A volta do guitarrista John Frusciante foi marcada por Black Summer, single do novo álbum do Red Hot Chili Peppers, Unlimited Love. A faixa remete a fase de ouro dos Chili Peppers – Blood Sugar Sex Magik (1991), Californication (1999), By The Way (2002) e Stadium Arcadium (2006) –, e, invariavelmente, dá protagonismo a Frusciante, que liga a distorção da guitarra no refrão e evoca um certo tipo de nostalgia, com dedilhados marcantes e os típicos backing vocals que o consolidaram como membro histórico do quarteto.
Até Liam Gallagher lançou Everything’s Electric, co-escrita pelo próprio e Dave Grohl – que também toca bateria na gravação –, e é a primeira canção divulgada para o próximo álbum solo do ex-vocalista do Oasis, intitulado C’MON YOU KNOW. O single é uma mistura declarada de Sabotage, do Beastie Boys, e Gimme Shelter, dos Rolling Stones, e remete, também, a She’s Electric, do Oasis.
Entre os experimentos musicais e projetos audiovisuais, Animal Collective atinge o clímax polifônico que há tempos vem ensaiando com o álbum Time Skiffs, no qual aborda a estranha passagem do tempo, e, invariavelmente, deixa em evidência sua dívida com Kid A (2000), do Radiohead. Sendo esse o 11º álbum do quarteto estadunidense – em atividade desde 2000 –, os ecos expansivos e texturas melódicas não soam exatamente inovadores, mas desenvolvem-se com características que tem um melhor acabamento. Evocando a autoconsciência do grupo ao lançar o disco em um momento no qual todos estão cientes das turbulências do mundo contemporâneo, o trabalho é uma mistura perfeita entre o onírico e o real.
Apesar de todo o estrondo que Black Country, New Road vem causado no indie rock, Ants From Up There é apenas o segundo disco do septeto londrino – ou melhor, sexteto: no dia 31 de janeiro, em comunicado oficial nas redes sociais da banda, foi divulgada a saída do vocalista Isaac Wood, devido a questões de saúde mental. Black Country, New Road soa como o Arcade Fire de Funeral (2004), cujo novo disco parece sinalizar para a importância dos sentimentos em detrimento da técnica – todavia, a técnica é algo que o grupo também domina. Basta ouvir a canção Snow Globes, um épico expansivo de mais de 9 minutos que antecede o fim do álbum, e dá total autonomia para a bateria, tocada fora do tempo propositalmente como se fizesse parte de um exercício de jam session.
Encerrando as novidades do indie rock de fevereiro, Bastille cria uma experiência única com o quarto álbum de estúdio da banda, Give Me The Future. Seguindo o conceito de tecnologia e futurismo, a banda aposta na sonoridade sintética, e em letras que abordam o escapismo, uma suposta liberdade de uma nova vida e a linha que separa a realidade da ficção. A graça maior é o compilado de referências a obras da cultura pop e da ficção científica, como Thelma e Louise, Blade Runner, De Volta Para o Futuro, 1984 e elementos dos livros de Aldous Huxley. O trio londrino alt-J igualmente dá à luz a um universo cinematográfico no aberto The Dream. Já para os fãs de Rex Orange County, só resta aguardar pelo lançamento do álbum WHO CARES?, previsto para março. Enquanto isso, o single AMAZING serve de consolo para os fãs, seguindo a sonoridade e os temas característicos do artista, como insegurança e amor.
Como nem tudo são flores na indústria da Música, algumas situações delicadas sempre vêm à tona no noticiário cultural. Dessa forma, quem parecia estar na corda bamba, em Fevereiro, era ninguém menos que Snoop Dogg. Recentemente acusado de agressão sexual e apostando com muita convicção no sucesso de NFTs, a lenda do rap pode enfrentar, mais cedo ou mais tarde, um período no mínimo complicado em sua carreira. Mas isso não tem impedido o artista de dar continuidade à sua extensa discografia, levando em consideração que, após adquirir a notória gravadora Death Row Records, Dogg entregou ao mundo o disco Bacc On Death Row (BODR), reunindo um número considerável de colaborações ao longo de 18 faixas.
O veterano, aliás, também marcou presença em outro momento de destaque do mês. No dia 13, o tão aguardado Super Bowl Halftime Show ficou sob o comando de Dr. Dre, que dividiu o palco com amigos mais do que renomados do R&B e hip-hop norte-americanos. Entre Mary J. Blige, Kendrick Lamar, Eminem e uma participação surpresa de 50 Cent, é claro que não poderia faltar Snoop Dogg. Trazendo uma homenagem ao falecido, porém imortal 2Pac, o espetáculo contou ainda com uma tradução simultânea para a língua de sinais – que ficou a cargo dos rappers surdos Sean Forbes e Warren Snipe (WaWa) – e se encerrou com os 6 artistas no palco, cantando Still D.R.E..
Ainda no contexto de participações e parcerias, Nicki Minaj e Lil Baby chegaram em dose dupla com os singles Do We Have a Problem? e Bussin. Obtendo um destaque maior, a primeira canção foi quem anunciou o retorno de Onika – nome civil da cantora – ao universo musical, já que ela não trabalhava em produções inéditas desde o nascimento de seu filho; no entanto, as duas faixas são igualmente capazes de reaquecer a significativa carreira da diva do rap. Do mesmo modo, mas agora no Brasil, os rappers Emicida, Drik Barbosa e Matuê se juntaram na motivacional Sobe junto, música de divulgação de um reality show homônimo, cujo maior objetivo é descobrir novos talentos do rap nacional.
A propósito, música-tema foi o que não faltou nos últimos lançamentos. Para a abertura da novela Além da Ilusão, Gaby Amarantos gravou sua versão de Tic Tac do Meu Coração, samba notável principalmente na voz de Carmen Miranda, mas também já registrado por outros nomes importantes da Música brasileira, como Ney Matogrosso e Nara Leão. Da mesma trilha sonora televisiva é Você Vai Ver, regravação de um dos maiores clássicos do sertanejo, que substitui, com muito respeito, as vozes de Zezé Di Camargo & Luciano pela sintonia de Maiara e Maraísa. Já Ivete Sangalo foi pura energia na sonoridade viciante de MISTÉRIO, música feita para o programa The Masked Singer Brasil, que tem Veveta como apresentadora e atualmente está na segunda temporada.
Seguindo uma linha semelhante, Megan Thee Stallion resolveu promover os novos produtos da Cheetos em parceria com a Doritos através do single Flamin’ Hottie, enquanto Doja Cat caía no rock de Celebrity Skin – cover da música originalmente lançada pela banda estadunidense Hole, cuja letra foi levemente reformulada para integrar uma campanha da rede de fast food Taco Bell. Além de aparecerem no Super Bowl, essas duas jogadas de marketing formam o gancho perfeito para falarmos da icônica Valesca Popozuda. Isso porque a funkeira carioca é a nova garota propaganda da cerveja A Outra, o que a levou a fortalecer essa parceria por meio de um single que recebe o mesmo nome da bebida.
Igualmente em terras brasileiras, Marina Sena uniu-se ao grupo de produtores HITMAKER, assim como ao aplicativo Tinder, para lançar o single Foi Match. Com elementos do pop nacional, a música ainda trabalha com características do forró pizeiro, funk carioca e eletro funk. Já para quem gosta de games, a novidade vem de Nathy Peluso: em parceria com a PlayStation, a artista lançou o single EMERGENCIA, que é inspirado na personagem principal de Horizon Forbidden West – um dos maiores projetos da empresa para 2022 – e faz várias referências ao pop consagrado de Madonna.
Outras telinhas, aliás, também renderam bons frutos. Encerrando os singles colaborativos derivados da série documental Onda Boa com Ivete, Ivete Sangalo mergulhou no romantismo cativante de Tudo Vai Dar Certo, colaboração com a talentosa e estreante Agnes Nunes, aventurando-se também pelo reggae de Salve Baby – música que resgata o sucesso Vamos Fugir, de Gilberto Gil, e oficializa uma nova parceria com a diva suprema IZA. No fim do mês, as duas faixas integraram o repertório do álbum homônimo, Onda Boa Com Ivete, sendo os mais novos destaques desse projeto musical que, de material inédito, guardava ainda uma canção com o cantor Mestrinho, além de três músicas solo.
Por falar em convidados especiais, Gloria Groove conseguiu agrupar de Marina Sena à dupla Tasha & Tracie em um dos discos mais aguardados da atualidade: o LADY LESTE. Sendo o segundo álbum de estúdio da drag queen brasileira, essa obra pode até pecar na coesão narrativa, mas representa o melhor dos muitos mundos desbravados por Gloria nos últimos anos. Reunindo ritmos, influências, músicas-chiclete e uma poderosa aura de vibração, LADY LESTE ainda combina com a vitalidade de outras divas brasileiras. Nesse contexto, e provando que rainhas também utilizam redes sociais, Valesca Popozuda invadiu de vez o TikTok no envolvente single Calma Calma, uma parceria inteligente firmada com o DJ 2F.
No mesmo cenário, Lia Clark conseguiu retomar aquele jeito único de fazer funk em LIA (pt.1), primeira parte de seu próximo álbum de estúdio. Formado por sete faixas, o novo EP de Lia parece resgatar Clark Boom, trabalho de estreia da drag queen nacional, ao mesmo tempo em que soa como algo totalmente novo. Já Luísa Sonza e Ludmilla fechavam o DOCE 22 com CAFÉ DA MANHÃ ;P, última faixa inédita do álbum – que poderia obter maiores impactos caso pertencesse ao projeto desde o princípio. Lud, vale lembrar, botou a voz para jogo mais de uma vez no mês: em Fora de Si – Spotify Singles, a cantora elaborou a versão trap de uma faixa originalmente lançada no álbum Numanice #2.
No entanto, nem todo artista brasileiro acumulou acertos durante os 28 dias de Fevereiro. Claudia Leitte, por exemplo, chegou com De Passagem, single que chama mais atenção por sua capa futurista do que pela música em si. Já PEDRO SAMPAIO buscou não se definir em apenas um gênero musical, reunindo beats de funk, piseiro, forró e até mesmo reggaeton no álbum de estreia CHAMA MEU NOME. Além de copiar descaradamente identidades visuais gringas, PEDRO se manteve preso aos piores modelos possíveis de músicas estilo TikTok, o que o afasta da pluralidade que, de fato, ele acredita promover.
Aproveitando a menção ao reggaeton, quem também deu as caras nos lançamentos do mês foi J Balvin. Depois de lançar José, seu projeto mais recente e muito bem-sucedido de 2021, o artista colombiano assumiu uma identidade introspectiva e reflexiva em relação à própria história e carreira, dando origem ao single Niño Soñador. Além dele, quem também mergulhou em si mesma foi Mary J. Blige, anteriormente citada neste texto graças ao Super Bowl. Com seu 14º álbum de estúdio, Good Morning Gorgeous, a rainha do R&B aborda o outro lado do divórcio pelo qual passou em 2017 – e que já tinha sido retratado, sob uma perspectiva diferente, no álbum Strength Of A Woman.
Ainda na linha introvertida, Little Simz realizou uma performance emocionante no BRIT Awards 2022. Feita a partir de um medley das canções Introvert e Woman, o show também contou com uma transição surpresa estrelada – e narrada – por Emma Corrin, atriz que interpretou Lady Di em The Crown, cuja voz também foi emprestada para os interlúdios do álbum Sometimes I Might Be Introvert, de 2021. Na premiação, Simz foi agraciada com a estatueta na categoria Best New Artist.
Falando em premiações, a indicada a Melhor Artista Revelação no Grammy 2020, Maggie Rogers, não desenvolveu nenhum álbum completo desde então, quando foi reconhecida por Heard It In A Past Life. Dessa maneira, a cantora segue remexendo seus baús, agora através da Mixtape 001: Dawn (EP). Dando continuidade ao folk com uma ponta de pop que a colocou sob os holofotes musicais do mundo, Rogers inicia um projeto que pode desembocar em seu novo disco, previsto para ser lançado ainda em 2022.
No country, por sua vez, o ícone queer Orville Peck chegou com o EP Bronco: Chapter 1, a primeira parte do disco Bronco, que deve ser disponibilizado na íntegra durante o mês de Abril. Já no Brasil, as surpresas campestres também garantiam um bom espaço. Dirigido por Sillas H, o mundo de AGROPOC retornou na forma do clipe de Bailão, com Gabeu dançando até cansar em um look vermelho e brilhante. A canção, que já era envolvente antes de receber um aparato visual, aumentou seu remelexo e implora para ser ouvida em uma festa com muita gente ao redor.
Dentro da comunidade LGBTQIA+, ainda podemos destacar Ivy Sole, com o lançamento do álbum Candid. Criade conforme as tradições cristãs do Sul da Filadélfia e identificando-se como pessoa queer e não-binárie, Ivy desenvolveu, nesse disco, uma narrativa que explora a autodescoberta, os estágios iniciais de um relacionamento, os singelos momentos de afeto e uma ânsia que nunca se realiza. Em contrapartida, se estamos falando de paixão, precisamos mencionar o queridinho fenômeno pop brasileiro Jão, que fez várias referências a filmes como Titanic, Homem-Aranha e O Segredo de Brokeback Mountain no clipe de Idiota, terceiro – e bem-sucedido – single do álbum PIRATA.
Aliás, o Brasil resolveu renovar seu extenso acervo musical por meio de algumas reformulações. Ampliando um disco de remixes lançado originalmente em 2011, o ex-mutante Arnaldo Baptista surgiu com a coletânea To Burn or Not to Burn – Arnaldo Baptista Remixed by Petrified Betools – 2011-2022, enquanto IZA, com Sem Filtro (Remix), inovava o memorável single de 2021, que passa a contar agora com a voz do rapper Luccas Carlos – um dos compositores da canção. Na mesma tendência, Anitta se juntou a Justin Quiles em Envolver Remix, música que, por enquanto, não fez tanto sucesso quanto a versão original.
De forma semelhante, mas no exterior, o findado duo de Música eletrônica Daft Punk lançou o EP Homework (25th Anniversary Edition), em comemoração aos 25 anos do álbum de estreia da dupla. O relançamento reúne 15 remixes do disco original, incluindo 9 faixas inéditas. Sob o mesmo clima festivo, a lenda do jazz, R&B e soul, Nina Simone, foi homenageada com uma coletânea de sucessos, versões ao vivo e remixes, intitulada Feeling Good: Her Greatest Hits And Remixes.
Se, de um lado, vários lançamentos vieram de artistas certamente consagrados no mundo da Música, do outro, alguns nomes emergentes esbanjaram criatividade nos primeiros passos de uma discografia. A família de Gilberto Gil, por exemplo, provavelmente esteve em festa. Já no segundo dia do mês, o trio Gilsons – formado por um filho e dois netos da lenda viva da MPB – lançou o álbum de estreia Pra Gente Acordar, marcado por uma suavidade que percorre toda sua – breve, porém muito bela – tracklist.
No rap, essa realidade está inserida em DFTK, álbum de estreia do jovem Yung Kayo, protegido de Young Thug, que versa sobre ostentação de marcas poderosas e os locais que ele frequenta. Mateus Carrilho, por sua vez, abriu as portas para um vindouro álbum de estreia solo com o lançamento de FAZ FUMAÇA, single que nasceu turbulento, embora felizmente acompanhado de um videoclipe muito bonito e repleto de coreografia. Assim como ele, há outros artistas que estão no meio termo entre a efetiva consagração artística e a constante ascensão profissional.
Podemos começar falando de Rodrigo Alarcon, que depois de lançar a faixa Rivotril e a Fé, deu agora os próximos passos rumo a um novo disco de estúdio. A aposta do momento é o single Garota da Linha Azul, que faz uma homenagem explícita à cidade de São Paulo. Mais focado na MPB, e dando continuidade à trajetória do ainda inédito álbum Querubim, Madu lançou a música Chã das Caldeiras, com violão e arranjos assinados por Jean Charnaux. Por fim, quem também não para de crescer é a pernambucana DUDA BEAT, que, enquanto viajava com a turnê de Te Amo Lá Fora, quis lançar um novo single, Dar Uma Deitchada, às vésperas do carnaval. Ela chama a música de uma “brincadeira de verão” e explora um teor mais sensual, que promete ser trabalhado no seu futuro videoclipe.
Como é possível perceber, o universo artístico feminino esteve a todo vapor durante mais um mês. Sendo parte dessa realidade, e tendo o objetivo de contar histórias reais de mulheres, para refletir sobre temas que cercam as experiências femininas, Jazmine Sullivan se aprofundou no conceito de Heaux Tales, Mo’ Tales: The Deluxe, uma versão que acrescenta 10 faixas ao disco original Heaux Tales – entre transições, formadas a partir de registros de conversas com amigas, que ela chama de “contos”, e as canções propriamente ditas. Enquanto isso, para estrear as músicas de Natureza, álbum gravado há 45 anos, mas ainda hoje inédito, Joyce Moreno disponibilizou a versão original da faixa Feminina, que se desenvolve em mais de 11 minutos.
Também em solo nacional, a cantora Amelinha, importante nome da Música Popular Brasileira, divulgou o belíssimo trabalho Todo Mundo Vai Saber. Gravado há cerca de dez anos, o novo disco da integrante do movimento Pessoal do Ceará reúne um material inédito e foi lançado pela notável gravadora Deck. Na sequência, e depois de um intervalo de nove anos, Simone resolveu retornar ao mercado fonográfico brasileiro com a faixa Haja Terapia – a sucessora do álbum É Melhor Ser. Já Maria Alcina, em parceria com Heitor D’Alincourt, agitou a folia de carnaval com O Rei Mandou e Extravagantes Celestes, singles marcados por bastante liberdade e alegria. As duas faixas, aliás, inauguram o período de comemoração aos 50 anos de carreira dessa artista incomparável.
Por falar nas festas de Fevereiro, uma das melhores surpresas nacionais do mês foi motivada principalmente por esse período regado a confetes e serpentinas. Afinal, no EP SIM.ZÁS, Carlinhos Brown buscou novos ares para algumas de suas composições já conhecidas, mesclando, com talento único, carnaval e MPB. Já em comemoração aos vindouros 80 anos de Caetano Veloso, o projeto infantil Mundo Bita divulgou sua primeira colaboração com o artista baiano. Por meio de uma releitura do sucesso O Leãozinho, Caê transformou-se em ousada e fofa personagem de animação do clipe divulgado pela Rádio Bita.
Curiosamente, a infância foi também objeto de estudo de trabalhos voltados para um público não infantil. De fato, estamos falando do rapper estadunidense Saba, que deu sequência ao disco CARE FOR ME, de 2018, desta vez explorando o próprio sucesso através de uma lente ainda consciente. Regressando com Few Good Things, o lirismo do artista de Chicago contrapõe, agora, a prosperidade de sua vida adulta com a pobreza de sua infância, marcada por violência e fome. Ao longo do terceiro álbum da carreira, que veio acompanhado de um curta-metragem, Saba se aproveitou de melodias despojadas, mas simultaneamente polidas, às vezes com reminiscências da bossa nova, jazz e neo-soul.
Para finalizar esta edição do Nota Musical, os holofotes se voltam mais uma vez para nosso país. Regravando canções do passado, Erasmo Carlos construiu O Futuro Pertence À…Jovem Guarda, um disco em constante diálogo com sons da atualidade – o que não deve preocupar, no entanto, o público mais conservador, visto que não há ‘radicalismos’ no projeto. Escolhidos como nossa chave de ouro, e resgatando as facetas mais populares da Música brasileira, Márcia Tauil e Carlos Jansen apresentaram a divertida parceria Xote Chamegado, single que é pura delicadeza do início ao fim. Ufa! Haja fôlego para ouvir tantos lançamentos!
Texto: Ayra Mori e Eduardo Rota Hilário
Pesquisa e Pauta: Ana Júlia Trevisan, Bruno Andrade, Raquel Dutra, Vitor Evangelista e Vitória Lopes Gomez