Ludmila Henrique
Ser um herói configura em deixar sua marca por onde passa, seja isso algo bom ou ruim. Agir em defesa da vida de uma sociedade tem seu peso e nem sempre pode sair da maneira em que foi planejado, ainda mais quando o destino do defensor não está alinhado com fazer o bem. Indicado pela primeira vez ao Emmy, na categoria de Melhor Dublagem de Personagem, Invencível renasce das ruínas e apresenta um roteiro maduro em comparação à temporada anterior, explorando as conexões emocionais de seus personagens.
Na última edição de Invencível, foi revelada a verdadeira história do planeta Viltrum e o plano dos Viltrumitas de se tornarem o único império da galáxia, assim, eliminando as espécies consideradas mais fracas e dominando os outros universos. Nolan Grayson (J.K. Simmons), vilão disfarçado do super-herói Omni-Man, foi instruído a enfraquecer a Terra. No entanto, ele adiou o processo de destruição do planeta, até o momento em que Mark Grayson (Steven Yeun), seu filho, desenvolvesse seus próprios poderes e se unisse a ele na causa Viltrumita. Isso não aconteceu, é claro, mas foi o estopim para um dos embates mais emocionantes entre super-heróis em animação dos últimos anos.
Semanas separam o momento atual da batalha sangrenta entre Invencível e Omni-Man. A narrativa inicial mergulha no trauma que sempre aparece na trajetória de um herói após um acontecimento doloroso, principalmente quando esse está passando pela adolescência, uma fase que, por si só, já é bem traumática. Ser um jovem com poderes não é uma novidade nos quadrinhos, o Peter Parker de Stan Lee fez isso anos antes, todavia, quando parte de sua jornada está ligada ao fato de que seu próprio pai, uma pessoa que você admirava, tentou arruinar a sua vida e de outras pessoas – e, por pouco, quase conseguiu fazer isso –, o sofrimento e a carga emocional recebem um peso ainda maior.
Robert Kirkman, produtor executivo, showrunner e co-criador de Invincible (no original), ao lado de Simon Racioppa, optaram por projetar essa comoção em vários ápices de melodrama. A tristeza é manifestada através da Música e na maneira de agir dos indivíduos. Os sentimentos dos personagens estão em tela, sem que haja a necessidade de proferir diálogos para compreender a situação, bastando mostrar as circunstâncias aos telespectadores. Isso fica perceptível nas cenas em que Mark salva moradores da cidade, quase de maneira automática, para provar aos outros – e também para ele mesmo – que é diferente do pai.
Em contrapartida aos momentos de drama, as batalhas, assim como na temporada anterior, continuam sendo explícitas, monstruosas e viscerais. Por outro lado, uma mudança sutil está no enfoque das consequências desses conflitos, na destruição que afeta uma civilização e no tempo que demora para ela se reerguer. A ameaça Viltrumita também teve suas transformações, antes, o poder desse império era associado à imagem do Omni-Man, ele sendo o principal nome que carrega essa soberania. Nessa nova fase, ela foi inserida através de outros elementos, contemplando a verdadeira dimensão e representação como uma sociedade extremamente dominadora.
A passagem de Mark pelo planeta Thraxan também foi importante em várias camadas. Sendo uma nação de vida curta em comparação aos seres humanos, eles levam um estilo de vida sem arrependimentos, uma filosofia que motivou o protagonista a seguir com o seu propósito. Se ele está determinado a fazer o bem para o mundo, também precisa avançar com suas emoções, não podendo permanecer no mesmo estado de trauma por muito mais tempo. No entanto, a aparição de um novo antagonista, que reflete todos os seus medos, pode afetar novamente essas oportunidades de avanço.
Angstrom Levy (Sterling K. Brown) não é um dos adversários mais fortes enfrentados por Invencível, mas é o único que consegue atingir o estado emocional de Mark. Levy tem a capacidade de abrir portais para o multiverso e, antes de se tornar vilão, era preocupado com o bem-estar da humanidade, almejando uma utopia harmônica para todo mundo. Porém, para conseguir realizar este feito, ele planejava coligir a memória de todas as suas versões em um único corpo, para garantir um controle maior de seus poderes. O problema desse plano é que em todas as realidades alternativas, Mark e Omni-Man se uniram para destruir a Terra, ou seja, todos os seus clones presenciaram cenas traumáticas causadas pelo herói. No instante em que ocorre a transferência de memória, Angstrom também recebe esse abalo e passa a vê-lo como vilão.
Esnobado na categoria de Melhor Série Animada no Emmy 2024, a animação recebeu sua primeira e única indicação com Melhor Dublagem de Personagem, pelo desempenho do ator Sterling K. Brown como o vilão Angstrom Levy. Brown ganhou destaque na Televisão pelo papel de Randall Pearson na série This Is Us (NBC), quando ganhou a estatueta de Melhor Ator em Drama na premiação de 2017. Neste ano, o prêmio foi recebido pela atriz Maya Rudolph, intérprete de Connie, a Monstra Hormonal no sitcom da Netflix, Big Mouth.
Além da trama principal, a série foca diversas vezes no enredo de personagens secundários que, apesar de serem importantes para a narrativa do protagonista, não são tão interessantes para cativar o público. Isso deixa a animação em um ritmo mais lento e, em certos momentos, um pouco entediante, até porque nenhuma das histórias é igualmente envolvente como o arco de Mark. A jornada de Eve Atômica (Gillian Jacobs) talvez seja a mais importante depois de Grayson, ela carrega outro sentimento de culpa dos super heróis, como a preocupação de seus poderes serem perigosos, ocasionando danos na vida das pessoas sem conseguir reverter o estrago.
Invencível não teve um final memorável como na primeira temporada, mas deixou um ponto de interrogação sobre os planos futuros da animação. Ainda não existe uma certeza absoluta na quantidade de bem ou mal – ou responsabilidade e culpa – presente no interior de Mark e Nolan Grayson, porém esses sentimentos estão lá. É um clichê dos quadrinhos, apesar disso, essa narrativa se repete porque continua sendo muito boa. Por agora, é questão de tempo até descobrir se esses personagens vão morrer como verdadeiros heróis ou viver o bastante para se tornarem o vilão de suas próprias histórias.