Amábile Zioli
Como superar o insuperável? É uma questão que Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson levaram muito a sério ao dirigirem Através do Aranhaverso. Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) aumentou os padrões de produção no mundo dos heróis e estabeleceu metas inalcançáveis para sua sequência, que chegaria aos cinemas apenas em Junho de 2023.
O segundo filme da confirmada trilogia segue Miles Morales e Gwen Stacy na contínua busca e descoberta do multiverso, cada vez mais amplo e, paradoxalmente, desconhecido. Nessa jornada, a história dos protagonistas recebe mais aprofundamento e, mesmo com mais de 280 Homens-Aranhas no universo cinematográfico, o foco no desenvolvimento de cada personagem não foi deixado de lado.
A trinca de diretores conseguiu um dos maiores feitos da indústria audiovisual: fazer com que a continuação seja melhor do que seu antecessor. Com uma animação tão complexa e mais fiel aos quadrinhos do que nunca, a obra te deixa imerso em sua vastidão de cores e formas. Cada cena possui uma paleta diferente, cada universo tem um tom específico e todo personagem tem um contorno que o diferencia de todas as outras centenas de pessoas-aranhas.
Nisso, Gwen Stacy se destaca. Sua Terra, 65, é tomada pelos tons pastéis e frios, imergida em um visual melancólico e sensível, o que combina perfeitamente com o momento que a Mulher-Aranha vive. Entre segredos, solidão e culpa pelos acontecimentos canônicos de ser uma aranha, a jovem ainda precisa lidar com a falta de seu melhor amigo, que está há muitos universos de distância.
O roteiro, elaborado pelo mesmo trio responsável por Homem-Aranha no Aranhaverso, Phil Lord, Christopher Miller e Dave Callaham, também não deixa a desejar, e muito se deve ao novo vilão apresentado. Mancha é um dos vários destaques da trama: após o primeiro ato do filme, ele deixa de ser o “vilãozinho da vez” ao se tornar um ser ultradimensional, sem quebrar o repertório de vilões fantásticos já derrotados em trilogias anteriores.
Miguel O’Hara, o Homem-Aranha 2099, também soube transmitir medo e tensão em cada aparição na tela de cinema. O teioso foi um dos pontos altos da película, que, juntamente com um visual único e uma trilha sonora original e característica, consagrou-se como o vilão coadjuvante, mas muito memorável.
Quando dito que Homem-Aranha: Através do Aranhaverso dá um salto de quase um universo de distância de seu antecessor, é impossível não responsabilizar as composições incomparáveis de Daniel Pemberton. O que já era um ponto de destaque no primeiro longa, Metro Boomin ajudou para que ficasse ainda melhor: cada melodia se mostrou perfeitamente pensada para todo acontecimento. A capacidade de encaixar o som com o movimento e a animação surreal tornou a experiência minuciosamente cativante para qualquer um que estivesse assistindo.
Indo contra o comum pensamento de que animações são produtos voltados apenas ao público infantil, Através do Aranhaverso traz, em um ambiente acolhedor e familiar, a confirmação de que o filme animado tem tanto potencial quanto qualquer live-action. É claro que o desenho ímpar do longa é seu diferencial: sem a possibilidade de brincar com as cores e tons, expressões faciais e corporais, e estilizações de design, grande parte de seu valor excepcional seria perdido em atuações simplórias e em uma fotografia mediana.
Essa perda de valor tem sido observada com frequência no Cinema norte-americano. A onda de live-actions incentivada pela Disney fez com que diversos clássicos perdessem suas particularidades ao serem trazidos para o mundo real. É o caso de Rei Leão, que, com uma computação gráfica fraca, não sustenta o mesmo apelo emocional proporcionado pelo original de 1994, vivo em cores e emoções.
Através do Aranhaverso não se preocupa em não emocionar, afinal, só a narrativa de Miles em busca de mudar a trajetória canônica de sua vida já é o suficiente para encontrar empatia em qualquer espectador. A comoção é levada até o último minuto, quando, ao usar a ferramenta de cliffhanger explorada em Guerra Infinita, deixa até o mais desinteressado com o sentimento de quero mais.
O lançamento de Homem-Aranha: Além do Aranhaverso, terceiro e último filme da trilogia, estava previsto para Março de 2024, mas foi adiado por tempo indeterminado por conta da greve dos roteiristas, que, apesar de já ter acabado, afetou o início das produções. A excepcionalidade do desenvolvimento da saga do Aranhaverso nos leva a acreditar que seu fechamento não decepcionará: personagens bem explorados, uma narrativa envolvente e a animação característica transformam a história em um produto único.