Vitória Silva
Post Malone é um hitmaker de mão cheia. Essa máxima vem sendo comprovada desde 2016, com o lançamento do seu primeiro disco, o Stoney, quando emplacou a faixa Congratulations no topo das paradas. Em 2018, o sucesso se manteve com Better Now e rockstar, que permanecem em alta até hoje, dando a sensação de terem surgido apenas a dias atrás.
Ao mesmo passo que Austin Richard Post (nome de batismo do cantor) produzia grandes hits, também revelava letras sem muita profundidade ou diferencial para o meio. Mulheres, festas, drogas, bebidas e luxos da fama, una esses tópicos a batidas dançantes de trap e você tem quase a discografia completa do nova iorquino. E, para quem esperava ouvir apenas mais do mesmo, Hollywood’s Bleeding chega a ser surpreendente.
A afinidade de Post com o rock’n’roll não é nada inédita, visto a sua adoração ao Nirvana e as vezes que até se arriscou na guitarra em performances com gigantes como Red Hot Chilli Peppers e Aerosmith. Em beerbongs & bentleys, disco antecessor de HB, ele já tinha mostrado um pouco disso na faixa Over Now, que traz uma sonoridade diferenciada e conta com Tommy Lee, do Mötley Crüe, na bateria. Agora, o cantor decide abraçar de vez esse relacionamento com o gênero.
Para perceber basta ouvir Take What You Want, parceria com Travis Scott e Ozzy Osbourne, um combo tão inusitado quanto a junção de Lil Nas X com Billy Ray Cyrus na famosa Old Town Road. Entre solos de guitarra e vocais mais afiados, Malone sai de sua zona de conforto e se dedica a explorar outros caminhos. Uma atitude não muito inesperada para alguém que já se acostumou a mesclar diversos estilos musicais em seus álbuns passados.
O resultado dessa nova aventura é um casamento perfeito entre pop, rap e rock, com a vibração da bateria em sintonia com sintetizadores. Algo muito semelhante ao que o Twenty One Pilots já tirou de letra em trabalhos como Trench. Hollywood’s Bleeding pode não ser tão original para o mundo da música mas, no universo particular de Malone, é uma novidade e tanto.
E essa tendência de mudança também segue para as letras. A razoabilidade das composições de Post dá espaço para críticas certeiras em relação à própria indústria musical. A faixa-título do álbum é o maior exemplo disso, ao fazer menção a uma Hollywood que está sangrando e destruindo todos os artistas que abriga. O cantor também aponta as consequências e feridas do estrelato: “Parece que morrer jovem é uma honra. Mas quem estará no velório? Eu me pergunto”. Seu criticismo caminha até para o ambiente virtual, na faixa Internet, produzida por Kanye West, que é quase um monólogo com fundo orquestral comentando sobre o uso abusivo das mídias sociais.
Em beerbongs, já tínhamos conseguido ver um lado mais melancólico de Malone, na faixa totalmente intimista Stay e nas lamentações de Rich & Sad. Agora, o Chorão estadunidense diminui o sofrimento e se mostra com uma olhar mais sério para seus relacionamentos. Essa visão é apresentada em Enemies, parceria com o rapper DaBaby: “Costumava ter amigos, agora tenho inimigos. Costumava mantê-los perto, agora eles morreram pra mim. O dinheiro consegue mostrar todas as tendências”. É como se o Post de Stoney, que só sabia falar sobre o lado bom da fama, tivesse passado a enxergar a realidade por trás do show business.
A nova face do artista transparece na própria capa de Hollywood’s Bleeding. O amarelo e laranja de seus álbuns anteriores é substituído pelas cores azul e preto, que refletem sua amargura e rancor, com o cantor virado de costas ao lado de uma espada. Essa sua figura cavaleiresca é escancarada no clipe de Circles, em que ele é um paladino que tenta resgatar sua donzela, em paralelo com a letra sobre um relacionamento que luta para ser salvo.
A aposta do nova iorquino por seguir caminhos diferentes na música não o impediu de criar os hits contagiantes de sempre. Allergic une o melhor dos dois mundos, ao misturar uma batida pop suave com um estilo punk rock. E suas raízes no trap e hip-hop, que poderiam ter sido deixadas mais de lado dessa vez, são trazidas à tona em faixas como as vibrantes Saint-Tropez e Goodbyes, parceria com o rapper Young Thug.
As frustrações de Post dominam o novo disco, mas trazem um olhar mais maduro, de alguém confiante e que busca enfrentar seus problemas, assim como um cavaleiro derrota seus inimigos. Ele encerra sua trajetória pelas faixas de forma otimista e celebrando a vida em Wow., como estamos tão acostumados a ver. Não só a sua mudança na postura mas também no estilo musical acertaram em cheio, tanto que o cantor recebeu três indicações para o Grammy 2021: Álbum do Ano, e Canção e Gravação para Circles. E a conhecida Sunflower, música tema de Homem-Aranha no Aranhaverso, já tinha sido indicada no Grammy 2020, em Melhor Performance de Duo/Grupo Pop e também em Gravação do Ano.
Hollywood’s Bleeding é o início de uma nova jornada para Post Malone, onde ele explora o que de mais interessante um artista poderia fazer: se reinventar por outros gêneros. Ampliar os horizontes para além do rap foi, sem dúvidas, a escolha mais sábia de sua carreira. Agora, Austin finalmente se apresenta como o rockstar que ele clamou ser anos atrás.