Marina Iwashita Canelas
Imagine a sua adolescência, todos os mil sentimentos juntos e bagunçados, desde ‘Será que eu sou bonito?’ ou ‘Será que ela gosta de mim?’, até os comentários e palpites sobre aquela pessoa que está ‘ficando’ com quem você gosta. O início da vida adulta, junto ao amadurecimento e as descobertas sobre si mesmo, não são períodos fáceis. É nessa fase que muitas pessoas passam a experimentar coisas novas, como alguma aventura com amigos ou ser rebelde em casa. Para Leonardo (Ghilherme Lobo) – protagonista do premiado curta-metragem Eu Não Quero Voltar Sozinho, que, com seus infames 17 minutos de duração, encantou muita gente –, essa realidade nunca foi fácil.
Léo é um adolescente cego que descobre a sua sexualidade com a chegada de um novo aluno no colégio. Quatro anos depois, em 2014, o longa-metragem Hoje Eu Quero Voltar Sozinho foi lançado ao mundo por Daniel Ribeiro, diretor de ambas as obras. Sem perder a leveza da primeira obra, o filme pôde aumentar sua riqueza de detalhes, dando mais foco às personagens e suas particularidades. Ribeiro traz mais discussões referentes ao dia a dia do personagem para a trama, tornando-a muito mais do que apenas um filme com temática LGBTQIA+.
Podemos conhecer melhor o protagonista à medida que entendemos a sua rotina e como a criação que tem o sufoca. Sua mãe, superprotetora, muitas vezes impede Léo de viver coisas normais de um adolescente. Giovana (Tess Amorim) é a sua melhor amiga desde a infância, e Amorim consegue dar voz ao papel da sua personagem de forma muito clara e fluida. Por vezes ficamos estressados com ela por ter a mesma ideia de que a deficiência visual, de alguma forma, define-o.
Isso, porém, muda com a chegada de Gabriel, interpretado por Fabio Audi, um aluno novo de outra cidade e que, por estar alheio à bolha, desperta mais a curiosidade do garoto, além de apoiá-lo em decisões que o mesmo gostaria de tomar. Audi consegue trazer para o seu papel uma alma viva, ele interpreta um jovem livre e cheio de desejos, que conhece bem a si mesmo e também deseja que o protagonista se conheça mais.
A relação dos personagens é construída aos poucos, sendo possível acompanhar os melhores amigos se afastarem por ciúmes, devido a sensação de liberdade que Léo tem com Gabriel. Nesse período, é possível observar alguém, que não tinha contato algum com pessoas com deficiência visual, sendo a chave principal para dar mais confiança ao protagonista e entendê-lo como apenas um garoto querendo viver a vida de um jovem.
Pensando nisso, em alguns momentos, podemos ver a Fotografia de Pierre de Kerchove voltada para a perspectiva do Léo, ou seja, muito sensorial. Temos cenas desfocadas com apenas o barulho de conversas e risos, momentos de liberdade e tensão, além de momentos íntimos, à exemplo, os beijos no vidro do box. No quesito tensão, com o decorrer da narrativa, vemos o quão difícil é para o protagonista viver os múltiplos aspectos de seu cotidiano.
Para além da sua família e amiga mais próxima, têm os meninos da sala que fazem bullying com ele, tirando sarro e planejando algo sacana. Essas infames brincadeiras são muito mais voltadas à cegueira do protagonista do que ao fato dele estar se descobrindo sexualmente. O longa traz consigo uma visão muito leve e delicada sobre a vida, mas principalmente sobre o amor, então, por mais que fiquemos com raiva das falas e gestos errados, isso não pesa na narrativa.
É incrível como o filme consegue criar um cenário de cotidiano muito forte. Acompanhamos toda rotina do Léo, sabemos da dinâmica da casa dele, as suas frustrações e algo interessante é a naturalidade com que a personagem trata a sua cegueira com Gabriel. Apesar de o recém chegado na escola, às vezes, fazer comentários indesejados como “já viu aquele vídeo famoso?“, o protagonista ainda assim se sente confortável perto dele, por vezes, o ‘zomba’, mas existe a vontade de ter experiências novas junto a ele, como ir ao cinema, sair de casa no meio da madrugada sem avisar ou andar de bicicleta.
A criação desse cenário de intimidade que temos com as personagens se dá também pelos seus estilos musicais, que compõem a trilha sonora (Arthur Decloedt). Para diferenciar quem está ligando, o celular do protagonista conta com um toque diferente para cada pessoa. A única semelhança entre todos é o estilo musical que ele consome: clássico. Fazendo um paralelo a isso, Gabriel chega na sua vida com There ‘s Too Much Love, de Belle and Sebastian. Chega a ser engraçado como ambos, por mais diferentes que sejam, se completam.
Enquanto Léo segue uma vida regrada, porém, cheia de desejos e vontades a serem realizadas, Gabriel é o tipo do adolescente ‘livre’, com pais tranquilos, e poderia ser considerado o ‘alternativo’ da turma, que vira DJ nas festas. O longa trata todas essas questões de uma forma muito leve e delicada. Percebemos, no final, que o amor sentido pelo casal é um misto de sentimentos; a mistura de algo novo, romântico, sensível e carregado de muito companheirismo.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é sobre como o amor não encontra barreiras para existir. Em momento algum precisamos ver para sentir ou saber que aquela pessoa é realmente a destinada para você. A obra não é tratada a partir da aceitação dos jovens no mundo LGBTQIA+, na verdade, ela retrata uma visão muito romântica e ingênua sobre esse aspecto, o que pode frustrar parte da audiência. Mas, ver a evolução da amizade das personagens, se imaginar no lugar do Léo e refletir sobre as questões trazidas na produção fazem dele um lindo filme de romance.