Gabriel Gatti
Foi durante uma noite tempestuosa que Harry Potter ouviu de Rúbeo Hagrid a frase: “Você é um bruxo, Harry”. A cena marcante do filme Harry Potter e a Pedra Filosofal, lançado há 20 anos, abriu espaço para uma saga de oito longas registrando a história do bruxo órfão que luta contra o vil Lorde Voldemort. Como protagonista da trama, o jovem foi muito bem caracterizado de acordo com as descrições apresentadas por J. K. Rowling no livro homônimo de 1997 que baseou o filme, como um garoto de 11 anos, magro, de cabelos pretos, olhos claros, óculos redondos e uma misteriosa cicatriz em formato de raio na testa.
Harry Potter e a Pedra Filosofal foi a primeira narrativa da autora e, logo, se tornou um grande fenômeno da Literatura. Por se tornar um best-seller muito rapidamente, não tardou para que a obra ganhasse uma adaptação para as telonas. O filme, produzido pela Warner Bros., estreou no ano de 2001 e consagrou Rowling como a criadora de uma das narrativas mais marcantes da atualidade.
A trama inicial se localiza na Rua dos Alfeneiros, Número 4, uma residência de trouxas, onde Harry Potter (Daniel Radcliffe) vive no armário debaixo da escada da casa de seus tios Dursley, que têm muito orgulho de serem perfeitamente normais. Essa realidade pavorosa vira de cabeça para baixo assim que o jovem recebe o convite do Guardião das Chaves, Rúbeo Hagrid (Robbie Coltrane), para ir estudar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
Mesmo confuso com a nova realidade, Harry encara o desafio de aprimorar suas habilidades mágicas. Ao chegar na escola, o bruxo conhece Hermione Granger (Emma Watson) e Rony Weasley (Rupert Grint), que logo se tornam seus amigos. Em pouco tempo, o jovem descobre sobre o assassinato de seus pais (James e Lilian Potter, vividos por Adrian Rawlins e Geraldine Somerville), cometido por Lorde Voldemort, e sobre a Pedra Filosofal, objeto desejado pelo vilão da trama para recuperar suas forças e, assim, poder matar Harry Potter. O desenrolar desta narrativa segue de forma eletrizante, seguido de um plot twist totalmente inusitado que torna o longa tão memorável.
A adaptação para o Cinema do já aclamado livro de J. K. Rowling, comandada por Chris Columbus, não decepcionou. O diretor foi fiel à obra literária para agradar os fãs e, com isso, conseguiu cativar o mundo inteiro para acompanhar a jornada fantástica de Harry Potter. Outro destaque positivo é a escolha e a caracterização dos atores, que parecem terem sido extraídos diretamente da mente de Rowling. Além disso, a trama segue um ritmo bom para acompanhar a história do jovem bruxo, com uma duração pertinente para os desdobramentos da narrativa.
O encanto do longa se estende a direção de arte, sob comando de Stuart Craig. Com um orçamento farto de 125 milhões de dólares, o céu era o limite para a construção do mundo mágico de Harry Potter. Tudo isso era acentuado pela trilha sonora impecável do famoso compositor John Williams. Os arranjos instrumentais traziam a dramaticidade e o tom epidítico necessários para as aventuras do jovem órfão em seu primeiro ano em Hogwarts. Nesse processo de criação, o único ponto negativo vai para os efeitos visuais artificiais, destacados principalmente durante o jogo de Quadribol, o que é compreensível ao levar em conta os efeitos especiais de outros filmes lançados no mesmo período, como Matrix Reloaded, 007 – Um Novo Dia Para Morrer e Star Wars I – A Ameaça Fantasma.
Apesar de alguns pontos fracos, Harry Potter and the Philosopher’s Stone ou Harry Potter and the Sorcerer’s Stone, nos Estados Unidos, foi um sucesso avassalador, contagiando uma legião de fãs e dando visibilidade a J. K. Rowling, que se tornou uma das autoras mais lidas do mundo. O longa se tornou um dos maiores sucessos de bilheteria da época e, ainda, foi bem avaliado pela crítica especializada. Além disso, a película chegou a ser indicada ao Oscar 2002 nas categorias de Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora, mas acabou não levando nenhuma estatueta para casa.
O ponto mais assertivo de Harry Potter é a questão humana presente na história. A saga aborda diversas vezes o preconceito contra aqueles bruxos que não vinham de uma família de “sangue puro”. Segundo um estudo realizado no Reino Unido e na Itália e publicado no Journal of Applied Social Psychology, essa discriminação, mesmo que fantasiosa, influenciou para que os jovens leitores fossem mais empáticos com as minorias sociais. Apesar dessa influência positiva, Harry Potter é repleto de discursos vazios de respeito às diferenças, visto que a própria autora não põe em prática esses ensinamentos.
Há algum tempo, J. K. Rowling passou a postar comentários polêmicos no Twitter sobre as pessoas trans. Os pensamentos absurdos sobre essa minoria movimentou diversos fãs e atores dos filmes da saga Harry Potter contra as afirmações levianas da autora. Essas falas errôneas mudaram a forma de analisar as obras da autora, como Harry Potter e a Pedra Filosofal, por exemplo. Desse modo, apesar de toda a herança nostalgia trazida por meio do universo bruxo criado por Rowling, é importante não separar o autor da obra. Desse modo, após 20 anos, o que poderia ter envelhecido como uma peça fantástica, tornou-se uma narrativa oca.