Nathan Sampaio
Não há tempo mais mágico do que as férias escolares. Nesse período, podemos conhecer novas pessoas, formar amizades e laços duradouros, sejam com amigos ou familiares, aprender novas atividades e conhecer o mundo. Essa é, com certeza, a época mais agradável para uma criança. Gravity Falls, série que completa 10 anos em 2022, nos faz recordar com carinho das férias escolares no mesmo momento que adentra em uma grande investigação cativante.
Na trama, os irmãos Dipper (Jason Ritter) e Mabel (Kristen Schaal) vão passar as férias de verão numa cidade chamada Gravity Falls, local onde mora seu tio-avô Stanley (Alex Hirsch), um homem picareta que chefia a Cabana do Mistério, uma loja que lucra em cima das lendas locais. O que pode parecer entediante se torna muito mais interessante quando os irmãos encontram o diário perdido de um homem relatando que todos os mitos da região são reais e podem ser perigosos, e essa descoberta fará os protagonistas entrarem numa grande conspiração.
A premissa das férias escolares é muito utilizada em séries animadas, tanto que há exemplos como Phineas e Ferb e O Mundo de Greg que também usam desse ponto de partida. Porém, o diferencial de Gravity Falls é a gradativa expansão dos mistérios que rondam a cidade e os personagens. Essa trama começa simples, e aos poucos se torna tão complexa que é impossível o espectador não teorizar sobre o que está acontecendo em tela. Algo parecido ocorre com Hora de Aventura, que possui uma mitologia pós-apocalíptica, mas mascarada pela trama infantil.
O ponto mais divertido do desenho é que ele convida o espectador para participar da investigação, pois os segredos do diário vão sendo descobertos junto com Dipper e Mabel. No entanto, esse é apenas o terceiro diário, e há mais dois que estão perdidos. O próprio livro contém segredos, como linguagens antigas, runas, tinta que só aparece na luz negra, entre outros detalhes.
O interessante é que essa busca por respostas cativa aos poucos, e ao final ela se torna compensatória. A trama sobre os livros é muito complexa e envolve diversos personagens da cidade, além de ser uma ameaça gigantesca a todo o planeta. Logo, essa jornada, além de gostosa de acompanhar, é ameaçadora e perigosa, dando um peso muito maior às ações dos personagens.
Porém, não existe somente essa narrativa. Cada episódio tem seu próprio mistério e sua aventura, tornando cada momento de Gravity Falls algo gostoso de se ver. Em todo capítulo, o criador Alex Hirsch propõe situações inusitadas e que se relacionam com algum mito ou história do mundo real, criando situações malucas e criativas.
Algo genial que o desenho possui é que, além de seus mistérios durante a história, a própria animação carrega seus segredos. Todo episódio possui criptogramas, símbolos e palavras escondidas que remetem a algo da história ou fazem referência ao mundo real, e estão ali simplesmente para serem decifrados pelo público. Até mesmo a icônica abertura da animação apresenta alguns presságios do que acontecerá durante toda a série.
Como uma animação infantil, Gravity Falls possui muito humor, tão bem feito que pode facilmente arrancar gargalhadas de adultos e crianças ao mesmo tempo e na mesma medida. A intenção de Hirsch foi criar uma série animada que conquistasse todos os públicos, e por causa da infinidade de possibilidades que a animação carrega, é possível criar situações hilárias e inusitadas.
Muitas das loucuras e mistérios de Gravity Falls vem da sua influência: o seriado Twin Peaks, criado por David Lynch nos anos noventa. É possível ver essa referência em vários episódios, pois a equipe de animação recria diversos cenários e momentos da série precursora. Além disso, o nome dos protagonistas remetem ao título desse programa, afinal eles são os irmãos Pines, ou Twin Pines no original, e até mesmo Lynch foi chamado para dublar o vilão Bill Cipher, mas acabou recusando a proposta.
Grande parte do carisma da série animada vem de seus personagens, que conquistam o coração do público logo nas primeiras cenas. Dipper e Mabel são protagonistas incríveis, muito diferentes entre si, mas que se complementam perfeitamente, e o carinho que eles têm um pelo outro é palpável e lindo de se observar. Também é incrível que ambos crescem muito com o passar dos capítulos, e, ao final do seriado, são pessoas novas e que mudaram por causa dessas experiências.
Dipper é um menino estudioso e que adora quebra-cabeças, por isso os segredos do diário o intrigam tanto, porém, por mais que ele queira parecer maduro, ele ainda precisa lidar com muitas situações amorosas e que vão ensinar lições de amor e amizade, provando a qualidade de seu arco. Já Mabel é o coração do seriado, com suas atitudes emotivas e carinhosas, ela cria laços de amizade muito verdadeiros, e ensina sobre empatia e sobre o amor em si. Uma curiosidade interessante é que os protagonistas foram inspirados no criador e em sua própria irmã.
O tio-avô Stanley é um dos personagens mais divertidos, carismáticos e enigmáticos do desenho, tanto por ele ser protagonista de vários mistérios quanto por possuir uma personalidade única. Suas atitudes trambiqueiras rendem situações muito divertidas e caóticas, e o carinho que ele possui por Dipper e a Mabel é muito verdadeiro. Ele acaba funcionando como uma figura paterna para ambos, ensinando e estando presente quando eles mais precisam.
Há outros coadjuvantes que ganham muito destaque durante o seriado, como Soos Ramirez (Alex Hirsch), que, embora pareça um personagem bobo, tem muito carinho por todos ao seu redor, além de ganhar um episódio próprio que é muito dramático. Wendy Corduroy (Linda Cardellini) é outra coadjuvante que rouba a cena. Ela vem de uma família muito peculiar de lenhadores e tem uma relação bacana com Dipper, auxiliando no arco desse personagem.
Entre os personagens de maior destaque, há o vilão da série, Bill Cipher (Alex Hirsch). Seu design é muito peculiar: uma pirâmide com um olho central, usando cartola e bengala. Pode parecer extremamente inofensivo, mas que, magistralmente, o desenho usa deformidades da animação para torná-lo ameaçador. Além disso, seus poderes e voz demonstram uma imponência grande, causando medo tanto nos personagens quanto no espectador.
Outro toque mágico de Gravity Falls é que o desenho possui mais uma dezena de personagens que são carismáticos e únicos, fazendo com que a cidade pareça muito viva, com seus vários habitantes. O seriado aproveita esses personagens para incluir diversas participações especiais na dublagem, como Neil deGrasse Tyson, Nathan Fillon, J.K. Simmons, Alfred Molina, Mark Hamill, entre outros.
Muitos dos fatores que fazem de Gravity Falls um desenho tão bacana é o fato da cidade-título ser tão rica de lendas, histórias, personagens e localidades, e o mais legal é que parte da culpa da sua riqueza narrativa vem de uma inspiração na vida real. Hirsch, quando criança, passava suas férias de verão na cidade de Boring (entediante, na tradução do inglês), no Oregon, e esse local serviu de base para construir o povoado visto e explorado no desenho.
Comemorando 10 anos de sua estreia em 2012, Gravity Falls é um desenho cheio de coração e criatividade, elaborando um mistério magistral ao mesmo tempo que desenvolve seus personagens e relações. Essa aventura é tão gostosa que, assim como o Dipper e a Mabel, nos perdemos no tempo e nas histórias daquela cidadezinha. Quando chega a hora de dizer adeus, a despedida é muito triste, mas fica a sensação agradável de que aquela viagem foi inesquecível e que não seremos os mesmos novamente.