Dante Zapparoli
Uma narrativa a qual ouvimos desde os filmes de velho oeste é a de que lutar contra a Morte é algo impossível. Em Gato de Botas 2: O Último Pedido vemos mais uma faceta de um herói, que era considerado imortal e invencível, cair ao inevitável fim: o medo de sua história acabar.
Após 12 anos desde sua primeira produção, o Gato de Botas volta a ativa com mais uma aventura solo para as telas de cinema. A nova obra abre com uma estrela cadente que caiu na Terra e, segundo lendas, realizaria o desejo de quem a encontrasse. A narrativa se torna importante ao decorrer da história, pois é a motivação de sete personagens diferentes: o próprio Gato de Botas, Kitty Pata Mansa, Cachinhos Dourados e os Três Ursos, e João Trombeta.
De forma parecida com os outros filmes que englobam o universo em que Gato de Botas se passa – iniciado com a franquia de Shrek há 22 anos – o humor envolvendo situações mágicas e personagens que saíram direto de contos de fada permanece forte. Isso é perceptível com os enredos que envolvem a Cachinhos Dourado ou a maioria dos itens mágicos colecionados por João Trombeta – os quais incluem o sapatinho da Cinderela, biscoitinhos mágicos providos de Alice no País das Maravilhas e o Grilo, que é a consciência presente nas histórias de Pinóquio. No entanto, Gato de Botas 2: O Último Pedido dá um passo a mais e se aprofunda em questões psicológicas e emocionais que esses personagens tão encantados trazem consigo.
O Gato, personagem que dá nome a obra, começa o filme no que ele considerava sua melhor forma: forte e invicto, segundo a música de abertura da peça. No entanto, após sua morte súbita ao tocar do sino da igreja que foi destruído em sua aventura, ele descobre que, de suas nove vidas de gato, só lhe resta uma. Todas as outras foram gastas de formas irresponsáveis pelo protagonista – fosse caindo, bêbado, de uma prédio alto ou morrendo ao ganhar em um jogo de cartas contra cachorros.
Essa realização não o incomoda muito, até encontrar com a Morte em pessoa no bar de Del Mar. O personagem se apresenta como um lobo branco, de olhos vermelhos, que anda encapuzado e com duas foices como arma. De início, Gato tenta desafiá-lo a um duelo. Não é surpresa que ele perde e, pela primeira vez em sua vida, sente medo ao perceber que não é inabalável.
A Morte, dublada originalmente por Wagner Moura, tem um papel forte nessa história, já que é a percepção da nossa efemeridade que faz Gato sair de sua jornada de aventuras – e, com o decorrer do filme, retornar para o último ato de conseguir restaurar suas nove vidas e voltar a ser como antes. Durante a trama, podemos acompanhar as dificuldades e os empecilhos que o felino possui ao tentar se esquivar dos avanços do lobo, mostrando a humanidade que Gato parece tentar esconder.
Não é apenas do medo da morte que as motivações dos personagens giram em torno. Gato de Botas 2 apresenta mais três grupos interessados pelo poder que esse item mágico pode oferecê-los: Kitty Pata Mansa,que também fez parte do primeiro filme, Cachinhos Dourados e os Três Ursos, e João Trombeta, sendo este parte de uma canção de ninar estadunidense. Cada qual possui interesses divergentes, mas têm o mesmo objetivo e visão: com a estrela mágica, eles poderão resolver o que os aflige e serem felizes.
Gato de Botas, que passou por um período de aposentadoria entre a quebra de tempo do seu primeiro encontro com a Morte e o anúncio da procura pela estrela cadente, volta para ação de forma conjunta com Perrito, um cachorro que sonha em ser um cão de serviço, e Kitty Pata Mansa, o qual compartilha uma história e um passado complicados. Nessa jornada, ele e a audiência percebem como é difícil superar traumas e confiar em pessoas à sua volta.
Um recurso interessante usado para contribuir com a narrativa é a mudança do mapa até a estrela: toda vez que troca a pessoa que segura o objeto, o mundo ao redor muda junto. Pelo que se pode perceber quanto a essa dinâmica, o guia reflete as dificuldades de chegar até o desejo de quem o segura: o do Gato mostra várias situações voltadas para a morte, como a Caverna das Almas Penadas, o de Kitty, apresenta cenários de abandono e solidão, e o da Cachinhos retrata terras de nostalgia. Todos esses problemas são voltados para o que os personagens sentem e têm dificuldades de externalizar.
Gato de Botas 2: O Último Pedido é uma apresentação interessante do conceito de “show, don’t tell”, já que isso faz com que o espectador possa ter consciência de alguns pontos que a narrativa irá percorrer, antes mesmo deles serem apresentados. Essas complicações e objetivos são o que fazem com que a jornada deixe de ser apenas uma aventura como as outras e se transforme em algo mais catártico. Apenas um dos personagens não possui impedimento de chegar até a estrela, sendo ele Perrito, pois suas metas e ambições não estão focadas em algo que poderia ser resolvido magicamente: ele já sabia o que queria e como tentaria conseguir, diferentemente dos outros personagens em busca de respostas.
O que fez a obra conquistar seu público, no entanto, foram as representações quanto à saúde mental. Gato chega a passar por alguns episódios de crises de pânico durante o filme – este sendo causado pelos seus encontros com a Morte e o pensamento de que sua vida efêmera logo acabará pelas mãos do lobo – e, em todas as apresentações dessa situação, nenhuma piada é feita. Isso se difere de representações como Velma (2023) ou Vingadores: Ultimato (2019), ao não os limitarem a movimentos violentos ou sexuais.
A produção sabe retratar bem questões como lidar com trauma, luto e o sentimento de ser deixado só, enquanto aquece o espectador com seus desfechos que representam lutas difíceis demais de serem enfrentadas sozinhas. Gato de Botas 2: O Último Pedido abre bem o cenário de 2023 e se torna um bom concorrente frente a os outros filmes da categoria de Melhor Animação do Oscar, como Pinóquio, Marcel the Shell with Shoes On, A Fera do Mar e Red: Crescer é uma Fera.
Na categoria em que compete na premiação da Academia, Gato de Botas 2: O Último Pedido tem Shrek, em 2002, como o primeiro vencedor, que no mesmo ano também havia sido indicado para Melhor Roteiro Adaptado. A empresa DreamWorks não ganha um Oscar desde 2005, com o filme Wallace & Gromit – A Batalha dos Vegetais, e não possui indicação desde 2015, com Como Treinar o Seu Dragão 2. Então, a volta para a premiação com a continuação de O Gato de Botas 2, traz uma nova esperança para o estúdio de animação, como um forte candidato.