Maria Vitória Bertotti
Um triângulo amoroso; uma nova colega de classe também indiana; traumas à tona e hormônios à flor da pele. Com a trama ainda mais recheada de representatividade e situações comuns da adolescência, a segunda temporada de Eu Nunca… está disponível desde 15 de julho na Netflix para arrasar o coração dos amantes da série e dividir opiniões sobre quem Devi Vishwakumar (Maitreyi Ramakrishnan) deve escolher como namorado antes de se mudar para a Índia.
Seguindo um roteiro que mistura a comédia excêntrica e o clichê, já conhecido muito bem pelos espectadores de Never Have I Ever (título original), as criadoras Mindy Kaling e Lang Fisher ainda acrescentam um toque dramático sempre que tocam no assunto família. Entre a morte do pai e a tentativa de relacionamento de sua mãe Nalini (Poorna Jagannathan) com outro homem, muitos surtos e impulsividade levam Devi a cometer um ciclo infinito de loucuras, trazendo empatia e também um pouco de raiva por parte do público.
Por ter sofrido uma perda muito grande e outra sequência de traumas, Devi passou a fazer terapia. Felizmente e para alívio de muitos, existem profissionais especializados em ajudar quem passa por momentos difíceis quanto à saúde mental, e isso foi evidenciado ao mostrar a psicóloga sempre aconselhando a protagonista quando ela se sentia mais pressionada ou prestes a agir por impulso. Os profissionais da psicologia foram muito bem representados com a belíssima atuação de Niecy Nash, ao mostrar que somos frágeis e que está tudo bem pedir apoio para lidar com os problemas, independentemente da idade.
A representatividade é um dos pontos mais importantes de toda a série, já que os seis atores e atrizes principais são de etnias diferentes. Desde a primeira temporada, a personagem indiana não é retratada apenas como ponto de humor, o que é muito comum em produções estadunidenses, bem como seu desenvolvimento familiar, que passa por dramas igualmente reais aos que temos em casa. Além do sul asiático, a cultura japonesa também teve destaque nessa temporada ao entrar na intimidade da família de Paxton e mostrar seu lado meigo com o ojiisan (avô), e a sensatez de sua irmã Rebecca fez absolutamente todo mundo se apaixonar por ela.
Falando em diversidade, o relacionamento entre Fabiola (Lee Rodriguez) e Eve deixa todos os outros casais da série em desvantagem, mostrando doses altíssimas de muito amor e respeito que, no caso, faltam no namoro de Eleanor (Ramona Young) e Malcom. Desde o início do romance, era percebida a forma como ele a repreendia por falas e atitudes, deixando-a presa numa bolha de suas vontades (e suas amigas estavam certíssimas sobre o quão lixo aquele boy era). No final das contas, ela superou o garoto focando em si, mostrando que relacionamentos tóxicos podem ter um fim sem danos para a vítima.
Nem só de sofrimento vive a juventude e, por isso, o humor já é confirmado em quase todos os seus 10 episódios. Para tratar de assuntos mais sérios e até mesmo escapar de situações constrangedoras (ou, no caso, causá-las), o apelo vem em forma de piada. Um dos maiores astros do riso nessa temporada é Trent (Benjamin Norris), melhor amigo de Paxton que se preocupa apenas em beber e fazer bizarrices e que, para nosso divertimento, trouxe as melhores cenas.
É possível listar a chegada de Aneesa (Megan Suri) como uma das causas do surto de Devi. Uma nova estudante de origem igualmente indiana que, na cabeça da protagonista, tomará seu lugar na escola e no grupo de amigos, culpa da insegurança e medo do novo tão comuns na idade. Após um tempo, essa competição mental acaba e as duas tornam-se amigas, até uma bomba cair em terra e abalar a relação: um boato espalhado burramente por Devi a respeito de Aneesa, que se confirmou real com toda a escola sabendo.
Antes mesmo de precisar se preocupar com a novata, já havia um problema um pouquinho maior que o esperado. Dois garotos na jogada dividindo espaço na vida de Vishwakumar que, com seu grande coração de mãe, resolveu namorar Paxton (Darren Barnet) e Ben (Jaren Lewison) ao mesmo tempo. Com ambos acreditando serem exclusivos para ela e suas amigas ajudando a enganá-los, é de se esperar muita emoção, confusão e pegação no decorrer dos minutos, além de decepções para os envolvidos, é claro.
Entrando no clima de referências, a maior de todas tem como estrela principal Paxton, Devi e um carro. Para os íntimos do cinema, já é conhecidíssimo o atropelamento de Regina George no filme Meninas Malvadas, discutindo loucamente na rua e de repente atingida por um ônibus. Resolveram recriar a cena e entregaram mais do que o esperado, com um toque além de comédia e menos impactos físicos para o atingido: a vítima passa bem e apenas com ferimentos no braço.
A cena icônica teve início na festa em que foi descoberto o plano de duplo namoro e, num acesso de fúria, Paxton vai para o meio da rua e grita com Devi. Repentinamente surge um carro e o acerta. As reações dos personagens secundários foi o que complementou a construção do puro remake do clássico Mean Girls, com direito a gritos histéricos e até vídeo postado no Instagram, para o deleite das pessoas curiosas.
Por ser uma série adolescente, as músicas influenciam e muito na energia que os episódios transmitem. Com uma trilha sonora jovem e atual, somos transportados para um ambiente escolar tipicamente americano. Misturando ritmos lentos e agitados, faixas recentes e antigas, de artistas de várias nacionalidades e estilos distintos, a soundtrack tem grande potencial de conquistar públicos de todos os gostos. Contracenando com a fotografia da produção, as cenas são bem iluminadas e coloridas, ressaltando a jovialidade e intensidade, instigando o espectador a ver mais e provocando até raiva quando as melhores partes são interrompidas.
Raiva essa que não se resume apenas aos bons momentos. A personagem Kamala (Richa Moorjani) passou por diversas situações de machismo no trabalho e não sabia muito bem como lidar, tanto pela cultura em que é inserida quanto por intimidação, além de não ter tido apoio do noivo igualmente machista ao tratar do problema. Ao receber conselhos de sua prima Devi, ela foi atrás e mostrou que não leva desaforo pra casa, impondo o valor de seu esforço e inteligência para o colega de laboratório babaca.
E, como não poderia faltar: o clichê do baile de inverno! Todas as confusões se resolvem no último episódio da temporada, …fui uma garota perfeita. Paxton tem sua desastrosa reparação histórica ao atropelar Devi, casais improváveis começam a fazer interação, mais cenas fofíssimas de Fab e Eve e, por fim, a tão esperada escolha do namorado para nossa estrela rebelde, aquecendo o coração dos admiradores do casal.
Entre crises e romances, a segunda parte de Eu Nunca… trouxe mais do que apenas uma série adolescente, ela reafirmou o motivo de tanto sucesso ao fazer, novamente, uma retratação fiel da juventude atual e sem barreiras de nacionalidade, gênero ou crença. Trouxe empoderamento para enfrentar problemas estruturais como sexismo e quebrar estereótipos. A Netflix acertou e muito na continuidade da produção e a aposta é que haja uma 3ª temporada para solucionar a desolação de Ben e seus fãs. É fácil demais se convencer a passar horas a fio maratonando a série, se identificando com os dramas e xingando o egoísmo de Devi.
belo texto, apaixonado aqui. parabéns mavi! <3
ótimo texto! parabéns mavi <3