Arthur Caires
Em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Joel e Clementine, interpretados por Jim Carrey e Kate Winslet, embarcam em um romance intenso, porém marcado por turbulências. Após um término doloroso, ambos optam por apagar as memórias um do outro através de um procedimento inovador. Essa busca por um recomeço emocional ecoa no sétimo álbum de estúdio de Ariana Grande, eternal sunshine, lançado sete meses após seu divórcio. Inspirado diretamente no filme, o disco é uma jornada introspectiva em que a artista explora a dor da perda, a esperança de cura e a busca por um novo amanhecer.
Desde o início, a carreira de Grande foi marcada por uma série de eventos turbulentos e polêmicas midiáticas. Seja pela repercussão negativa do vídeo em que lambia donuts e criticava os EUA, pela perda trágica de seu ex-namorado Mac Miller, pelo atentado terrorista em seu show em Manchester ou pelas acusações de blackfishing, a artista frequentemente se viu no centro de debates acalorados. Os últimos três anos não foram diferentes. Em 2021, Ariana Grande se casou com o corretor de imóveis Dalton Gomez, em um casamento inicialmente tranquilo. Porém, durante as gravações do musical Wicked em 2023, rumores de traição envolvendo a cantora e o parceiro de filmagens Ethan Slater abalaram sua imagem pública mais uma vez.
Mas, e daí? Mesmo após tantos comentários, a artista sempre consegue sair por cima e da melhor forma: cantando. O primeiro single de estreia, yes, and?, é uma ode à indiferença diante do julgamento alheio. Entre versos como “Seus assuntos são seus e os meus são meus/ Por que você se importa tanto em quem eu sento?”, Grande lembra a todos de quem está no comando de sua narrativa. A faixa, apesar de ficar deslocada no álbum, é poderosa, inspirada no gênero house e produzida pelo gênio da música pop Max Martin, que comanda a produção de todo o disco ao lado da própria cantora.
Após a hegemonia do trap em thank u, next e Positions, Ariana Grande finalmente se distancia do gênero em eternal sunshine. O álbum é marcado por uma sonoridade nostálgica, que combina o R&B reminiscente dos anos 2000 com referências à década de 1980. Essa mudança é complementada pela voz da artista, que agora soa mais clara e com a dicção corrigida, proporcionando uma experiência sonora ainda mais agradável aos ouvidos. Entre as influências oitentistas, destacam-se we can’t be friends (wait for your love), inspirada diretamente em Dancing On My Own de Robyn, e supernatural, que facilmente poderia ser um dueto com The Weeknd. Já na seção ‘isso poderia ter sido cantado pelas Destiny’s Child’, true story e the boy is mine são os pontos mais altos do disco.
Em uma atmosfera cinemática, com orquestras presentes em músicas como intro (end of the world) e Saturn Returns Interlude, eternal sunshine é um álbum de divórcio que explora os diferentes estágios do luto. A disposição das faixas não faz essa passagem de forma cronológica, mas há uma progressão natural muito bem amarrada. Na intro, Grande começa perguntando “Como sei se estou no relacionamento certo?” para, então, só ser respondida nos últimos segundos de ordinary things pela sua Nonna: “E se você não puder, e se você não se sentir confortável fazendo isso/ Você está no lugar errado, saia dali”.
Ainda assim, eternal sunshine transcende o término de um relacionamento e se torna uma reflexão sobre o fim de um ciclo. Nesse caso, mais especificamente a chegada dos 30 anos para Ariana Grande, como é revelado no interlúdio narrado pela astróloga Diane Garland. A frase presente na faixa “Está na hora de você cair na real e descobrir quem realmente é” resume essa sensação de ruptura com o passado e a busca por uma nova identidade. É como acordar de um longo sonho, com novas percepções sobre o mundo e sobre si mesmo. Esse processo de amadurecimento implica em entender seus verdadeiros desejos, limites e valores, construindo uma nova fase de vida com base em uma autoconsciência mais profunda.
Além de participar da produção de todas as faixas, Ariana Grande contribuiu significativamente para a composição das músicas, dessa vez, com um número reduzido de co-compositores. É possível observar também que a abordagem vocal da intérprete de Dangerous Woman nesse álbum difere de seus projetos anteriores, com menos ênfase em alcançar grandes notas e mais foco em expressar uma voz vulnerável, sem excesso de efeitos. Em i wish i hated you, a mais emotiva do disco, é possível ouvir a influência do choro em sua voz, proporcionando uma maior riqueza de detalhes à faixa. Esses aspectos destacam a importância de artistas comprometidos nesta era da Música, na qual os ouvintes valorizam a autenticidade e a presença total do intérprete no processo de criação, resultando em trabalhos mais identificáveis e verdadeiros.
Embora eternal sunshine marque o fim de um ciclo para Ariana Grande, os próximos passos da artista ainda são incertos. Uma possível turnê para divulgar o álbum foi mencionada, mas sem datas ou locais confirmados, e o filme musical de Wicked, no qual a atriz interpreta Glinda, ainda vai demorar um pouco para chegar nos cinemas. No entanto, a mensagem final é clara: apagar as memórias, como Joel e Clementine fizeram, pode parecer o caminho mais fácil, mas o processo de superação é essencial para o nosso amadurecimento. Ao invés de negar as dores e perdas do passado, Grande nos convida a abraçá-las e aprender com elas.