Nathalia Franqlin
2021 chegou trazendo a renovação de várias séries nas plataformas de streaming e (Des)encanto foi uma delas. A obra do cartunista Matt Groening – criador de Os Simpsons e de Futurama – está na sua terceira parte e é exclusiva da Netflix. Para o desespero dos fãs, houve atraso na produção em decorrência da pandemia e a estreia da terceira parte foi adiada de setembro de 2020 para janeiro de 2021. Essa foi uma espera particularmente difícil considerando os acontecimentos finais da segunda temporada, como o suspense para sabermos se o Rei Zörg (John DiMaggio) iria sobreviver ao tiro e o que aconteceria com a Princesa Bean (Abbi Jacobson) após ser condenada à fogueira.
No tocante ao desempenho técnico da temporada, a qualidade se mantém. A assinatura visual de Matt Groening é realmente marcante, personagens com olhos esbugalhados e redondos e boca grande são o seu diferencial e isso não é diferente em (Des)encanto. Além disso, visualmente, a série tem um charme a mais se compararmos com as outras obras mais famosas do criador, justamente por investir em cenários e fundos de cenas 3D, colocar personagens esteticamente simples com figuração caricatas de cartoons, mas com fundos bem elaborados na ornamentação e no jogo de luzes gera um resultado interessante e que trabalha bem com a proposta da obra de caminhar entre elementos do dia-dia, blasé, e o fantástico, fantasioso.
Aqui temos as melhores desconstruções de arquétipos para representar isto: uma princesa de um reino encantado com magia, elfos, demônios e fadas, mas que bebe igual a qualquer beberão de boteco mal humorado e que é igual a qualquer adolescente com problemas de relacionamento com os pais. A personalidade de Bean é um ponto chave na série, ela é uma personagem extremamente identificável para outras garotas mais grosseiras e que fogem aos estereótipos de comportamento de gênero, isso se torna, a priori, um chamariz de audiência.
Com respeito a qualidade do enredo esse ano a série deu uma decaída. Com o aparecimento da Terra das Máquinas na segunda temporada, (Des)encanto teve a oportunidade de expandir seu universo para além da Terra dos Sonhos, entretanto, desperdiçou essa chance na terceira parte fazendo o movimento contrário ao que tendenciava o final da obra no ano anterior e restringindo o enredo, novamente, à terra natal de Bean. Outro problema com o roteiro desta temporada é a tentativa de introduzir vários novos personagens de uma só vez, e o resultado disso foram problemas no desenvolvimento de cada um deles, coisa que deixou os primeiros episódios, principalmente, cansativos de se assistir.
A dinâmica entre os outros dois protagonistas da série, além de Bean, Luci (Eric André) – um demônio enviado diretamente do inferno para atormentar a princesa, mas que acaba se identificando com ela e se tornando um de seus melhores amigos – e Elfo (Nat Faxon) – literalmente um elfo bonzinho de uma terra encantada, mas meio sarcástico às vezes – foi quebrada nesta temporada, isto, sem dúvidas, foi deficitário para a série. Esse foi mais um problema gerado pelo bolo de personagens neste ano, já que, com tantos outros para desenvolver, os protagonistas ficaram quase como figurantes, principalmente Luci.
Em relação ao desdobramento da história, a terceira parte também deixou a desejar em alguns pontos. Esse desenvolvimento foi afetado pela falta de expansão do universo, isso é fato; algumas coisas que já estavam na expectativa para essa temporada acabaram por não acontecer como, por exemplo, a revelação de quem é a mãe do Elfo ou o desenvolvimento dos poderes da Bean. Apenas um foi revelado e depois simplesmente ignorado pelo resto dos episódios, isso foi muito decepcionante para qualquer fã da série.
Mas, nem tudo são só frustrações e decepções. Houve uma evolução no texto dublado para o português brasileiro, nesta parte os memes e a linguagem de internet estão mais moderados em relação às temporadas anteriores. Eles ainda estão presentes, é claro, mas de forma mais espontânea, não parecem mais forçação para que o público jovem se identifique com a trama. (Des)encanto sempre deixou claro a sua linha de humor, que é basicamente sarcasmo e ironia com uma piada por atrás da outra, mas, agora, a série finalmente encontrou um ritmo nesse sentido, as tiradas aparecem naturalmente entre as cenas e a linguagem agora está mais adulta, com mais palavrões do que bordões em si.
Apesar de toda a confusão inicial ficou claro que o tema circundante dos primeiros episódios dessa nova parte era relacionamentos. E para a felicidade do fandom LGBTQ+, Bean foi confirmada como uma personagem bissexual após se apaixonar por Mora, uma sereia. É interessante como a homofobia foi criticada durante as cenas das duas, principalmente no episódio Uma sereia em minha vida. Esse preconceito não foi questionado e nem exposto de maneira explícita durante a série, apenas houveram analogias e os roteiristas aproveitaram para brincar com a liberdade desse universo. Mora foi realmente carismática, apesar de que infelizmente não é aparente que ela vá retornar à trama futuramente.
Nos episódios finais, (Des)encanto conseguiu embalar novamente o espectador e dar ritmo à série. Os últimos acontecimentos retomam um ocorrido lá da primeira temporada, um conflito entre o Elfo e os ogros, e a crise no reinado de Bean apenas piora tudo. Algo que essa obra sempre acerta é na finalização de temporadas, o e de encerramento traz o ápice do lançamento inteiro, o retorno de Dagmar (Sharon Horgan), mãe da Bean, a morte de Luci, o Elfo levado pelos ogros é novamente uma tortura para os fãs da série, já que a quarta temporada está programada para daqui um ano, entre fevereiro e março de 2022.
(Des)encanto terá uma próxima temporada animada, conflito é o que não faltará, essa será, sem dúvidas, uma chance para consertar os erros da terceira parte. Espera-se apenas que não haja, de novo, confusão no roteiro ou então os produtores poderão estar jogando fora quase quatro anos de trabalho em uma série com tanto potencial. Desde 2018, ano de seu lançamento, esse vem sendo um título que promete mais do que cumpre, com nomes tão relevantes na sua produção, como o próprio Matt Groening e Josh Weinstein, espera-se que esse não se torne uma obra a nível de armadores.