Caroline Campos
O mundo nunca foi tão caótico e subversivo quanto nas ruas e bares de Los Angeles em plenos anos 70. Se você estivesse procurando um bom lugar para curtir um som, se drogar ou tentar virar uma estrela internacional, era para lá que você se dirigia. E foi na cidade das estrelas que nasceu uma das maiores bandas de rock ‘n roll que o mundo já havia conhecido: Daisy Jones & The Six. Apesar do premiado e polêmico grupo só poder ser encontrado nas 360 páginas escritas por Taylor Jenkins Reid e traduzidas por Alexandre Boide, sua música e trajetória ecoam por um bom tempo na cabeça dos leitores, e passamos a desejar que tudo não fosse apenas ficção.
As histórias começam separadas. Através de entrevistas com os personagens – sejam eles amigos, familiares ou os próprios músicos – conhecemos primeiro a jovem Daisy Jones, nascida e criada em Los Angeles. Filha de uma modelo francesa e um pintor britânico, Daisy sofreu desde cedo com o abandono familiar, o que a fez se jogar no mundo ainda na menoridade para tentar preencher o vazio no coração carente. A personagem é descrita sempre de forma quase mística, tanto pela personalidade ingênua e desafiadora quanto pela beleza absurda que faz com que todos a sua volta fiquem hipnotizados.
Olhos azuis profundos, maçãs do rosto protuberantes e cabelos cheios e acobreados. Não demorou muito para a garota passar a frequentar bares e casas noturnas da Sunset Strip, e logo se enturmar com outras groupies para adentrar em um mundo sórdido repleto de sexo, drogas e rock ‘n roll que nem de perto foi simpático com ela. “Nós adoramos gente linda e destruída por dentro. E não dá para ser mais claramente destruída por dentro e ter uma beleza mais clássica que a de Daisy Jones”.
E foi no meio dessa bagunça de experimentações e carreirinhas de cocaína que Daisy finalmente encontra o mais próximo de um ponto de equilíbrio: Simone Jackson. A estrela da era disco é uma das únicas personagens ajuizadas da narrativa, parecendo a babá de Daisy em muitas ocasiões. No entanto, a amizade das duas funciona perfeitamente entre os trancos e barrancos, deixando claro o amor genuíno que uma sente pela outra. Simone foi a primeira pessoa a perceber a voz incrível e o potencial de estrelato que Daisy Jones possuía, e a incentivou até o limite para a garota se dar uma chance.
Do outro lado do território estadunidense, na cidade de Pittsburgh, Pensilvânia, dois irmãos abandonados pelo pai e apaixonados pelo rock decidem formar uma banda que, eventualmente, viria a se tornar o The Six. Quando Billy e Graham Dunne conseguiram suas primeiras guitarras, formaram os Dunne Brothers – mas logo conseguiram companhia. Warren Rhodes foi o escolhido para bateria e Pete Loving se tornou o baixista. Chuck Williams foi o responsável pela guitarra base por um curto período de tempo, mas ser um homem nos anos 70, vivendo no antro do imperialismo, era sinônimo de ir ao Vietnã e não demorou muito para receberem a notícia que Chuck havia morrido.
No seu lugar entrou Eddie Loving, irmão mais novo de Pete e, assim, os Dunne Brothers seguiram fazendo shows onde quer que fossem chamados. Cruzando com outra banda no caminho, o sexto membro do grupo surgiu – a talentosa tecladista Karen Sirko optou por chutar o grupo antigo e se juntar ao futuro fenômeno da cena musical dos Estados Unidos. Com um novo (e melhor) nome, o The Six estava oficialmente formado.
A banda foi crescendo ainda mais com apresentações cada vez maiores, e quando conseguiram Rod Reyes como empresário, estavam certos de que chegariam na Lua. Enquanto todos curtiam as noitadas com o máximo de amantes que podiam, o coração de Billy Dunne estava fechado: sua parceira, Camila Martinez, é talvez a grande protagonista do livro. A maioria das ações que trespassam os personagens-base da história de Taylor Jenkins Reid envolve ou passa por Camila, futura senhora Dunne, e o que ela representa para Billy.
A narrativa de Daisy Jones & The Six é tão fluida que, mesmo com a grande quantidade de informação que os entrevistados vão despejando, nós não nos sentimos sobrecarregados, muito menos confusos. Os depoimentos funcionam extremamente bem nas mãos de Taylor e de sua narradora fictícia que se propõe a recriar a ascensão e queda da parceria mais quente dos anos 70 – do seu sucesso estrondoso até o fim infame. A história detalhadíssima envolve hilários confrontos de opiniões e discordância de fatos sobre um acontecido, o que deixa tudo ainda mais cativante de ser lido.
A ida à Califórnia finalmente aconteceu e o The Six, através da Runner Records e do conhecido Teddy Price, gravaram seus dois primeiros discos – The Six e SevenEightNine. Pelas mãos da mesma gravadora, Daisy Jones lançou seu First, e é aí que a história fica interessante. Os pontos de vista, até então separados entre a it girl e a banda, finalmente passam a compartilhar da mesma experiência, já que Daisy é convidada a participar dos shows e dividir o vocal com Billy em uma das músicas. O sucesso foi estrondoso e o público passou a presenciar a química sobrenatural que os cantores possuem.
O relacionamento de Billy e Daisy começa elétrico de cara. Ambos têm muitas opiniões, muito talento e muito ego. No entanto, quando começam a cantar, a multidão não se segura e, rapidamente, a gravadora planeja um disco em conjunto. Daisy Jones & The Six se tornou realidade e seu álbum, Aurora, é, até hoje, um dos maiores feitos da história do rock no universo fictício de Taylor Jenkins Reid. Os bastidores do CD são o foco do livro. Se até esse ponto Reid nos apresenta seus personagens e suas características, agora ela passa a desenvolvê-los como seres humanos tridimensionais perdidos num mundo de excessos.
E não há nada mais abusivo do que o uso de drogas. Billy caiu nas garras da heroína logo na primeira turnê e para continuar casado, precisou se internar. Camila vibra em outra frequência dos demais protagonistas do livro, criando sozinha seus filhos com o rockstar e engolindo todos os problemas que Billy joga em seu caminho. Mas engana-se quem pensa que isso é sinônimo de passividade, pois essa palavra está longe de existir em sua trajetória. Camila luta por seu casamento, por seu direito de ser feliz ao lado do homem que ama e pela sua dignidade o tempo todo. Ela exige de Billy respeito e participação, assim como de todos que se envolvem em seu relacionamento.
Obviamente Daisy está envolvida. A garota tem problemas com remédios e drogas desde a adolescência na Sunset Strip e, quando atinge o auge da carreira, passa as noites acordada na base de alucinógenos e companhia. Taylor Jenkins Reid não esconde ou romantiza as crises ou momentos de desespero causados pelas substâncias. É tudo muito real e extremamente triste – cada vez que Billy luta contra um copo de tequila ou cada “não” que Daisy não consegue dizer para o pó na sua frente.
Não é surpresa que os personagens mais trabalhados sejam Billy e Daisy. Eddie, Pete e Warren são pobres coitados acometidos pela maldição da falta-de-singularidade. Mesmo Karen e Graham, que ganham um arco envolvente para chamar de seu, não chegam na dramaticidade da conturbada relação dos dois. Daisy é uma mulher perdida, esperando alguém que a ame por quem ela é. E quando Billy a entende verdadeiramente e não corresponde seu desejo, tudo rui. A banda protagonizou seu último show em 12 de julho de 1979. Desde aquele dia, nada mais se ouviu falar de Daisy Jones & The Six.
O mundo todo parou para ouvir Aurora. E, décadas depois, uma pessoa parou para ouvir a história por trás. A revelação da nossa autora misteriosa foi a chave perfeita que fecha o trabalho autêntico e documental de Taylor Jenkins Reid. A autora conquistou Reese Whiterspoon, que produzirá uma série exclusiva na Amazon Prime Video sobre os sete astros do rock. Por enquanto, apenas sonhamos com a ideia de uma estrela como Rita Lee interpretando a selvagem Daisy – talvez um pouco menos icônica que a ovelha negra.
A mágica de Daisy Jones & The Six: uma história de amor e música está na vontade de ouvir suas músicas, comprar seus pôsteres e participar de seus shows históricos. O final do livro ainda conta com as letras de todas as faixas de Aurora, mas criar a melodia cabe a cada um – não é à toa que as pesquisas do Google estão lotadas de “Daisy Jones & The Six foi uma banda real?”. A resposta é sim. A partir do momento que iniciamos a viagem pela criatividade de Reid, tudo se torna real. Cada briga, cada lágrima, cada verso. “Nossas músicas eram ótimas. Eram ótimas mesmo”.