Ana Laura Ferreira e Júlia Paes de Arruda
Nos últimos anos, pudemos sentir uma enxurrada de influências oitentistas tomar conta de nossas vidas, indo desde o Cinema até a Moda. O estilo saudosista e a visita aos grandes clássicos do passado mostram apenas como a cultura é cíclica, se utilizando do que já foi criado para inspirar a inovação. Dentre as inúmeras referências que poderíamos coletar dessa grande nostalgia, Curtindo a Vida Adoidado (1986) é uma das mais relevantes, afinal o espírito de Ferris Bueller (Matthew Broderick) ainda se faz presente até mesmo em produções da Marvel. Completando 35 anos em 2021, o longa envelhece como vinho, ganhando cada vez mais nossa devoção.
Com um apelo à la Sessão da Tarde, Ferris Bueller’s Day Off conquistou seu lugar ao sol em meio ao grande fluxo de produções da década de 1980 por fugir, ainda que pouco, dos padrões até então estabelecidos como uma fórmula perfeita. Lançado no mesmo período que outros clássicos como Clube dos Cinco e A Garota de Rosa Shocking, o que torna a história da produção tão interessante é ser despretensiosa, transformando um dia na vida de seu protagonista numa grande aventura. Graças, é claro, a pitada cômica que Broderick brilhantemente acrescenta.
Seria fácil dizer que o grande mérito da produção está em seu elenco, que se mistura quase que com uma química mágica e sustenta a narrativa do início ao fim, prendendo nossa atenção. Mas, para além das estrelas que vemos em tela, como Jennifer Grey – mais conhecida por seu papel em Dirty Dancing –, outro ponto certeiro é a construção do roteiro do polêmico John Hughes. Dinâmico e objetivo, a história contada no longa não se preocupa em dar grandes explicações às suas excentricidades, mas sim, como seu próprio nome diz, em curtir os momentos que elas proporcionam.
Prova dessa construção é a famosa cena da parada, em que Bueller invade um carro alegórico em plena avenida e contagia a multidão cantando Twist and Shout dos Beatles. Não há muito o que explicar: ela é, por si só, um dos momentos de auge da narrativa simplesmente por sua diversão. Sem que se prenda a necessidade de seguir uma linha lógica e cronológica bem estruturada, o grande foco de Curtindo a Vida Adoidado é tornar escrachado o significado do pensamento filosófico de Carpe Diem.
O longa não foi o primeiro, e nem o último, a abordar o tema, sendo inclusive “concorrente” de outra produção lançada na mesma época e que trazia a mesma ideia: Sociedade dos Poetas Mortos (1989). Entretanto, o que faz o filme de John Hughes ser tão original nesse sentido é a forma como traz essa narrativa sem que se perca em um looping filosófico. Não são precisos incentivos ou explicações para as ações de seus protagonistas, há apenas uma necessidade latente de fazer o melhor uso possível de seu tempo, contagiando inclusive seus espectadores.
E se antes Curtindo a Vida Adoidado era divertido por si só, hoje, a experiência de ver o longa se torna ainda mais empolgante devido a sua transformação em uma caixa de easter eggs, apenas esperando para captarmos as referências. Isso pelo motivo de que frases marcantes do filme, bem como cenas inesquecíveis, não foram usadas uma, duas ou três vezes desde então, mas inúmeras, que até perdemos a conta. Seja com o Peter Parker de Tom Holland correndo entre as casas de seus vizinhos em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, ou em Deadpool e sua cena pós-créditos que recria o final do aniversariante, o longa já ganhou o status de ícone fazendo suas ilustres aparições.
Não só dessas menções que o filme dos anos 80 se faz presente. Ainda que muitas obras anteriores também explorassem a técnica da quebra da quarta parede, foi com Ferris Bueller que essa construção se mostrou emblemática e passou a ser mais recorrente, como em A Nova Onda do Imperador (2000) e A Grande Aposta (2015). Esse contato inclui o espectador dentro da trama, como se fossemos o confidente do personagem. Dessa forma, além de observarmos seu comportamento, temos acesso aos seus pensamentos sobre as situações em que ele se envolveu, transformando o filme em uma roda de conversa íntima entre amigos.
O sucesso do filme gerou uma série spin-off, que começou a ser produzida em 1990. Com o nome de Ferris Bueller, nenhum dos atores originais fizeram parte desse projeto. A “menção honrosa” para a obra derivada seria, talvez, a presença de uma tímida Jennifer Aniston interpretando a irmã do protagonista. Entretanto, a atriz só viu a sorte bater-lhe à porta com Friends em 1994, uma vez que o seriado de Ferris foi cancelado contendo apenas 13 episódios. Além da falta de respaldo do público, o próprio John Hughes não aprovava que seu filme tivesse uma sequência. Obviamente, ele tinha toda a razão.
Apesar dessa incógnita na história de Bueller, o longa de 1986 foi um acerto na vida do ator principal. Broderick não só recebeu uma indicação ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Ator em Comédia ou Musical por sua performance, mas também conseguiu um enorme impulso na carreira. Diferente de seus companheiros de elenco, ele fez parte de filmes de grande sucesso nos anos seguintes, como Tempo de Glória (1989) e o icônico Inspetor Bugiganga (1999). Fora que, é dono da voz original de Simba, em sua versão adulta nas três sequências animadas de Rei Leão, e do amigo de Barry Benson no filme Bee Movie. Em contraposição a isso, está o intérprete de Cameron (Alan Ruck) que, depois de Curtindo a Vida Adoidado, não fez mais algum papel relevante, ganhando destaque apenas com a chegada de Succession em 2019.
Aliado a uma trilha sonora arrepiante, Curtindo a Vida Adoidado nos mostra a idealização de uma vida sem compromissos e responsabilidades. Com um toque jovial em meio ao cotidiano adulto (a nítida contraposição de personalidades de Ferris e Cameron), a trama dos anos 80 conclui que o divertimento acaba sendo uma dádiva. Posto que 35 anos já se passaram, a fórmula de sucesso de Hughes é impagável, bem como cenas de um desfile para dançar e gritar com toda a nossa alma.