Jamily Rigonatto
Em agosto de 2015, Melanie Adele Martinez lançou seu primeiro grande trabalho de estúdio. O álbum indie pop Cry Baby é um conjunto de treze faixas principais que contam a trágica história da personagem de mesmo nome a partir de um ponto de vista lúdico e assustador. Recheado de críticas sociais e metáforas, o álbum é um conto sobre negligência e abandono afetivo.
Apresentada com uma personalidade doce, sentimental e inocente, Melanie é como o próprio nome diz: um bebê chorão. As músicas são interligadas e passeiam pelas experiências e traumas da personagem, que se iniciam na falta de estrutura que ela enfrenta dentro de casa. Refletindo sobre os problemas e comportamentos da família, ela encara e critica a chamada ‘sociedade de plástico’, que imersa em aparências, atua enquanto rui.
Nesse cenário, Cry Baby assiste a mãe assassinando o pai e lida com os pedaços de uma família cada vez mais suja e desestruturada. A carência e a necessidade de ter alguém se importando – ou pelo menos fingindo que se importa -, fazem com que ela se entregue a relacionamentos vazios e sem reciprocidade. Estes que, depois de um tempo, voltam a fazer com que ela se sinta sozinha e insuficiente. A construção dos clipes, a mudança na paleta de cores e os elementos sonoros como gritos e choros nos fazem sentir cada vez mais próximos da história e de sentir toda a dor e o vazio que ela sente.
Sequestro, abuso, assassinato e mais tentativas de implorar por amor são parte da temática que rodeia o enredo, e enfim a padronização estética volta a ser abordada em Mrs. Potato Head, que gosto classificar como a melhor música do albúm. Criticando a ditadura da beleza, o clipe e a música abordam os extremos de sacrificar singularidades e saúde em prol de corpo e rosto perfeitos. Reprovando uma sociedade que não aceita defeitos e fragilidade, a obra sintetiza e critica os valores deturpados que a sustentam. Ela também expõe de forma explícita esse sistema, que grita que o importante é ser de plástico, porque “Ninguém irá te amar se você não for atraente”.
Depois de tanta exposição ao sofrimento, o que resta em Baby é um psicológico quebrado que, em referência a obra ‘Alice no País das Maravilhas’, de Lewis Carroll, a leva à loucura. E como um desfecho perfeito, as batidas firmes e ritmo agitado transmitem toda a euforia e carga de sentimentos para quem escuta Mad Hatter, a última faixa da versão padrão, ou standart, de Cry Baby.
Na versão deluxe, mais três canções são adicionadas e esse é um dos pontos fracos da obra. Cake, Teddy Bear e Play Date são as faixas bônus e são sim letras bastante interessantes com melodias harmoniosas. Mas quando se fala do conjunto, as músicas ficam perdidas em meio a história e até parecem desconectadas da personagem.
Quando o assunto é a estética, Melanie tem um estilo excêntrico. Os clipes e as fotos publicadas no Instagram são marcados por roupas e elementos vintage – provavelmente dos anos 30 – e cenários carregados de itens infantis. O cabelo colorido meio a meio também é uma característica da cantora e contribui para a ambientação no universo fantasioso. A fotografia das filmagens e os efeitos especiais não são impressionantes, mas cumprem seu papel e são suficientes para ambientar e complementar bem as melodias.
Os cenários macabros misturados com a ingenuidade podem não agradar alguns, mas a cantora soube amarrar tudo muito bem. Tão bem que as falhas se tornaram irrelevantes e incapazes de a sinceridade e o significado desse conto, que continua em construção e foi aprofundado no filme musical K-12.
No papel de Cry Baby, Melanie encarna frustrações e aspectos pessoais enquanto encena a própria criação, leva o público numa viagem a um espaço que, apesar de fantástico, é muito verdadeiro. Se identificar com qualquer parte da narrativa é fácil. Afinal, quem nunca se machucou ou se sentiu insuficiente?
Cry Baby é a representação de um melodrama de alguém que é de verdade. E com muita dor, assume suas imperfeições, indo na contramão de uma sociedade que esconde suas falhas atrás de máscaras.