K-12 prova que conceito nem sempre é tudo

Foto: Reprodução

Ana Laura Ferreira

Inovação e crítica social. Essa é a mistura feita por Melanie Martinez em seu mais novo projeto: K-12. A obra composta por um álbum com 13 faixas e um filme de uma hora e meia compõe a 2ª parte da história de Cry Baby, personagem idealizada pela cantora em seu primeiro trabalho. Resultado de uma criação abusiva e uma infância tóxica, Baby agora deve encarar uma sociedade deturpada por um falso conceito de certo e errado.

A história construída pela produção audiovisual narra a chegada de uma nova turma a um colégio interno comandado por um narcisista diretor que beira ao fascismo em suas ações. Em uma alusão extremamente explícita ao presidente norte-americano Donald Trump, Melanie critica o atual governo na faixa The Principal. Recheada de alfinetadas, as músicas ainda abordam outros temas como bullying, positividade tóxica e, até mesmo, abuso de menores. Tocando em temas delicados, a cantora  cria uma obra cinematográfica visualmente linda.

Melanie Martinez roteirizou e dirigiu o longa que custou US$ 5 milhões (GIF: Reprodução)

Com diversas brechas de roteiro, a construção fílmica do projeto não é seu ponto mais forte. Diversas vezes a história é interrompida por cortes bruscos, seguidos de clipes que nem sempre estão conectados ao contexto. Porém, esses detalhes técnicos podem ser ignorados uma vez entendido que esse não é um trabalho feito por uma profissional da área mas, sim, a concretização de uma visão lúdica e fantasiosa da cantora, com grande apelo visual, que tem por intuito de dar vida a história de Cry Baby.

No quesito filme, o aspecto que mais chama a atenção é a aparência da obra. Cores fortes contrastam com uma paleta pastel, tendo o azul, o rosa e o roxo em predominância. Os figurinos, assim como a maquiagem,  também se destacam em sua exuberância e exagero. Sempre muito caricatos, a direção de arte lembra diversas vezes a construção visual dada àqueles que vivem na Capital da saga Jogos Vorazes (2012 – 15)

Unidas a um cenário igualmente rico em detalhes, as letras cantadas por Melanie ganham vida e ainda mais impacto. Esse é o caso de Show and Tell, faixa que fala sobre uma sociedade que desumaniza artistas, tudo isso enquanto é controlada por cordas como uma marionete nas mão da mídia. 

Mesmo disponível gratuitamente (por enquanto) no YouTube, K-12 – The Film está sendo exibido em alguns cinemas mundialmente, incluindo no Brasil (Foto: Reprodução)

Muitas outras músicas ganham uma carga dramática maior graças aos planos sequências, porém muito mais importante do que a imagem do projeto são os seus significados. A cantora não economiza as palavras para criticar um sistema padronizado que exclui e nega a individualidade humana. Estimulada à eterna busca pelo corpo ideal, pelos amigos e emprego ideais e, até mesmo, por uma falsa e infinita felicidade, Cry Baby nega os padrões em nome de sua independência criativa. 

E em uma das faixas mais marcantes e dolorosas de K-12, Strawberry Shortcake, ela esbraveja sobre a eterna objetificação do corpo feminino e sobre a dicotomia presente em uma sociedade falsamente puritana. Como um grande bolo humano, Baby é devorada por homens enquanto aparece nua no clipe. Falando em alto e bom tom, critica a criação machista cultivada pela sociedade, que culpabiliza vítimas e encobre abusadores – É meu erro, é meu erro, ninguém os ensinou a não agarrar”.

K-12 não chega nem perto de seu antecessor Cry Baby. Suas melodias extremamente parecidas e, de certa forma, enjoativas não incentivam a constante revisitação ao álbum. Talvez Melanie tenha ficado muito presa à sua visão ao conceber a obra, que em seu conjunto se complementa de forma um tanto forçada. Apesar do apelo visual e da criação de uma estética única que compõe os clipes, a montagem e a execução do filme fazem com que o conjunto perca qualidade. Ora vezes confuso, ora bagunçado e muitas vezes extremamente autoexplicativo, o segmento cinematográfico quase perde seu propósito.

Apesar de muito inovador em sua proposta, K-12 deixa a desejar em muitos quesitos. Conceitualmente rico, a produção se perde em sua tentativa de criar algo revolucionário, mas ainda assim entrega um trabalho final visualmente digno de continuação. Um próximo capítulo na história de Cry Baby já está sendo planejado por Melanie Martinez, porém resta se perguntar se a doçura dessa personagem vai nos causar náuseas. 

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