Monique Marquesini
Os romances adolescentes nas telas são como deliciosas histórias confortáveis, com seus clichês e casais. Na comédia romântica Crush, a narrativa é centrada em uma receita antiga: aquela em que a personagem busca atenção de sua suposta alma gêmea, quando, na verdade, seu amor está mais perto do que se imagina. Porém, seu grande diferencial é que somos transportados para as aventuras e amores do Ensino Médio ao lado de uma jovem queer.
O filme, que anteriormente teria seu título oficial como Love in Color, é dirigido por Sammi Cohen e estreou no Hulu. Com um roteiro de Kirsten King e Casey Rackham – duas pessoas queer -, o núcleo da trama busca o equilíbrio entre as características de um bom clássico ao mesmo tempo que o transforma – com um amor possível e concreto, desentendimentos e momentos fofinhos, além de uma relação saudável entre as garotas. Aliada à necessidade de trazer às telas histórias de pessoas LGBTQIA+ e naturalizar suas vivências, o enredo combina leveza e uma pitada de aventuras adolescentes.
Crush acompanha a vida de Paige (Rowan Blanchard), uma tímida e esquisita artista, que acaba sendo acusada de ser o famoso grafiteiro King Pun. Trazendo cores, pinturas e poesias às paredes da escola, ele vem gerando insatisfação à direção do colégio. Assim, a história tem seu ponto alto no desenvolvimento da garota, com ela provando não estar envolvida no caso e tentando evitar uma suspensão. Do contrário, a punição pode acabar com seu sonho de entrar no renomado programa de verão da CalArts, do Instituto de Artes da Califórnia, um dos mais importantes polos de estudo das Artes e Design no mundo.
Na busca de resolver a situação, Paige faz um acordo com a diretora, a bem-humorada Principal Collins (Michelle Buteau), que a convence a entrar no time de atletismo, desfalcado em sua equipe de corredores. Mesmo sem o perfil atlético e com a missão de encontrar o verdadeiro King Pun, a protagonista aceita a proposta para poder conquistar seu sonho – mas também para se aproximar de sua paixão platônica desde o Ensino Fundamental, a encantadora Gabriela Campos (Isabella Ferreira). Porém, quanto mais ela frequenta os treinos, mais sente algo pela irmã da garota, a apaixonante AJ Campos (Auli’i Cravalho).
É nesse momento que Crush amadurece não apenas o romance central, mas também na arte, em suas representações e no humor sutil que o acompanha. A história entra em um momento que soa previsível – com um triângulo amoroso confuso, um desentendimento entre as personagens e depois a aproximação delas novamente. Isso não torna a jornada desagradável, já que ainda existem poucos amores apaixonantes com protagonistas abertamente LGBTQIA+ nas telas, que faz deste um romance super confortável para maratonar.
Um aspecto extraordinário da trama é o de naturalizar jovens queer e, ao mesmo tempo, tirar o estigma do período escolar, que, em muitas histórias, é cheio de cenas de sexo e assuntos complexos. A exposição natural de pessoas e casais homossexuais no filme é incrível, já que o foco principal não é mostrar apenas processos dolorosos e medos, mas sim essas pessoas tendo experiências saudáveis e comuns, como qualquer romance hétero costuma fazer. Assim, Crush mostra a sensibilidade de um roteiro escrito e dirigido por mulheres queer.
Como uma bela história adolescente, o roteiro deixa uma marca importante de leveza ao retratar o romance de duas meninas – que, por muitas vezes nas telas, é repleto de sofrimento e tragédias. Em Crush, porém, temos muitos momentos fofos e de felicidade. As questões de gênero e sexualidade são tratadas de forma completamente natural, como deveriam ser: é possível notar, em cada cena do filme, elas rodeadas de amigas e outras garotas queer. Além disso, o enredo de homofobia, que muitas vezes soa inevitável, é inexistente.
Em meio a toda a sensibilidade e química das personagens na obra, está a polêmica entre as duas atrizes que dão vida a elas: Auli’i Cravalho, que vive AJ, acusou de bifobia sua parceira de filme Rowan Blanchard, que interpreta Paige, por meio de um vídeo na rede TikTok, e isso chocou por completo os fãs da comédia. A protagonista curtiu diversos tweets com afirmações bifóbicas em 2019, atingindo diretamente a comunidade a qual ela mesma faz parte. Apesar de o assunto continuar incomodando os fãs da obra, não tira o admirável caminho da história.
A produção traz conforto e, ao mesmo tempo, reivindica respeito e representações na sociedade, principalmente nas telas do entretenimento. Com personagens abertamente sáficas, a trama intensifica o imaginário necessário de que pessoas homossexuais sejam retratadas naturalmente na cultura. Assim, abarcar os indivíduos nas produções é essencial pelo impacto positivo trazido pelo Cinema nas relações sociais. É exatamente o que Crush consegue fazer, com maestria: trazer uma história simples e agradável do que não é ser heterossexual.
A execução da maravilhosa comédia romântica LGBTQIA+ faz com que as pessoas da comunidade se sintam acolhidas, respeitadas e seguras, com uma representação de carinho de suas narrativas cotidianas. A atuação e direção são excelentes, a química entre as atrizes é admirável – mesmo com seus atritos nas redes sociais – e pessoas queer envolvidas em todos os processos de produção fazem uma diferença muito positiva. Com simplicidade e aconchego, Crush convida o espectador a se deliciar com a vida das personagens, lembrando como todos merecem a espontaneidade de experiências e um amor tranquilo.