Caroline Campos
Aos gritos de “vão estragar minha infância”, o remake de Convenção das Bruxas finalmente chegou – para a felicidade dos amantes de Anne Hathaway e de Halloween. Por isso, às vezes, o aviso se torna necessário: não, querido fã, uma nova versão do seu filme preferido não anula a existência do original. Fiquem tranquilos, Anjelica Huston segue incomparável e sua trupe de destruidoras de criancinhas estarão eternamente disponíveis para serem revisitadas. Enquanto isso, curtiremos o novo longa de Robert Zemeckis, reimaginando a clássica história que completa 30 anos em 2020.
“As Bruxas existem e estão entre nós!” alerta, então, a voz de Chris Rock nos primeiros momentos do filme, ao nos contar sua história. Assim, viajamos para o passado, quando um acidente de carro mata os pais d’O Garoto, o carismático Jahzir Bruno, e o leva a viver com sua Avó, a ganhadora do Oscar Octavia Spencer. Quando o menino avista sua primeira bruxa, a avó resolve fugir com ele para um luxuoso hotel – o exato lugar em que a conferência das bruxas do país está acontecendo. Lá, nosso Hero Boy se depara com o plano que a Grande Rainha Bruxa (Anne Hathaway) quer colocar em prática: transformar todas as crianças do mundo em ratos.
Além da direção de Zemeckis, o filme conta com roteiro de Kenya Barris (de Black-ish) e produção de Alfonso Cuarón e Guillermo del Toro, que também participou da criação do roteiro original. O resultado não poderia ter sido diferente: o filme é divertido nos momentos certos, com todos os detalhes necessários para assustar a nova geração de crianças que se depararem com o sorriso de, literalmente, orelha a orelha de Hathaway e sua careca cheia de feridas nojentas, com direito a vermes e coisas do tipo.
A Grande Rainha Bruxa é assustadora, pelo menos verbalmente. Anne traz uma variação de xingamentos compostos para sua personagem usar a todo momento que está irritada ou brava, ou seja, basicamente o filme todo. A personalidade explosiva da líder do coven é enfatizada pela performance cômica e dedicada de Hathaway, que destrói móveis, distribui gritos e sibila para qualquer um que cruzar seu caminho e seus planos no hotel de Sr. Stringer (Stanley Tucci).
Quando O Garoto e seu amigo Bruno Jenkins (Codie-Lei Eastick) são transformados em ratos, eles descobrem que a ratinha Daisy, companheiro do garoto, também era uma criança. É então que o trio resolve roubar um frasco da poção e transformar toda a Convenção em roedores raivosos. A narrativa do remake se assemelha mais à história escrita por Roald Dahl do que ao filme dos anos 90, mas alguns pontos valem a comparação. A versão de 2020 utiliza demais o CGI, chegando a nos deixar cansados daqueles ratos sempre em pé e falando – em 1990, os efeitos eram práticos, mesclando próteses e filmagens dos animais.
A icônica maquiagem de Anjelica Huston, que demorava 8 horas para ficar pronta, foi substituída pelos dentes afiados e braços compridos de Anne Hathaway, algo que, para a geração acostumada com um mundo de Pennywises, narigões e verrugas não assustam mais tanto assim. No entanto, pelo menos Huston se diferenciava de seu coven, já que a nova Rainha possui poucas mudanças físicas de suas subordinadas. Além disso, a transformação de Jenkins no filme original com certeza tirou o sono de muitas crianças, coisa que a nova versão deixa passar batido.
Comparações à parte, o longa de Zemeckis tem seu carisma próprio. Ele não ficou preso às amarras da pressão dos saudosistas e nos deu um final completamente diferente do The Witches dirigido por Nicolas Roeg. Apesar dos momentos tensos envolvendo as filmagens, Jahzir Bruno e Octavia Spencer entregam um carinho emocionante entre neto e avó, principalmente nas cenas iniciais que focam no Garoto reaprendendo a viver sem a figura dos pais e lidando com a nova realidade.
O protagonismo negro, inexistente no primeiro filme, foi uma mudança revigorante e condizente para o longa. Com diversas falas e momentos subentendidos, a presença da Avó e d’O Garoto em um hotel de primeira classe e a reação dos funcionários refletem a realidade dos personagens nos Estados Unidos racista dos anos 60. Spencer é irreverente com suas expressões marcantes e confrontos com os algozes de seu neto, que, infelizmente, é personificado por Bruno em apenas alguns momentos – já que, no resto do filme, ele é um ratinho sorridente.
Convenção das Bruxas é uma pedida excelente para assistir no Halloween, com ou sem os pequenos ao seu lado. Com personagens clássicos do terror infanto-juvenil e bons momentos para risadas, não caia no conto de que o filme estraga seu antecessor. Se o original é melhor ou não, cabe a você decidir. Mas a obra de Robert Zemeckis revigora e homenageia Anjelica Huston e seu coven, nos apresentando novas bruxas que as crianças do séc. XXI devem temer. No entanto, o aviso permanece: crianças, nunca, sob hipótese alguma, aceitem doces de estranhos.