Larissa Silva
“Como você imagina o futuro?”. Essa é a pergunta feita em C’mon C’mon ou Sempre em Frente, no título nacional, lançado em 2021 pela já consagrada produtora A24. No entanto, é o passado e a construção da memória que parecem permear o desenvolvimento da trama. O novo longa de Mike Mills dá continuidade à sua assinatura cinematográfica de teor sentimental, poético e autobiográfico. Enquanto filmes como Toda Forma de Amor e Mulheres do Século 20 são inspirados, respectivamente, nas figuras paterna e materna do diretor e roteirista, C’mon C’mon nasce de sua experiência cuidando do próprio filho.
Com a interpretação de um Joaquin Phoenix mais leve e introspectivo, vemos a contraposição do protagonista com a intensidade do papel que garantiu seu primeiro Oscar, o Coringa. Johnny é um jornalista de rádio em Nova York que está levantando depoimentos de crianças de diferentes localidades sobre o futuro e recebe o desafio de cuidar do excêntrico, porém cativante, sobrinho de 9 anos, Jesse (Woody Norman), durante a ausência da mãe para acompanhar a reabilitação do marido bipolar.
Enquanto as entrevistas registram uma memória coletiva a respeito do contexto de desigualdades e problemáticas socioambientais, bem como o impacto nas inseguranças sobre o futuro, a trajetória de Johnny e Jesse transita na formação da memória individual. Seja na desconstrução do hábito de reprimir os sentimentos por parte do menino, no que se refere às dificuldades omitidas pela família, ou pelo enfrentamento das antigas desavenças de Johnny com a irmã, a jornada entre os dois proporciona efeitos benéficos e com novas perspectivas para ambos.
A cinematografia em preto e branco, dirigida por Robbie Ryan, flerta com a melancolia na dramaticidade das situações impostas aos personagens, porém volta para a sensação de acolhimento no enfoque das conexões humanas e no sentimentalismo do dia a dia. Tal ambientação pode ser vista de maneira desfavorável para o telespectador que deseja escapar da realidade para um mundo completamente diferente do seu, ao passo que outro perfil de público pode suprir sua necessidade por identificação ou ao menos na percepção sobre as relações humanas a partir de um enquadramento específico.
A trilha sonora composta pelos irmãos Aaron e Bryce Dessner agrega um intimismo em meio a planos abertos de paisagens urbanísticas de Detroit, Nova York, Los Angeles e Nova Orleans. Há, com isso, uma dualidade entre o plano geral e o particular, do mesmo modo com quais as temáticas abordadas pelas entrevistas são perpassadas pelos dilemas pessoais de Johnny e Jesse.
A partir da mescla de ficção, autobiografia e documentário, Mike Mills trabalha com o levantamento de depoimentos espontâneos, feitos por jovens atores não treinados da Geração Z, para contribuir à criação de um longa mais genuíno em sua composição, refletido na produção e atuação. Essa espontaneidade entre os entrevistados integrada à trama versa com um roteiro que, embora fictício, apresenta diretamente raízes em memórias e pessoas reais. As entrevistas foram agendadas pelo diretor com a consultoria da jornalista de rádio Kaari Pitkin e ajudaram a manter a essência autêntica do filme.
O material utilizado em C’mon C’mon abrange relatos verdadeiramente humanos de crianças sobre as problemáticas de teor socioambiental como meio de conscientização, bem como reflexões gerais sobre a vida. Ao mesmo tempo, vemos na ficção como os depoimentos particulares de Johnny ao decorrer da convivência com o sobrinho, acrescido da leitura de trechos literários como forma de contextualização, garantem uma delicadeza lúdica característica dos trabalhos de Mills.
Jesse, durante a maior parte da experiência, se recusa a ouvir e a expressar suas inseguranças. Isso fica evidente com a relutância do menino em pensar e relatar sua percepção sobre o futuro como as demais crianças, já que suas noções sobre o futuro tomam os assuntos familiares inacabados do passado como base, em vez de um maior contexto de impacto comum e público como a degradação do meio ambiente.
A própria dinâmica do filme encontra refúgio no passado, conforme os flashbacks retomam os mesmos momentos como na tentativa de recuperar algo dessas memórias. Vemos Johnny e a irmã Viv (Gaby Hoffmann) cuidando da mãe doente e discutindo entre si, Jesse brincando com o pai e ouvindo música clássica com sua mãe e entre outras situações que parecem permear a base desses relacionamentos.
No presente, as lembranças servem para ressignificar, contextualizar e trazer um novo olhar sobre a identidade de cada personagem. Do mesmo modo, o registro oral pelas gravações com desabafos e relatos pessoais de Johnny durante as situações episódicas com a criança trazem uma seletividade para a construção de uma memória que possa ser consultada em fases posteriores da vida.
A preocupação com o esquecimento se faz nos diálogos da dupla, que vêem no registro e no compartilhamento da memória como formas de reviver e ressignificar os aprendizados capazes de continuar a contribuir com cada um em seus diferentes rumos. Para seguir em frente, é preciso saber por onde passou, enfrentar os fantasmas do passado e reconhecer e reconstruir sua individualidade em meio à imensidão da dimensão coletiva.
C’mon C’mon não apresenta grandes reviravoltas, não coloca obstáculos tangíveis e nem faz uso de alegorias visuais, mas esses não parecem ser o objetivo de Mike Mills. Em sua simplicidade artística, Sempre em Frente convida o telespectador a emergir na vida desses personagens e seus respectivos relacionamentos como uma forma de autorreflexão e confirmação da complexidade da vida cotidiana.