Ana Nóbrega
Clichê de reparação. Clara Alves dispõe em seu livro Conectadas, publicado em 2019 pela Editora Seguinte, tudo que qualquer menina queer sonhou enquanto assistia à comédias românticas adolescentes em sua infância. Jogos, romance, juventude, cultura pop e a realidade de muitas garotas são alguns dos pontos abordados por Clara em sua obra, feita para garotas jovens que ainda estão se descobrindo em um mundo tão violento, e também para mulheres adultas que foram roubadas de seus clichês juvenis.
A trama escrita por Clara conta a história de Raíssa e Ayla, com capítulos intercalados que aprofundam um pouco da vida de cada uma, duas adolescentes que são apaixonadas por jogos e enfrentam conflitos com sua sexualidade. Raíssa tem uma família amorosa e tranquila, e vive cercada por seus amigos de escola, no entanto, ela ainda esconde um segredo das pessoas, por medo de ser rejeitada.
Enquanto isso, Ayla enfrenta diversos problemas dentro da sua própria casa, já que a relação com os pais não é das melhores. Além disso, o comportamento da menina na escola reflete tudo que ela vive em seu lar, o que resulta em um ciclo de amigas reduzido a Vick e Dricka, suas colegas de classe, Raíssa — que se passa por outra pessoa — e sua tia Sayuri. A última é personagem importante na vida de Ayla, sendo uma peça chave para que ela tenha contato com o mundo de fora do caos de sua residência, atuando quase que como uma fada madrinha.
“Atravessei a sala em direção ao pequeno corredor que ligava aos outro cômodos da casa e, assim que parei na frente do quarto da minha mãe, a encontrei apagada com a pequena televisão de tubo ligada, o frasco de Rivotril em cima da mesinha de cabeceira. Eu suspirei e fiz menção de continuar pelo corredor, mas entrei no cômodo e parei para dar um beijo na cabeça dela. Não havia sinal do meu pai.”
Os caminhos de Ayla e Raíssa se cruzam enquanto ambas jogam Feéricos, um jogo on-line pelo qual as duas são apaixonadas. Raíssa, que é uma jogadora antiga, finge ser um menino no jogo, para poder ser levada a sério por outros jogadores. Em contraste, Ayla passa por uma situação semelhante, mas um tanto diferente. Ela não consegue ajuda de outros players por usar um personagem feminino, e por isso, sai em busca de alguém que possa lhe apoiar em sua jornada digital. Tudo isso sem saber que o que a espera é uma série de novas experiências e sentimentos.
Raíssa oferece ajuda para Ayla, e as duas se tornam grandes amigas. Porém, Ayla não sabe que Raíssa é uma menina. Não apenas isso, ela acredita que seu parceiro de jogo é Leo, um dos melhores amigos de Raíssa. Conforme a amizade das duas se desenvolve, o melhor amigo de Raíssa e ela se encontram em uma rua de mão única quando um grande evento de games chama a atenção deles, e também de Ayla. Conectadas se desenvolve quase como o filme Sierra Burgess é uma Loser, só que dessa vez as personagens principais são mais carismáticas e a trama segue o caminho correto para prender o público.
A leitura é leve e fluída, o que faz com que o leitor consiga terminar a história mais rápido do que se imagina, e ainda deixar um quê de quero mais. As vidas das personagens principais são bem desenvolvidas, e quem está do outro lado da obra consegue empatizar pelas dores familiares de Ayla e pelo medo que Raíssa sente em relação ao seu envolvimento com a web amiga. O ponto de vista das duas estar incluído na obra faz aflorar o sentimento de saber o segredo de uma e não poder contar para a outra.
Outro fator que chama atenção do público no romance de Ayla e Raíssa é que nenhuma delas é branca Ou seja, o clichê de Clara Alves passa longe das histórias heteronormativas e caucasianas que sempre tiveram espaço na mídia. Essa característica da obra faz com que os leitores LGBTQIA+ e não-brancos sintam seus corações quentinhos, por conseguirem presenciar uma história de amor que representa sua vivência para um grande público-alvo.
“Aquelas duas últimas horas tinham sido incríveis ao lado dela — quase como costumavam ser com o Leo na internet, só que melhor.”
Além disso, a autora abre o caminho para uma discussão que está em alta desde que o mundo dos gamers explodiu: a presença de mulheres no mundo dos jogos. Tanto Ayla, quanto Raíssa, enfrentam discriminação no meio. Afinal, ainda existe uma crença errônea de que o público é majoritariamente masculino e que qualquer pessoa que fuja disso não se encaixa no ideal. Aos poucos, as duas ganham espaço dentro desse ambiente e realizam seus sonhos.
A história de Conectadas é completa por si só, praticamente um romance adolescente de apenas um filme, como 10 Coisas que Eu Odeio em Você, Sorte no Amor e Ela é o Cara. O livro é um daqueles que não precisam de continuação para agradar o leitor, apesar da história incompleta de alguns personagens secundários deixarem-nos com a pulga atrás da orelha para saber um pouco mais. Principalmente quando se trata de outras tramas LGBTQIA+ na história.
Para quem curte uma história mais madura, Conectadas pode não ser a melhor opção. Porém, quem está em busca de curar seu adolescente interior com representatividades que não eram vistas há até dez anos atrás, com certeza vai adorar a obra. Principalmente os fãs de livros LGBTQIA+ , como Heartstopper, Vermelho, Branco e Sangue Azul e Rainhas Geek, que tem se popularizado nos últimos tempos. Para as jovens sáficas que cresceram sem nenhum tipo de representação, Conectadas é quase uma reparação que reforça que pessoas fora do padrão de heteronormatividade também têm o direito de viverem grandes romances felizes.